EPIDEMIOLOGIA
E SITUAÇÃO ACTUAL
in «Manual sobre infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana»
Dra. Maria Teresa Paixão,
Directora do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis

 


A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) foi pela primeira vez reconhecida nos Estados Unidos da América em 1981, constituindo hoje, a nível mundial, um dos problemas dominantes de Saúde Pública.
Nos EUA, a vigilância epidemiológica das doenças infecciosas e crónico-degenerativas está a cargo dos Centers for Desease Control (CDC) de Atlanta, Georgia. Quando a 5 de Junho de 1981 os CDC referiram os primeiros 5 casos de pneumonia por Pneumocystis carinii, em indivíduos homossexuais residentes na Califórnia, e nos meses seguintes outros casos deste tipo de pneumonia associados a sarcoma de Kaposi eram igualmente diagnosticados em indivíduos do Estado de Nova Iorque, desde logo a comunidade científica e médica americana reconheceu estar perante uma situação nova, em termos clínicos e epidemiológicos.
Muito antes da identificação do agente etiológico, a dinâmica epidemiológica da SIDA era já bem conhecida e, em Janeiro de 1982, no New England Journal of Medicine, fez-se uma análise detalhada de 159 casos registados entre 1 de Junho e 10 de Novembro do ano anterior.
A existência de um sistema de vigilância epidemiológica permitiu detectar rapidamente os primeiros casos de SIDA. Entende-se por vigilância epidemiológica a observação contínua de todos os aspectos da ocorrência e transmissão de uma doença, que são pertinentes para um controlo efectivo e que são determinantes na aplicação de medidas de cuidados de saúde.
A etiologia da nova doença não estava perfeitamente esclarecida. Em 1983, é identificado um vírus, pertencente ao grupo dos retrovírus, designado à data por HTLV-III. Este retrovírus tem hoje autonomia taxonómica, após estudos virológicos que evidenciam diferenças significativas em relação àqueles vírus e é designado por Vírus da Imunodeficiência Humana tipo 1 (VIH 1); em 1985 é identificado um segundo vírus, o Vírus da Imunodeficiência Humana tipo 2 (VIH 2).
Desasseis anos decorridos sobre a identificação dos primeiros casos, a SIDA ocorre em todo o Mundo, observando-se uma evolução da pandemia com características distintas nas diferentes regiões geográficas.
 
Formas de transmissão
Nos anos que se seguiram à descrição dos primeiros casos de SIDA, realizaram-se diversos estudos clínicos, epidemiológicos e virológicos.
O vírus foi isolado em diferentes líquidos orgânicos, como o sangue, o esperma, as secreções vaginais, a saliva, o leite materno, a urina e líquidos céfalo-raquidiano, amniótico e bronco alveolar. Sabe-se que o VIH é transmitido principalmente através do contacto com líquidos orgânicos (sangue, esperma e secreções vaginais) de indivíduos infectados, sendo três as principais formas de transmissão: sexual, sanguínea e «mãe-filho» (transmissão vertical).
Categorias de transmissão
Um dos principais parâmetros epidemiológicos, em relação aos indivíduos afectados, revelou a existência de grupos populacionais com determinados comportamentos que poderiam favorecer a transmissão do vírus.
Assim, as diferentes formas de transmissão levam a admitir a existência de grupos de indivíduos sujo comportamento é considerado de «risco», tornando-os mais susceptíveis a serem infectados ou a transmitirem a infecção:
-- Homo e bissexuais masculinos;
-- Heterossexuais com múltiplos parceiros;
-- Toxicómanos, com recurso à via endovenosa;
-- Transfusionados;
-- Hemofílicos;
-- Recém-nascidos de mães infectadas.
Diferenças na pandemia da infecção pelo VIH e SIDA
As diferenças na pandemia da infecção pelo VIH e na ocorrência de casos de SIDA devem-se fundamentalmente a:
-- Data em que ocorreu a introdução do VIH na comunidade;
-- Diferenças nas proporções das categorias de transmissão.
Na Europa e nos Estados Unidos da América do Norte, os homossexuais e bissexuais masculinos constituem a categoria de transmissão em que se regista o maior número de casos, enquanto que em África a doença predomina no grupo dos heterossexuais.
 
Toxicodependentes infectados predominam em Portugal
Portugal, à semelhança do que acontece com outros países, encontra-se ainda numa fase precoce da epidemia. O primeiro caso de SIDA entre nós verificou-se há 14 anos e desde então a doença tem-se expandido a um ritmo acelerado. E a observação da distribuição temporal dos casos de SIDA revela tendências de crescimento, embora diferenciado para os diferentes grupos populacionais infectados. De acordo com o Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis, o grupo que registou uma maior taxa de crescimento nos últimos 3 anos foi o dos toxicodependentes.
Desde 1 de Março até 18 de Abril de 1997 foram notificados no nosso país um total de 4.103 casos de SIDA. Destes, 61,5% dizem respeito a pessoas já falecidas.
Os homens portugueses constituem a esmagadora maioria dos infectados. De facto, enquanto as mulheres não representam mais do que 15,7% da totalidade de doentes, os homens constituem os restantes 84,3% dos casos.
A população toxicodependente é, de acordo com dados oficiais, a mais afectada pela SIDA (39,9%), seguida pelos heterossexuais (26%) e pelos homossexuais (24,2%).
O grupo etário dos 25 aos 29 anos é o mais atingido (21,2%), logo seguido do grupo de indivíduos que têm entre 30 e 34 anos (20,4%).
Contrariamente ao que de uma forma geral acontece na Europa, Vírus da Imunodeficiência Humana do tipo 2 é predominante no nosso país. O VIH 1 apresenta-se com valores inferiores a 8% da totalidade dos casos.

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