Artigo de Saúde Pública®
Nº 68 / Março de 2008
14 Mais de um milhão de crianças portuguesas sofrem de rinite alérgica – O perigo que vem do ar
- Dr.ª Ana Teresa Cruz
Os bonitos dias da Primavera estão à porta. Mas com eles vêm algumas ameaças que podem alterar a vida quotidiana das pessoas que sofrem de alergias. É chegado o momento de terem de enfrentar alguns dos problemas habituais relacionados com os pólenes e suas alergias.
Uma alergia não é mais do que uma resposta exagerada do nosso organismo a substâncias que, normalmente, são inofensivas. Uma forma de identificar preventivamente estas situações prende-se com a hereditariedade.
«Se nenhum dos pais tem registo de alergia, então, a probabilidade de a criança sofrer de patologia alérgica é mais baixa. Porém, se um, ou ambos os progenitores tiverem alergias, e se estas forem do mesmo tipo, isso aumenta as probabilidades de o filho sofrer da mesma patologia», começa por esclarecer a imunoalergologista Dr.ª Ana Teresa Cruz.
Se para algumas pessoas o problema das alergias é cíclico, para outras é uma realidade constante. Neste contexto, uma das patologias que mais afecta a população é a rinite alérgica.
Em termos de dados, a médica adianta que, «em todo o mundo, há cerca de 500 milhões de pessoas com rinite alérgica. No nosso País, esta patologia atinge mais de um quarto da população, sendo que, deste universo, quase metade dos afectados são crianças. Estamos a falar de mais de um milhão de crianças atingidas por esta patologia. Somos o segundo país a nível europeu com maior incidência de rinite alérgica».
A influência desta patologia é tal que se procedeu a uma actualização da forma como esta era avaliada.
«Antigamente, a rinite classificava-se em dois tipos: sazonal, associada às polinoses, e perene, que se estende por todo o ano. Agora, temos uma nova forma de categorização em que a classificação é feita tendo em conta os sintomas que o doente apresenta e o impacto desses na sua qualidade de vida», esclarece a especialista.
Assim, e perante esta nova forma de classificação, o intervalo de tempo que medeia os sintomas/surto alérgico e a sua gravidade são os principais dados que sustentam o diagnóstico e respectivo tipo de tratamento para a rinite alérgica.
Ana Teresa Cruz esclarece que «estamos perante um quadro de rinite intermitente se houver sintomas num período inferior a quatro dias por semana, ou a quatro semanas seguidas. Estamos perante uma rinite persistente se os sintomas estiverem presentes na vida do doente mais de quatro dias por semana ou mais de quatro semanas seguidas.
Quanto à gravidade, os sintomas podem ser denominados de ligeiros, moderados e graves. A rinite ligeira verifica-se quando não existe alteração do sono e da generalidade das actividades diárias. Passamos para uma classificação de rinite moderada ou grave se temos registo de ocorrência de sintomas perturbadores que afectem o sono e a actividade diária, incluindo a prática desportiva, os períodos de lazer, o emprego ou a escola».
Cerca de 25 a 30% dos doentes com rinite têm asma
A verdade é que a rinite é um problema de saúde pública e a sua influência na vida de cada um pode ser enorme, pois, facilmente se relaciona com outras doenças.
A imunoalergologista recorda que, «frequentemente, as rinites são associadas à asma, o que implica, como se sabe, uma grande diminuição na qualidade de vida. Cerca de 25 a 30% dos doentes com rinite têm asma e uma grande maioria dos doentes com asma, mais de 85%, têm rinite. Existe um grande factor de correlação entre estas duas patologias».
E adianta:
«Existem também diferentes interligações com outras doenças. A rinite e a conjuntivite, por exemplo, surgem associadas em cerca de 50% dos casos e em 75% quando se trata da rinite com a rinossinosite.»
Da população afectada por rinite alérgica, cerca de 30% sofre de rinite persistente, enquanto que a restante é mais atingida pela intermitente. Ou seja, quase 2/3 das pessoas afectadas têm episódios por alturas da Primavera.
Podemos, assim, imaginar o que, só no nosso País, milhares de pessoas têm de enfrentar.
«É uma doença que afecta muito a qualidade de vida. As manifestações da rinite vão desde os espirros em salva à congestão nasal, ao prurido nasal ou à rinorreia aquosa, em que o nariz parece uma torneira a pingar. São todas manifestações extremamente incomodativas», refere Ana Teresa Cruz.
Detectar e enfrentar de frente as alergias
Por todas as consequências físicas e emocionais, um acompanhamento e despiste das alergias através do aconselhamento com um profissional de saúde é, sem dúvida, o caminho a seguir.
«O diagnóstico de uma doença alérgica deve começar por uma boa história clínica. Essa história irá apontar-nos para alguns alergénios e indicar a bateria de testes a fazer. Há um conjunto de testes mais constantes, como os que visam ácaros, pólenes e fungos e, se a história o justificar, alguns alimentos, pêlos de animais ou penas. Também as análises ao valor dos IgE (um tipo especial de anticorpos – imunoglubina E) totais e específicos vão ajudar-nos a confirmar ou a descobrir outras alergias», esclarece Ana Teresa Cruz.
Além da história clínica do doente, saber os sintomas que alguém tem de enfrentar, em que altura do dia ou em que local pode fornecer informações relevantes para um diagnóstico.
A especialista defende que, «em relação às queixas que os doentes apresentam, temos de começar por analisar de que tipo de alergénios estamos a falar. Estes podem ser interiores, como os ácaros do pó ou fungos, relacionados com os filtros do ar condicionado. Os exteriores podem ser pólenes de gramíneas selvagens ou cultivadas (como é o caso do centeio), urtiga, parietária (também conhecida por erva da velha ou alfavaca-de-cobra), oliveira e cipreste cuja prevalência tem vindo a aumentar».
