Dr. Nuno Vasco Lopes*
«Farmácia baseada na evidência»
Mais do que uma medida política, a manutenção da dispensa dos medicamentos nas farmácias é uma medida baseada na evidência dos benefícios que daí resultam para a saúde pública.
A dispensa de medicamentos é, na generalidade dos países da Europa, efectuada por farmacêuticos nas farmácias. No entanto, e apesar de esta ser a regra nos países europeus, existem excepções. Estas excepções, justificadas por questões históricas, ocorrem nos países anglo-saxónicos.
O modelo existente nestes países tem os seus defensores em Portugal. Este modelo é apresentado de forma insistente pelos mais fortes interesses económicos, principalmente na área da grande distribuição. Esta pressão dos grandes grupos distribuidores visa a obtenção do medicamento como mais um elemento do extenso portfólio de produtos apresentados nas grandes superfícies comerciais.
Não são poucos os elementos que justificam a manutenção do actual circuito do medicamento, impedindo que os medicamentos passem a ser mais um dos produtos vendidos nos supermercados, como de um vulgar detergente se tratasse.
Recentemente, o British Medical Journal publicou um estudo extremamente interessante sobre esta problemática. Este estudo relaciona a diminuição da dimensão das embalagens de paracetamol e salicilatos com a diminuição do número de intoxicações acidentais e tentativas de suicídio por estas substâncias.
O paracetamol e os salicilatos são medicamentos vendidos na Grã-bretanha nas prateleiras de qualquer supermercado, sem qualquer intervenção do farmacêutico. Só na Grã-Bretanha o paracetamol é responsável por 70.000 casos de envenenamento voluntário.
Em resposta a este grave problema de saúde pública, o Governo de Tony Blair introduziu, em Setembro de 1998, algumas medidas restritivas no diz respeito à venda destes medicamentos, reduzindo o número de comprimidos por embalagem de paracetamol e salicilatos.
Com a implementação das medidas restritivas do governo britânico, verificou-se uma redução de 21% no número de mortes por intoxicação por paracetamol e de 48% por intoxicação com salicilatos. Simultaneamente, desceu também a taxa de transplantes hepáticos após intoxicação por paracetamol (66%), tendo a taxa de envenenamentos por paracetamol sem efeitos mortais descido 11%.
Este estudo concluiu que a diminuição das embalagens de paracetamol e salicilatos impostas pelo governo britânico tiveram efeitos significativos na mortalidade e morbilidade associada a envenenamentos com paracetamol e salicilatos. Bastou a redução do número de comprimidos por cada embalagem de medicamento para se sentir uma significativa redução de casos de envenenamento.
Extrapolando as conclusões deste estudo, imaginemos os benefícios resultantes de uma reposição de todos estes medicamentos nas farmácias da Grã-Bretanha, sob a supervisão técnica e científica do Farmacêutico.
Em terras de Sua Majestade, prevaleceram os interesses da saúde pública em detrimento dos interesses económicos.
Ao invés, em Portugal, as pressões são exercidas no sentido contrário, aparecendo frequentemente novas tentativas de grandes grupos económicos, no sentido de colocarem os medicamentos nas prateleiras dos supermercados. Não deveriam prevalecer os interesses da saúde pública, baseados em dados concretos de estudos realizados nos erros cometidos por outros países europeus?
Aprender com os erros dos outros é uma virtude, repeti-los é falta de inteligência.
A população portuguesa não está distraída, reconhecendo a intervenção do farmacêutico como agente de saúde, actuando como agente de preservação da saúde pública, colaborando com os outros profissionais de saúde e promovendo junto deles e do doente a utilização segura, eficaz e racional dos medicamentos e assegurando que na dispensa do medicamento o doente recebe a informação correcta sobre a sua utilização.
Reforçando esta posição, foi publicada uma sondagem no jornal Diário de Notícias de 5 de Agosto último dando conta que mais de 60% dos portugueses defendem que os medicamentos devem continuar a ser dispensados nas farmácias, sob supervisão técnica do farmacêutico.
* Farmacêutico
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