Artigo de Saúde Pública®
Nº 70 / Maio de 2008
13 Ilusão de movimento ou a sensação de «andar à roda»
Entrevista com o Dr. Vaz Garcia, Dr. Vaz Garcia, otorrinolaringologista que se dedica à otoneurologia e responsável médico pela Clínica de Vertigem e Desequilíbrio EQUI.
A deslocação dos objectos ou a inclinação do corpo para o lado são sensações bem conhecidas de quem já teve vertigens. Este problema é facilmente confundível com as tonturas, quando, na verdade, existem diferenças. Um diagnóstico atempado pode ajudar a identificar e a eliminar as causas e até a evitar a morte.
Não são uma doença, mas sim um sintoma. As vertigens definem-se como a sensação de deslocação dos objectos circundantes e até de descida ou subida do corpo, tal como se estivéssemos a bordo de um navio em alto mar.
O Dr. Vaz Garcia, otorrinolaringologista que se dedica à otoneurologia e responsável médico pela Clínica de Vertigem e Desequilíbrio EQUI, desmistifica este problema de saúde que continua a ser confundido com outros transtornos.
«De uma forma geral, as tonturas abrangem as perturbações de tipo psicológico como as que são determinadas pela ansiedade, as perturbações do foro cardiológico causadas por uma arritmia cardíaca ou outras provocadas pela mudança brusca de posição. Existem ainda as alterações oculares, que podem ocorrer nos primeiros tempos após a substituição da graduação das lentes dos óculos, o desequilíbrio e o enjoo marítimo.»
Neste contexto, o especialista explica que «as tonturas assumem uma designação genérica que engloba todas as situações onde se verifica um distúrbio das relações do indivíduo com o espaço, devendo as vertigens ser consideradas uma forma particular de tonturas. O desequilíbrio acompanha, de facto, as vertigens. Mas nem todo o desequilíbrio está associado à vertigem».
Além de funcionar como órgão auditivo, o ouvido detecta os movimentos da cabeça e a sua aceleração no espaço. Vaz Garcia adianta: «Nós temos a noção de que rodamos o corpo, por exemplo, porque o nosso cérebro nos dá conta disso. O sistema nervoso central vai recebendo as informações, integra-as com outras de origem visual ou provenientes dos ossos, das articulações, dos músculos e até da sensibilidade da planta dos pés. Estes dados são depois comparados com experiências anteriores. É tudo isto que condiciona essencialmente dois reflexos que visam garantir a estabilidade visual e a estabilidade da postura, mantendo fixa a imagem de um objecto, mesmo quando rodamos a cabeça ou adoptamos a postura mais adequada para não cairmos».
As vertigens poderão ocorrer uma única vez, desaparecendo gradualmente ao fim de poucos dias. Podem ainda surgir crises que se repetem ao longo do tempo. «As vertigens crónicas são mais complexas, na medida em que os sintomas ocorrem diariamente e, na verdade, estão associadas muitas vezes a perturbações do foro psiquiátrico. Nem sempre é fácil fazer esta distinção», assegura Vaz Garcia.
Nos casos de vertigens intensas, o indivíduo afectado tem vómitos, sente um mal-estar geral e fica com a sensação persistente de que tudo o que o rodeia anda à volta. Estes sintomas são suficientes para que o próprio doente tome a decisão de consultar um médico.
O responsável clínico da EQUI alerta que «estes sinais podem, de facto, representar algo bastante grave. Um episódio único de vertigem intensa não acompanhada por quaisquer outras manifestações, ocorrendo sobretudo nos mais idosos, pode ser o sintoma inicial de uma lesão vascular no sistema nervoso central. Se o diagnóstico não for feito nos três primeiros dias, o indivíduo poderá morrer».
A importância do diagnóstico
Vaz Garcia refere que a vertigem está «entre as primeiras causas que levam o doente a procurar um médico». Isto reflecte, de resto, a importância que se dá ao problema, pois, «só quem passou pela experiência é que sabe a aflição que lhe está implícita. Além disso, a descoordenação é acompanhada pelo receio de que possam surgir novos episódios. Trata-se de algo com repercussões psicológicas extremamente graves, capaz de desencadear ansiedade, depressão e fobias», esclarece o otorrinolaringologista.
Embora não existam dados estatísticos específicos sobre a incidência das vertigens, têm surgido alguns estudos que ajudam a enquadrar o fenómeno em Portugal. Vaz Garcia fez, inclusive, parte de um desses projectos:
«Em 1993, tive a oportunidade de estar à frente de um trabalho exaustivo realizado no Hospital de Santa Maria, onde desempenhei actividade. Fizemos uma avaliação bastante minuciosa de todos os doentes que tinham recorrido ao serviço de urgência. Num universo de 160 mil doentes, praticamente um em cada 100 tinha tonturas ou vertigens como sintomas principais, isolados ou associados a outras queixas. São valores muito significativos.»
Durante a anamnese, em que se procede a uma entrevista médica para fazer a avaliação detalhada do paciente, «os profissionais de saúde com conhecimentos profundos e com experiência adquirida podem chegar mais facilmente a um diagnóstico preciso».
Vaz Garcia admite que «é preciso ouvir os doentes e interpretar correctamente aquilo que estão a dizer. Existe ainda um conjunto de testes clínicos simples que poderão ajudar a efectivar as conclusões da anamnese. Outros exames mais específicos, como a videonistagmografia, permitem registar e quantificar as manifestações que acompanham as vertigens. A ressonância magnética também pode ser realizada, embora isso se aplique apenas aos casos em que predominam a complexidade, o risco e a incerteza».
Os especialistas têm assim os meios necessários para detectar a origem do problema antes de se iniciar qualquer terapêutica. O responsável clínico frisa que «em 80% dos casos consegue-se chegar a uma conclusão plausível. Convém ter presente que a vertigem não é uma doença, mas sim um sintoma de uma dada patologia».
Vaz Garcia conclui que o tratamento «pode ser feito através da administração de fármacos ou da reeducação vestibular, que consiste na prática de exercícios adaptados a cada caso, orientados pelo médico. A cirurgia também é uma forma de tratamento, mas, felizmente, tem indicações bastante limitadas. Quanto aos medicamentos, há uma advertência: é preciso ter em conta a sua eficácia, pois, em muitos casos, ela não está comprovada. Friso ainda que a principal causa de vertigem pode ser suspeitada pelo relato do doente e confirmada por uma simples manobra feita na marquesa do consultório».
Texto: Abílio Ribeiro