Artigo de Saúde Pública®
Nº 72 / Setembro de 2008
02 Insónias - Dormiu bem esta noite?
- Prof.ª Teresa Paiva
A insónia é a mais comum das perturbações do sono e caracteriza-se pela dificuldade em adormecer ou em manter o sono, causando um impacto significativo no desempenho social e profissional no dia seguinte. Estima-se que 30-45% da população mundial sofra de insónia.
Depois de um dia de trabalho, chegar à cama e repor as energias não é um cenário de que todas as pessoas podem desfrutar. Para alguns, cama não é obrigatoriamente sinónimo de descanso e relaxamento.
A insónia é característica de um sono de má qualidade ou insuficiente, isto é, o organismo não descansa o suficiente e vai, inevitavelmente, sofrer as consequências.
A Prof.ª Teresa Paiva, neurologista, e a mais importante especialista em Medicina do Sono em Portugal, afirma que «a insónia caracteriza--se pela dificuldade em adormecer e em manter o sono, ou mesmo acordar cedo demais», sublinhando, no entanto, que estas são «caracterizações genéricas de insónia», dado que para poder chegar-se a esta classificação os sintomas têm de ser persistentes. Ou seja, estas queixas têm de durar mais de 15 dias a um mês para se considerar que o indivíduo tem algum problema.
As insónias não são todas iguais e, habitualmente, podem ser divididas em três grupos: insónias transitórias, de curta duração e insónias de longa duração. As primeiras duram, normalmente, poucas noites e surgem em períodos de maior tensão. As insónias de curta duração podem ir de poucos dias até três semanas e estão associadas a preocupações mais graves de âmbito profissional ou familiar, como situações de luto ou problemas nos relacionamentos pessoais. Por último, as insónias de longa duração podem durar até mais de três semanas e estão relacionadas com situações de stress continuado, depressão e hábitos de dormir inadequados.
A especialista refere que a dificuldade não está em diagnosticar a insónia, mas sim em saber qual pode ser a sua origem, pois existem muitas causas possíveis. «Pode ser uma doença médica, uma doença psiquiátrica, neurológica, do sono, uma perturbação específica do sistema sono-vigília, ou podem mesmo ser maus hábitos.»
Excesso de trabalho, ansiedade, depressão, ingestão exagerada de cafeína, nicotina e álcool podem ser algumas das explicações para este sintoma que afecta cerca de 30% da população adulta portuguesa. Os números indicam ainda que são os idosos e as mulheres quem mais sofre com este mal. Uma das razões apresentadas para a prevalência neste segundo grupo é o perfil hormonal, já que as mulheres sofrem de tensão pré-menstrual e podem dormir mal nos dois ou três dias que precedem a menstruação. Também na menopausa é comum o aparecimento de insónias, devido a modificações hormonais.
Dada a variedade de causas, Teresa Paiva lembra que «não é possível dizer que a insónia é uma doença neurológica, mas sim que há alguns tipos que têm causa neurológica». É o caso das que são provocadas por distúrbios do movimento, como por exemplo a síndrome das pernas inquietas, «que claramente estão ligadas a uma causa neurológica», refere a especialista.
No que concerne às consequências e à forma como as insónias afectam a qualidade de vida das pessoas, a neurologista considera que são as mais variadas, mas realça como principais a depressão, a dificuldade de concentração, o desempenho nas tarefas quotidianas e pequenos lapsos de memória. Em resumo, «é a dificuldade em aguentar a pressão diária que se traduz numa baixa qualidade de vida», conclui a médica.
Como funciona o sono
O sono está dividido em dois estádios: o lento e o paradoxal (ou REM). Durante o sono lento o cérebro vai trabalhando cada vez mais devagar e a frequência cardíaca e a respiração vão diminuindo de ritmo. Neste processo, o tónus muscular diminui um pouco e a temperatura do corpo baixa claramente.
Como o cérebro se torna mais lento, as capacidades cognitivas vão diminuindo, fazendo com que haja menos capacidade de resposta a estímulos exteriores. O sono REM surge 90 minutos depois de adormecermos, havendo depois ciclos sucessivos, com intervalos de cerca de uma hora, em que se intercalam episódios de sono paradoxal e de sono lento, profundo.
Como em tudo, as necessidades relativamente a horas dormidas não são iguais para todos. Segundo Teresa Paiva, «a média é de sete a nove horas por noite, mas há quem precise de 10 e há aqueles que apenas necessitam de seis horas de sono para se sentirem bem na manhã seguinte. É variável, tal como a altura ou a cor dos olhos», compara.
O sono é uma marca com cunho pessoal e deve ser cada um a assumir a quantidade de horas dormidas com as quais se sente bem. Posto isto, o rigor é fundamental e a médica salienta que é errado pensar que uma noite maldormida pode ser compensada mais tarde.
«Temos de dormir o número de horas que precisamos e em horários minimamente fixos. A escuridão da noite e a luz ao começo do dia é o cenário ideal.»
Não praticar acções perturbadoras do sono, como beber, fumar ou comer muito, pode também ser uma ajuda. O tradicional livro na cama pode ser outra solução, mas textos relacionados com trabalho estão fora de questão, pois são responsáveis directos pelo aumento dos níveis de stress. Na lista de boas práticas podem ainda constar o exercício físico regular e um regimento alimentar equilibrado.
Apesar das ajudas, e de ser um campo que não tem sofrido grandes novidades, a medicação é outra das saídas para este problema. Muitas mentes acordadas em excesso recorrem a estes produtos, mas raramente o fazem sob orientação clínica, podendo as dosagens e os efeitos alcançados estar longe dos pretendidos inicialmente.
Novidades no campo da medicação
Após 10 anos de ausência de novidades terapêuticas para a insónia, surge no mercado português um medicamento, a melatonina de libertação prolongada, que, sendo utilizado apropriadamente, pode ajudar a resolver o distúrbio de sono mais comum a muitos doentes.
O tratamento das insónias pode até passar pela simples aprendizagem de técnicas de relaxamento, embora a maioria dos casos implique uma terapêutica com medicamentos. É com satisfação que Teresa Paiva vê surgir no panorama terapêutico uma nova solução.
«Há muito tempo que não havia novidades terapêuticas para as insónias. Por isso, este novo medicamento é uma boa notícia para os que, diariamente, tratam estes casos», afirma a neurologista.
Segundo os especialistas, a insónia é tratável ou controlável em 95% dos casos e este medicamento em concreto, a melatonina de libertação prolongada, «tem a vantagem de ter indicação específica para determinadas insónias e ajudará muitas outras», como aponta a especialista.
Segundo a mesma, «existem muitos doentes que sofrem de insónias há muitos anos e cujas queixas têm a ver com o distúrbio da organização circadiária», acrescentando que estes «vão ser os que mais beneficiarão com este novo medicamento».
A melatonina existe no nosso corpo e tem como função regular os ritmos circadiários nos humanos e nos animais. É o sinal do dia e da noite, do dormir e do acordar. O novo medicamento, cuja substância activa é a melatonina, liberta-a lentamente, ao longo de algumas horas, para mimetizar a produção natural de melatonina pelo organismo, proporcionando um sono natural.
Para além disso, explica Teresa Paiva, «sabemos que os idosos – população com elevada prevalência de insónia causada pela diminuição da produção da melatonina – estão supermedicados para tratamento das mais variadas doenças, pelo que também eles vão beneficiar com este novo tratamento. Esta vantagem advém não só da sua eficácia como pelo facto de não apresentar interacção medicamentosa, o que o torna num fármaco seguro», conclui a médica.
Texto: Bruno Miguel Dia