Artigo de Saúde Pública®
Nº 76 / Janeiro de 2009
02 Nem todas as glucosaminas são iguais
- Dr. Rui André
Calcula-se que se vendam em todo o mundo entre 4000 a 6000 toneladas de glucosamina por ano, a adicionar a outros produtos das mais diversas proveniências, incluindo barbatanas de tubarão…
No entanto, nem todas as glucosaminas são iguais e, pasme-se, as evidências de eficácia no tratamento da artrose existem apenas para um único produto, o sulfato de glucosamina cristalino original.
Convém começar por esclarecer que existem três sais de glucosamina: o hidrocloreto, o sulfato e a N-acetilglucosamina. Apenas o sal sulfato original se encontra exaustivamente estudado a nível molecular, nos tecidos, nos animais e também no ser humano, havendo actualmente provas factuais da sua absorção, metabolismo, farmacocinética e eficácia clínica nos sintomas e na evolução da doença que constitui a sua única indicação: a osteoartrose.
Em relação aos outros sais que não o sulfato, há diversas suspeições que sulfato por si só terá propriedades únicas, interferindo na síntese da cartilagem e opondo-se a fenómenos oxidativos que decorrem da inflamação e que são altamente lesivos das células e dos tecidos.
A glucosamina intervém numa série de processos metabólicos da síntese da matriz cartilagínea pelos condrócitos, as células que existem na cartilagem. É o substrato preferido para a formação de glucosaminoglicanos e dos agrecanos, enormes moléculas altamente hidrofílicas e que são responsáveis pela maioria das propriedades mecânicas da cartilagem hialina, nomeadamente a elasticidade e compressibilidade, facilitando o movimento sem atrito das extremidades ósseas na articulação.
Baseado neste princípio, conseguiu-se a extracção e purificação do sulfato de glucosamina cristalino a partir da quitina derivada do exoesqueleto de pequenos crustáceos, tendo-se vindo a verificar, num longo e laborioso programa de investigação básica, que este fármaco possui diversas propriedades pró-anabólicas, facilitadoras da síntese da cartilagem e anticatabólicas, opondo-se à sua destruição quando sobre ela incidem processos que levariam à sua degenerescência.
Foi com o sulfato de glucosamina cristalino original que se comprovaram, entre outras, capacidades de inibição da interleucina-1, de diversas metaloproteinases de matriz, da sintetase induzível do óxido nítrico e até do processo de transcrição nuclear de uma série de mediadores da inflamação através da inibição da activação do factor nuclear kB (Nf-kB).
É com o sulfato de glucosamina cristalino original que têm sido realizados a maior parte dos estudos científicos que suportam a evidência da eficácia do produto na artrose. Tal não é de estranhar, dado que o laboratório que o patenteou desenvolve um programa de investigação que se vem prolongando há mais de vinte anos.
O curioso é que os estudos que utilizam outros sais ou mesmo sulfato de glucosamina de outras proveniências não obtêm os mesmos resultados, como ficou perfeitamente reconhecido na revisão sistemática realizada pela prestigiada Cochrane Library.
Em parte, tal é com certeza devido à heterogeneidade na composição dos produtos não originais que, de uma forma ou de outra, acabem por alcançar o mercado e criar ilusões de uma eficácia sem paralelo: num estudo em que se doseou o conteúdo em sulfato de glucosamina nessas preparações, os valores variaram entre os 59 e os 138%!
Em conclusão, quando se quiser obter confiança nos resultados em termos de eficácia e a segurança da glucosamina, sobre os sintomas e também sobre a evolução da destruição estrutural da articulação vítima do processo artrósico, não basta procurar uma entre as mais diversas formas de glucosamina. Todas as evidências comprovam que esses resultados só foram cientificamente obtidos com o sulfato de glucosamina cristalino original.
Dr. Rui André
Presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia