- Prof. Fausto Pinto
- Dr. Carlos Morais
Os dados do estudo FAMA sugerem que mais de 120 mil portugueses com idade superior a 40 anos são afectados pela fibrilhação auricular. Os especialistas asseguram que esta patologia aumenta cinco vezes o risco de acidente vascular cerebral (AVC).
Imagine-se um relógio com os ponteiros avariados. Este poderá ser um exemplo paradigmático do que se passa com a fibrilhação auricular, a arritmia mais frequente no adulto. «Normalmente, as aurículas, dois condutos do sangue que se encontram na parte superior do coração, contraem-se e relaxam com uma certa regularidade. Mas, quando há um “curto-circuito”, estas estruturas perdem a sua eficácia, o que se traduz numa má actividade geral do coração, que, embora continue a desempenhar a função de “bomba”, passa a bater de forma desordenada e dessincronizada», explica o Prof. Fausto Pinto, vice-presidente da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC).
De acordo com o professor catedrático de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, a «batuta do maestro» (uma estrutura situada no tecto da aurícula direita que dá pelo nome de nódulo sinusal) determina o ritmo dos batimentos cardíacos. «Em condições normais, contabilizam-se cerca de 50-90 batimentos [cardíacos] por minuto (bpm)», considera o especialista, acrescentando que esse valor poderá estar bastante alterado com a fibrilhação auricular – em alguns casos menos de 40 e em outros mais de 120 bpm.
«As aurículas melhoram a função mecânica do coração, permitindo que o sangue flua de forma mais ordenada. No
entanto, quando esta actividade de “marca-passo” está danificada, o coração poderá ter irregularidades no ritmo e na frequência dos batimentos. Em virtude da dilatação das aurículas – uma situação que ocorre a longo prazo –, há uma estagnação do sangue dentro destas estruturas, o que propicia a formação de pequenos coágulos, uma das complicações mais temíveis da fibrilhação auricular», esclarece Fausto Pinto.
Segundo o cardiologista, estes coágulos, ao serem arrastados pela corrente sanguínea, podem alojar-se em qualquer parte do organismo. Mas o maior risco será quando os êmbolos se depositam nas artérias que irrigam o cérebro. «A fibrilhação auricular é uma das principais causas de AVC, pelo que está recomendado que estes doentes estejam submetidos a uma terapêutica anticoagulante – fármacos que fluidificam o sangue, evitando a formação de coágulos.»
O electrocardiograma é o exame de eleição no diagnóstico da arritmia
Prevenir e remediar
De acordo com Fausto Pinto, «a sensação de palpitações, ou seja, a impressão de que o coração está a bater de forma irregular [ritmo mais lento ou acelerado]», é um dos principais sinais de alerta. «Os doentes com fibrilhação auricular, quando entram em insuficiência cardíaca – uma situação que se caracteriza pela redução do débito cardíaco [fluxo de sangue que é bombeado pelo coração] –, também podem queixar-se de falta de ar.»
Após a identificação destes sintomas, os doentes devem procurar imediatamente o médico assistente, já que, actualmente, há estratégias terapêuticas que ajudam a solucionar os casos de fibrilhação auricular. «O tratamento consiste na ablação – uma técnica mais invasiva, indicada para casos mais graves, que visa “queimar” a zona onde ocorre a arritmia – e na prescrição de fármacos antiarrítmicos ou anticoagulantes.»
Os medicamentos anticoagulantes, usados na prevenção do AVC, evitam a formação de coágulos, um dos factores que pode provocar o entupimento das artérias.
«As recomendações internacionais mais recentes sugerem que os doentes acima dos 65 anos, com factores de risco associados – em particular, a hipertensão arterial, a insuficiência cardíaca e a diabetes –, têm uma indicação formal para iniciar esta medicação», completa o especialista.
A varfarina, até agora o fármaco de primeira escolha na terapêutica anticoagulante, implica a realização de análises regulares. «O reverso da medalha desta terapêutica anticoagulante é o risco de hemorragia», defende o cardiologista, sugerindo que este medicamento obriga a um ajuste periódico da dose. No entanto, vários ensaios clínicos provaram que a introdução de novas moléculas, que passaram no crivo da investigação clínica, poderia ajudar a contornar esta dificuldade.
«Segundo alguns estudos, o dabigatrano, um anticoagulante administrado por via oral, que será brevemente introduzido em Portugal para a prevenção do AVC em doentes com fibrilhação auricular, mostrou uma eficácia igual ou superior à varfarina, mas com uma redução acentuada do risco de hemorragia. Esta será uma das novas possibilidades de tratamento, dado que estes fármacos dispensam a realização de análises periódicas.»
Estudo FAMA «mede o pulso» aos portugueses
O estudo FAMA, realizado ao longo de 2009, em Portugal, procurou avaliar a prevalência da fibrilhação auricular na população com mais de 40 anos. Com base numa amostra representativa de 10.447 indivíduos de ambos os sexos, foi possível estimar que 121.825 portugueses sofrem de fibrilhação auricular.
«Foram aplicados inquéritos sintomáticos, complementados com a realização, no domicílio, do electrocardiograma – um método de eleição no diagnóstico da arritmia. Este exame foi, posteriormente, validado por dois cardiologistas», refere o Dr. Carlos Morais, presidente da Associação Portuguesa de Arritmologia, Pacing e Electrofisiologia (APAPE).
«Acima dos 40 anos, a arritmia cardíaca atinge cerca de 2,5% da população, mas, em pessoas com mais de 70 anos, a prevalência é de 6,6%. A idade é, por isso, um factor de risco para fibrilhação auricular», nota o cardiologista. «A arritmia está associada a outras comorbilidades cardiovasculares, nomeadamente, a hipertensão arterial, a dislipidemia ou a ocorrência prévia de um evento cerebrovascular, em particular, o AVC.»
Segundo Carlos Morais, «dos cerca de 10 mil inquiridos, só 1,6% tinha um diagnóstico confirmado de fibrilhação auricular». Com base nestes dados, o presidente da APAPE garante que «a grande maioria dos portugueses não tem informação sobre esta arritmia cardíaca e sobre os tratamentos disponíveis».
Do total de doentes diagnosticados, pouco mais de 1/3 estava medicado com anticoagulantes. Para aumentar o número de diagnósticos, Carlos Morais sugere a «criação de rastreios, que permitam alertar a população para os riscos da fibrilhação auricular», já que esta patologia aumenta cinco vezes o risco de AVC.
Texto: Andreia Pereira