Artigo de Saúde Pública®
Nº 77 / Janeiro de 2009
07 Um «acordar» mais seguro, eficaz e tranquilo
- Dr. Simão Esteves
Muitos de nós não têm a noção de que o papel do anestesiologista é não só colocar o paciente a dormir, como garantir que este desperta da forma segura e tranquila. Esta segunda fase nem sempre é linear. Uma nova realidade farmacológica, lançada hoje, veio facilitar, e muito, o «acordar» do doente.
A anestesia geral é habitualmente descrita como um conjunto de três componentes. O Dr. Simão Esteves, do Serviço de Anestesiologia do Hospital de Santo António, no Porto, começa por explicá-los.
«A anestesia geral é classicamente composta por hipnose ou inconsciência, garantida através de fármacos depressores do Sistema Nervoso Central; analgesia conseguida por fármacos que retiram ou diminuem a sensação de dor – habitualmente opióides; e relaxamento muscular obtido pela administração de fármacos relaxantes neuromusculares que permitem a intubação da traqueia, facilitando a ventilação e melhorando as condições para realização de cirurgias da zona abdominal e do tórax».
No fim da cirurgia, após a reversão do efeito do relaxante neuromuscular, a suspensão da administração do agente hipnótico levará à possibilidade de acordar o doente de forma segura.
«Os hipnóticos e os analgésicos não necessitam de reversão. Simplesmente deixamos de administrá-los e o seu efeito vai-se diluindo ao longo do tempo. No que respeita aos relaxantes neuromusculares, é usual a utilização de inibidores da acetilcolinesterase para a supressão do efeito relaxante. No entanto, a administração deste tipo de fármacos apenas é possível quando o efeito do relaxante já está espontaneamente muito diminuído», esclarece o especialista, adiantando ainda:
«Com este novo medicamento, o sugamadex, temos uma reversão da actividade dos relaxantes neuromusculares esteróides mais eficaz e em qualquer nível de relaxamento muscular. Temos muito maior flexibilidade em relação ao momento escolhido para reverter esse bloqueio, o que, para um anestesiologista, é algo muito relevante.»
Este novo fármaco tem uma abordagem diferente da reversão do relaxamento muscular. Simão Esteves explica que «as opções que tínhamos antes para a reversão do bloqueio neuromuscular estavam centradas num equilíbrio entre o agonista (acetilcolina) e o antagonista (relaxante muscular). O sugamadex liga--se ao relaxante muscular esteróide que está em circulação, tornando-o inactivo. Estamos a falar de uma interacção farmacológica que é inovadora no campo da Anestesiologia».
Os benefícios com esta nova opção
Para o médico, o controlo da reversão da acção dos relaxantes neuromusculares, mais do que um benefício, é uma necessidade.
«Um doente que está intensamente relaxado tem os seus músculos completamente imóveis. É incapaz, por exemplo, de respirar. Quando entramos na fase de «acordar» o doente, ou seja, retirar-lhe a parte da inconsciência, pretendemos que o doente esteja capaz de respirar e de mobilizar a musculatura necessária à protecção da via aérea, de maneira a assegurar de forma conveniente as funções vitais. Para garantir esta realidade, necessitamos que o doente esteja com a sua força muscular o mais próximo possível do normal antes de entrar no bloco operatório».
Segundo Simão Esteves, «um dos grupos musculares mais sensíveis aos relaxantes neuromusculares é a musculatura da laringe e da faringe. É muito importante que a extubação apenas se realize quando a força nesses músculos tornar o doente capaz de expelir o vómito ou qualquer secreção que se acumulou durante o procedimento cirúrgico. São as situações que, enquanto anestesistas, mais tememos no recobro».
«Um doente que tenha uma força muscular debilitada na fase pós-operatória pode experimentar graves problemas respiratórios e o sugamadex é um fármaco que poderá diminuir a incidência de complicações associadas à deficiente recuperação da força muscular no fim da anestesia», explica.
Para o médico, não estava em causa a segurança das opções utilizadas até esta data: «A partir de agora teremos é mais segurança, flexibilidade e, acima de tudo, capacidade de uma intervenção mais activa e preponderante no momento de reverter os efeitos da anestesia geral. Antes, se o doente não apresentava condições para a reversão neuromuscular, tínhamos de prolongar o efeito dos hipnóticos e analgésicos até essa reversão ser possível.
Por outro lado, e até ao momento, não foram descritos com este novo fármaco efeitos laterais clinicamente relevantes, contrariamente aos fármacos até agora em uso, que apresentam diversos efeitos laterais, nomeadamente ao nível dos aparelhos cardiovascular e respiratório. Assim, com o sugamadex, podemos ser mais pró-activos com segurança e eficácia.»
Texto: Rui Miguel Falé