Artigo de Saúde Pública®
Nº 95 / Janeiro de 2011
02 Há vida depois da depressão
- Dr. Fernando Medeiros Paiva
- Prof.ª Maria Luísa Figueira
- Dr.ª Inês Cunha
A depressão é a principal causa de incapacidade e, entre 107 doenças, está descrita como sendo a segunda razão mais relevante de perda de anos de vida saudáveis. Contudo, um tratamento cumprido à risca pode representar a «luz ao fundo do túnel» na vida de um doente com um quadro depressivo.
A palavra depressão é muitas vezes utilizada de forma errada para definir o sentimento de alguém perante a morte de um ente próximo, a angústia de perder o emprego ou, até mesmo, porque algo não correu da forma como se desejava.
Mas a verdade é que a depressão é mais do que tudo isto.
«Consiste numa doença do cérebro que se apresenta com um conjunto de sintomas que podem subdividir-se em emocionais, cognitivos e físicos (somáticos dolorosos e não dolorosos)», explica o Dr. Fernando Medeiros Paiva, psiquiatra da Casa de Saúde de Santa Catarina, no Porto.
O especialista salienta, no entanto, que a baixa de humor (tristeza reactiva ou sem motivo), a falta de alegria, o desinteresse ou apatia (anedonia), a desesperança e os sentimentos de culpa são os sintomas mais reportados pelos doentes durante a consulta.
De acordo com o psiquiatra, os sintomas cognitivos (défice de atenção, de concentração, de memória com lentificação do pensamento e, por vezes, com alterações no juízo crítico) pertencem a um quadro «menos visível e mais subestimado».
Já as queixas físicas são «tão preponderantes», chegando mesmo a «mascarar» os sinais «emocionais ou cognitivos».
Existem dois subgrupos de sintomas físicos: os dolorosos (dores de cabeça, lombares, torácicas, abdominais e articulares) e os não dolorosos (perturbações do sono e do apetite, perturbações gastrintestinais, falta de ar, taquicardia, tonturas e vertigens, fadiga física e perda de energia). «Neste caso, pode haver um erro de diagnóstico e, por conseguinte, o tratamento adequado é adiado.»
A sintomatologia da depressão não difere entre os sexos. Contudo, e segundo o psiquiatra, «os doentes do género masculino têm mais dificuldade em queixar-se dos sintomas emocionais. Mas, por outro lado, relatam mais sinais físicos, acompanhados de manifestações de tipo agressivo e impulsivo.
É importante reconhecer e diagnosticar a depressão o mais precocemente possível para se iniciar o seu tratamento adequado.
«Quando a terapêutica é iniciada dentro dos primeiros seis meses, após o início dos primeiros sintomas, a taxa de êxito é de cerca de 50%, baixando ao fim de um ano para cerca de 16%», adverte Fernando Medeiros Paiva.
O «poder» dos antidepressivos
Existem dois grandes tipos de depressão: endógena (de causalidade predominante biológica e genética) e reactiva (de causalidade predominante ambiental).
«De um modo sucinto, na depressão endógena, a intensidade dos sintomas é mais grave e a resposta aos fármacos antidepressivos é melhor. Na reactiva, os sintomas são mais explicáveis e a intervenção psicoterápica e social torna-se essencial para a sua resolução», refere Fernando Medeiros Paiva, adiantando que «o mais frequente é a existência de uma mistura destes dois tipos com gradientes».
De acordo com a Prof.ª Maria Luísa Figueira, directora do Serviço de Psiquiatria do Hospital Santa Maria e professora catedrática de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa, «os antidepressivos têm várias acções distintas».
«O efeito verdadeiramente antidepressivo – com redução do humor depressivo e da tristeza – só se exerce ao fim de, pelo menos, duas semanas de tratamento. No entanto, existem diferenças individuais nas respostas aos fármacos, ou seja, um antidepressivo indicado para um doente com depressão pode ser mal tolerado ou ineficaz noutros casos», sublinha.
É preciso ter em conta dois aspectos.
«O primeiro é que não há apenas um único tipo de depressão nem uma única gravidade, e esse facto determina a escolha do fármaco. Em segundo lugar, o temperamento e a personalidade do doente interferem na resposta aos fármacos, facilitando a sua acção ou, pelo contrário, dificultando-a. A escolha do antidepressivo pode ser determinada, ainda, pelo tipo de sintomas dominantes: reacções físicas, em particular dolorosas, persistência da insónia e se o doente se sente incapaz de executar qualquer actividade», adianta a especialista.
Duração do tratamento é importante para evitar recaídas
«Habitualmente, quando as depressões são endógenas, é necessário recorrer-se a antidepressivos de dupla acção que actuam nos neurotransmissores mais importantes ligados à doença: a serotonina e a noradrenalina», refere a Dr.ª Inês Cunha, assistente graduada de Psiquiatria do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (Hospital de Júlio de Matos) e coordenadora da Unidade de Electroconvulsivoterapia (vulgo electrochoque) do mesmo hospital.
«Se a um doente com depressão profunda, que não tem energia e que, do ponto de vista cognitivo, também está extremamente alterado, dermos um medicamento que actue apenas na serotonina, provavelmente, não conseguimos tratar a depressão. É necessário prescrever um fármaco que actue na serotonina, na noradrenalina e, por vezes, na dopamina», explica.
Em doentes com quadros de distimia (habitualmente depressões mais leves, mas mais crónicas), usam-se os serotoninérgicos – fármacos de primeira linha.
Se estes não fizerem efeito, «aumenta-se a dose, desde que tolerada pelo doente, até se obter uma resposta terapêutica. Quando estes fármacos não surtem efeito, passa-se para os antidepressivos de dupla acção», indica.
De acordo com a médica, após um segundo episódio da doença deve-se efectuar uma terapêutica profiláctica porque, caso contrário, a pessoa não está protegida.
«Nos quadros depressivos mais graves, o tratamento de uma primeira crise depressiva pode demorar oito ou nove meses, chegando mesmo a haver necessidade de prolongá-lo por mais de um ano.»
Texto: Susana Catarino Mendes