Artigo de Saúde Pública®
Nº 68 / Março de 2008
05 DOSSIÊ INCONTINÊNCIA URINÁRIA
Perdas urinárias podem afectar idades mais jovens
- Prof. Paulo Dinis
- Prof.ª Teresa Mascarenhas
- Dr.ª Fátima Machado
A incontinência urinária (IU) é um grave problema de saúde pública. Alguns estudos científicos indicam que, na Europa, a prevalência ronda os 40%. Em Portugal, tudo leva a crer que a situação será relativamente semelhante à de outros países da União Europeia (UE).
Segundo o Prof. Paulo Dinis, presidente da Associação Portuguesa de Neuro-Urologia e Uroginecologia (APNUG), «até agora, nunca foram realizados, no nosso País, estudos populacionais para avaliar a prevalência da incontinência urinária».
Apesar de não existirem dados estatísticos, os especialistas sabem que «a incontinência urinária ocorre com frequência nos dois sexos. No entanto, a incidência é menor nos homens, quando comparada com a das mulheres. A única razão que pode ser apresentada para este facto diz respeito às diferenças anatómicas que existem entre sexo feminino e masculino».
Quando se fala de incontinência urinária (IU) é necessário esclarecer que se trata de um problema caracterizado, essencialmente, por episódios de perda involuntária de urina.
Existem vários tipos de incontinência urinária, sendo os mais frequentes a de esforço, de imperiosidade ou mista. A incontinência urinária mista reúne algumas características das duas primeiras.
Paulo Dinis explica que «a incontinência urinária de esforço ocorre quando uma determinada pessoa perde urina, sem que tenha qualquer tipo de vontade para urinar. A justificação para este problema está relacionada com o aumento da pressão que é exercida sobre a bexiga, em consequência de esforço».
A incontinência de imperiosidade surge devido à chamada bexiga hiperactiva, cujo principal sintoma é uma vontade súbita de urinar, difícil de controlar.
«A incontinência urinária mista é considerada como a situação grave, pois, o doente, de forma concreta, padece dos dois tipos de incontinência», revela.
No que diz respeito às causas, é fundamental esclarecer que a IU de esforço está relacionada com o enfraquecimento das estruturas de suporte da bexiga e uretra, muitas vezes, em consequência do parto.
No caso da incontinência de imperiosidade, a causa ainda não está totalmente esclarecida, mas, os especialistas julgam que poderá estar ligada a alterações no próprio funcionamento das paredes da bexiga.
Com todas estes problemas e limitações, é óbvio que a incontinência urinária «provoca sérias limitações na qualidade de vida dos doentes, nomeadamente, na capacidade de trabalho, desempenho social e sexual. Para além do desconforto, os doentes incontinentes também têm tendência para sofrer de várias infecções urinárias. Muitas vezes, também apresentam lesões da pele perineal e metade das fracturas do fémur são devidas a quedas causadas por idas precipitadas ao WC», enfatiza.
Tratamento da incontinência urinária
Relativamente ao tratamento para a incontinência urinária, Paulo Dinis reitera que, «no caso da IU de esforço, passa pela realização de uma cirurgia pouco agressiva, passível de ser realizada sem ser necessário recorrer a internamento. De forma concreta, este método resume-se à colocação de pequenas redes de suporte na uretra, através de uma diminuta incisão vaginal com apenas um centímetro».
O especialista acrescenta que «a fisioterapia, com o fortalecimento da musculatura pélvica, também tem um papel importante no tratamento da incontinência de esforço, tanto nas situações ligeiras, como moderadas. É importante sublinhar que, no caso dos homens, também sucedem casos de incontinência urinária de esforço, sobretudo depois de realizarem cirurgias por cancro da próstata. Mesmo para estes casos, existem intervenções cirúrgicas com semelhanças nos princípios básicos, mas mais invasivas».
Acrescente-se que, como alternativa, também se pode recorrer «à colocação de um esfíncter artificial. Trata-se de uma cirurgia mais delicada, mas extremamente eficaz».
Na incontinência por imperiosidade, «o tratamento primordial é realizado com fármacos orais denominados antimuscarínicos, cuja prescrição é facilmente obtida após uma simples observação por parte do médico de família. Nos casos em que a medicação oral não ajuda a resolver o problema, os doen-tes devem ser enviados para um centro especializado, onde poderão ser administrados directamente na bexiga os fármacos resiniferatoxina e/ou toxina botulínica».