Eliminar a ligação com o alergénio
Depois de identificada a origem do surto alérgico, deve-se adoptar determinadas acções para romper a ligação que existe entre o doente e o elemento alérgico.
Assim, e segundo a médica, há duas linhas de acção que podem ser desenvolvidas.
«Em relação ao tratamento, a primeira opção deve ser mesmo a evicção do alergénio. Claro que nem sempre é possível, pois, por exemplo, numa alergia a um animal, nem sempre é viável mandar retirá-lo. Nas alergias a ácaros, sabemos que, por muito cuidado que haja, há sempre ácaros e assim temos de aconselhar os nossos doentes a aspirar em vez de varrer, aspirar o colchão sempre que se faz a cama de lavado, não ter alcatifas, arejar e sacudir muito bem a roupa da cama, mesmo que esteja lavada, pois guardada numa gaveta, arca ou roupeiro, esta ganha ácaros. Mesmo as nossas roupas que estão guardadas de uma estação para a outra devem ser arejadas antes de serem usadas».
E acrescenta:
«Em relação aos animais, convém ter em consideração que, por exemplo, os gatos são mais alérgicos que os cães. Os felinos tendem a lamber-se muito e grande parte dos elementos alérgicos encontram-se na saliva, o que faz com que nem sempre seja necessário haver um contacto directo com eles para que haja um surto alérgico.»
Além destas atitudes preventivas, também a vertente clínica deve ser tida em consideração.
«Em relação ao tratamento para a rinite, para além dos corticóides tópicos versus antialérgicos tópicos, devemos usar anti-histamínicos orais como primeira linha de ataque. O antialérgico deve ser de segunda geração para não ter alguns efeitos secundários, como a sonolência», defende a imunoalergologista.
No que diz respeito à asma, Ana Teresa Cruz salienta que «é uma inflamação, pelo que os corticóides tópicos devem ser utilizados para evitar a evolução natural da doen-ça para alterações irreversíveis. Os corticóides tópicos podem e devem ser utilizados e é importante desmistificar o seu uso. Pelo contrário, os corticóides orais ou injectáveis provocam muitos efeitos secundários, como hipertensão, diabetes ou osteoporose, pelo que só devem ser usados em casos de crise e por períodos curtos».
Tratamento de venda livre, simples de tomar e «saboroso»
A verdade é que, desde que haja uma responsabilização do doente em relação a algumas atitudes diárias e um acompanhamento com um profissional de saúde, não há motivo para que um doente alérgico não tenha uma boa qualidade de vida em tudo idêntica a alguém sem alergias.
«Se um doente fizer correctamente os tratamentos antialérgicos e mantiver um acompanhamento médico regular, é possível ter uma qualidade de vida idêntica a quem não sofra de patologia alérgica. O acompanhamento médico é importante porque há algumas opções farmacológicas que requerem alguma educação», defende Ana Teresa Cruz.
Em todo o caso, essas opões farmacológicas são cada vez mais, hoje em dia, simplificadas na sua posologia e até de venda livre.
«Há inclusive um novo fármaco, de venda livre, em que o doente tem a vantagem de não necessitar de um copo com água para o tomar. É um comprimido divisível, o que também é interessante em termos de dosagem, e com um sabor agradável, o que também facilita para os próprios pacientes.»
E conclui:
«Apesar de tudo, convém não esquecer que cada pessoa é um ser individual e, mesmo sendo estas opções mais recentes extremamente seguras, pode acontecer que mesmo assim ocorram alguns episódios de sonolência. Por isso mesmo, será sempre aconselhável que seja feito um acompanhamento do doente por um médico de modo a fazer eventuais ajustes que possam ser necessários.»
Eczemas, dermatites atópicas e urticária
No panorama das alergias também existem as que se manifestam na pele, como os eczemas, as dermatites atópicas ou a urticária. Este tipo de alergias também está mais associado a camadas etárias mais jovens, tendencialmente relacionado com questões alimentares.
Segundo a Dr.ª Ana Teresa Cruz, imunoa-lergologista, «as manifestações cutâneas mais frequentes são o estrófulo, em que aparecem lesões tipo picada de insecto e que, à medida que a criança vai coçando, dão origem a pequenas bolhas e feridas».
Ainda no leque das mais frequentes está também a dermatite atópica, «que se manifesta nas pregas, isto é, na face anterior do cotovelo e na face posterior do joelho. Podem também ocorrer algumas manifestações de urticária, mas esta é menos frequente».
São situações extremamente desagradáveis e, neste caso, tendencialmente visíveis, que podem levar a criança a apresentar alguns problemas de sociabilização e de exclusão no meio escolar, além da grande irritabilidade e do mal-estar que o prurido lhes provoca.
Conselhos para evitar surtos alérgicos
Nas alergias a pólenes:
Abrir as janelas de casa por pouco tempo.
Evitar fazer passeios e actividades ao ar livre principalmente em dias secos e ventosos.
Nas viagens de automóvel, fechar as janelas e ligar o ar condicionado.
Nas alergias a ácaros:
Evitar alcatifas, tapetes com muito pêlo, peluches, livros e muita «tralha», nos quartos.
Os colchões, almofadas e roupa de cama não devem ser de lã, juta, fibras vegetais, palha, penas, entre outros materiais, pois, constituem um excelente ninho de ácaros. Deve-se revestir os colchões e as almofadas com capas antialérgicas, impermeáveis a ácaros.
Texto: RUI MIGUEL FALÉ