A cirurgia para estas situações está praticamente abandonada. «Pode-se recorrer à fisioterapia para fortalecer a musculatura pélvica. No entanto, é importante adoptar algumas alterações comportamentais, como, por exemplo, aprender a diferir ou a temporizar a micção ou ainda restringir a ingestão de líquidos e substâncias excitantes para a bexiga.
O especialista conclui dizendo que «a incontinência urinária de esforço pode ser curada. Mas o sucesso também pode ser obtido na incontinência de imperiosidade, se forem aplicadas terapêuticas orais ou tópicas na bexiga».
As mulheres lidam mal com a incontinência urinária
De acordo com a Prof.ª Teresa Mascarenhas, presidente da Secção Portuguesa de Uroginecologia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG), «as mulheres lidam mal com a incontinência urinária».
O sexo feminino começa por «apresentar um aumento de diversas variáveis psicopatológicas, como é o caso de ansiedade, fobia e depressão», assinala, acrescentando:
«A prevalência da IU está relacionada, muitas vezes, com a faixa etária. Com o avançar da idade, a patologia tende a aparecer com maior frequência. Não existem dúvidas de que as idosas têm mais problemas de incontinência urinária do que as jovens.»
No entanto, «convém alertar que esta doença não pertence apenas às idosas. Isto porque pode ocorrer depois de um parto, especialmente, se tiver sido vaginal».
Segundo os dados de um trabalho desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, «as mulheres que foram avaliadas não tinham qualquer tipo de incontinência urinária antes de engravidar. Seis meses depois do parto, 20% começaram a apresentar incontinência urinária. A situação é extremamente preocupante já que pode aparecer em idades mais jovens».
Mitos relacionados com a IU
Os mitos relacionados com a incontinência urinária estão a diminuir. «Com o passar do tempo, esta situação está a ser desdramatizada. A mulher começa a perceber que existem tratamentos para a IU», explica Teresa Mascarenhas, acrescentando: «Há uns anos, as mulheres pensavam que não havia solução para o problema. Hoje em dia, pensam de forma diferente e procuram os especialistas para pedir ajuda.»
Para além do apoio que deve ser prestado, os médicos podem ainda recorrer à utilização de «determinados tratamentos farmacológicos, que são extremamente eficazes para os diferentes tipos de incontinência urinária».
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A presidente da Secção Portuguesa de Uroginecologia da SPG também faz referência às técnicas cirúrgicas, dizendo que «são minimamente invasivas, não sendo necessário recorrer a internamento hospitalar, na medida em que estas cirurgias utilizam a colocação de pequenas redes de suporte da uretra através de uma incisão vaginal mínima».
Frisa ainda que estas «têm taxas de sucesso que rondam os 90 a 95%. Ao longo dos últimos tempos, houve um grande avanço na abordagem tecnológica e terapêutica para estas situações concretas».
As pessoas que sofrem de incontinência urinária também devem fazer exercícios pélvicos.
Teresa Mascarenhas recua no tempo e recorda que «os exercícios pélvicos surgiram na década de 40, através do ginecologista Arnold Kegel».
Na altura, «os exercícios foram muito utilizados para o tratamento da IU. O especialista descobriu que se as mulheres fizessem determinados exercícios do pavimento pélvico conseguiam melhorar a incontinência urinária».
Passadas décadas, a Prof.ª Kari Bo decidiu ressuscitar a teoria de Arnold Kegel e sustenta que os referidos exercícios podem ajudar a tratar a incontinência urinária de esforço.
A ginecologista Teresa Mascarenhas reforça que «a mais-valia da reeducação muscular do pavimento pélvico é a profilaxia da incontinência urinária. Na minha opinião, esta é a grande vantagem dos exercícios pélvicos».
Acrescenta ainda que «o ginecologista deve avaliar a força muscular do pavimento pélvico de uma mulher no período pós-parto. Deve verificar se essa mesma mulher está ou não em risco de vir a sofrer de IU. Se entender que existe uma diminuição da força muscular, deve recomendar-lhe os exercícios pélvicos. Julgo que os exercícios do pavimento pélvico podem ser usados, essencialmente, para prevenção da incontinência urinária».
A aplicação da fisioterapia no tratamento da IU
Relativamente ao papel da fisioterapia na prevenção e tratamento da incontinência urinária, a Dr.ª Fátima Sancho, responsável pelo Grupo de Interesse de Fisioterapeutas de Saúde na Mulher, refere que «a actuação dos fisioterapeutas inicia-se na prevenção. A IU não é excepção. O papel destes profissionais inicia-se, na maior parte dos casos, na altura em que a mulher está grávida».
«O fisioterapeuta começa por mostrar à mãe a localização dos músculos do pavimento pélvico ou músculos do períneo. Na fase da gravidez, estes músculos são colocados à prova durante nove meses, suportando o aumento progressivo do peso», informa, lembrando:
«O fisioterapeuta começa por ensinar a mulher a contrair os músculos e a sentir as contracções. Depois do bebé nascer, quer seja por parto normal ou cesariana, os músculos acabam por recuperar. Vários estudos indicam que os músculos levam seis meses para voltar à normalidade.»
No entanto, também é necessário chamar a atenção para a fase da menopausa. «Nesta altura, as alterações hormonais constituem um factor de risco para a incontinência urinária.
A mulher, desde logo, deve ser alertada e ensinada a conhecer os seus próprios músculos e a trabalhá-los para prevenir a incontinência urinária. O trabalho muscular deve ser sempre executado quando se realizam determinados esforços, como tossir, espirrar, rir e/ou pegar em pesos.»
A eficácia dos exercícios de fortalecimento dos músculos do pavimento pélvico são conhecidos para prevenir e tratar a incontinência urinária.
Fátima Sancho revela que «exercitar o períneo é tão importante como manter em forma qualquer outro músculo do corpo. Uma mulher, se conseguir, deve fazer os exercícios do períneo quatro ou cinco vezes seguidas, sendo que o ideal seria realizá-los seis a oito vezes durante o dia, três vezes por semana, numa fase inicial. Qualquer programa de treino destes músculos deve ser personalizado, pelo que o fisioterapeuta terá de avaliar o doente e estabelecer qual o mais adequado para a pessoa em questão».
70% das pessoas que praticam regularmente este tipo de exercícios recuperam totalmente o controlo da bexiga.
A especialista conclui que «a primeira abordagem, que deveria ser oferecida a qualquer pessoa com perdas de urina, poderia ser este tipo de tratamento dito conservador, ou seja, o ensino de exercícios e cuidados de higiene e alimentar. Segundo as guidelines internacionais, esta teria de ser sempre a primeira abordagem a ser utilizada».
81,6% dos portugueses receiam sofrer de IU
De acordo com um estudo realizado pela Spirituc, com o apoio da Associação Portuguesa de Urologia (APU), da Associação Portuguesa de Neuro-Urologia e Uroginecologia (APNUG) e da TENA, 81,6% dos portugueses têm receio de sofrer de incontinência urinária.
O estudo revela que a esmagadora maioria das pessoas já ouviu falar em perdas de urina (90,7%) e acredita que estas resultam de uma disfunção do sistema urinário ou são um fenómeno natural causado pelo aumento da idade.
A amostra do estudo permite também averiguar que mais de metade dos incontinentes entrevistados (57%) sofre de incontinência de esforço, que se caracteriza pela reduzida intensidade das perdas, quer em volume, quer na frequência, uma vez que as perdas de urina acontecem associadas a esforços físicos como rir, espirrar, tossir ou carregar objectos.
Através do estudo, também foi possível observar que 31% dos portugueses precisam de mais informação sobre este problema, enquanto 58,8% afirmaram já ter realizado tratamento para a incontinência, nomeadamente com idas a consultas médicas.
Para além deste estudo, a TENA desenvolveu um segundo trabalho para tentar recolher dados relativos à percepção das portuguesas sobre a incontinência, os seus conhecimentos e falsas percepções.
Mais de metade da população feminina confirma sofrer de perdas de urina durante a prática de desporto (58,5%). A grande maioria afirma desconhecer que essas fugas podem ser indicadoras de um desequilíbrio entre o par abdómen-períneo e, consequentemente, de incontinência urinária.
O estudo demonstra também que, das mulheres que confirmam já ter experienciado perdas de urina na actividade desportiva, cerca de 69% tomam precauções utilizando protecções específicas, minorando assim o incómodo da fuga, 26% recorreram a tratamentos médicos e 6% deixaram de praticar desporto. Revela ainda que, destas mulheres, apenas 3,1% fizeram exercícios ao nível do períneo.