Artigo de Saúde Pública®
Nº 64 / Novembro de 2007
04 Dia Mundial da Psoríase
- Prof. Doutor Manuel Marques Gomes
O Dia Mundial da Psoríase, a que a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia se associa, ocorreu a 29 de Outubro, englobando acções de esclarecimento sobre esta doença crónica da pele (com eventual compromisso das articulações), que atinge cerca de 2% da população mundial, ou seja, uma em cada 50 pessoas, com eventual repercussão na qualidade de vida.
Os principais objectivos do evento foram a eliminação de preconceitos, elucidando que a doença não é contagiosa, divulgar as suas principais manifestações e elucidar que a maioria dos casos é controlável com os tratamentos disponíveis, embora ainda não exista cura para a doença.
Principais manifestações
A doença inicia-se em regra no adulto jovem, embora possa ocorrer na infância. Na sua forma mais comum (psoríase vulgar), as lesões cutâneas localizam-se predominantemente nos cotovelos e joelhos, couro cabeludo e nádegas, embora possam surgir em qualquer área da pele, constituídas por manchas eritematosas (vermelhas) com escamas espessas comparáveis a pingos de cera, acompanhadas muitas vezes de alterações inestéticas das unhas.
Nalguns doentes, as lesões cutâneas confluem e espalham-se na pele, atingindo grandes áreas. A doença evolui por fases de agravamento e melhoria, sob influência de factores inespecíficos, como doenças gerais, sobretudo infecções, administração de certos fármacos e estímulos emocionais (stress).
Existem outras variedades da afecção, para além da psoríase vulgar, que podem surgir isolada ou concomitantemente no mesmo indivíduo, ou de forma sequencial ao longo do tempo: psoríase inversa, em que as lesões predominam nas pregas cutâneas (axilas, virilhas ou outras); psoríase pustulosa, em que as manchas típicas coexistem com pústulas; psoríase eritrodérmica, resultante de atingimento de praticamente toda a pele; psoríase artropática, quando existe importante compromisso das articulações. As três últimas variedades constituem as formas mais graves da doença.
Atitude clínica e tratamento
O objectivo do tratamento da psoríase é obter o controlo das manifestações da doença com remissão clínica por tempo prolongado. Deve ser adaptado a cada caso e eventual-mente modificado ao longo da evolução da afecção, tendo em conta factores diversos, como a personalidade do doente, a extensão, gravidade e características clínico-evolutivas da afecção, existência de outras doenças (que podem contra-indicar alguns tratamentos) e a resposta às terapêuticas anteriormente efectuadas.
Existem métodos quantitativos para avaliação da gravidade da dermatose que o dermatologista pode integrar na avaliação de cada caso individual para decisão terapêutica e sua monitorização: o método PASI, o mais utilizado, que avalia a média da intensidade dos sintomas e lesões; DLQI, obtido por meio de um questionário apropriado, que avalia o impacto da doença na qualidade de vida do indivíduo.
Os meios de tratamento são variados, desde a terapêutica local (aplicação na pele de diversos tópicos em creme, pomada ou loção) à geral, pela administração sistémica de medicamentos (em comprimidos ou injecções). Importa realçar que cerca de 70 a 80% dos doentes podem ser controlados com recurso exclusivo aos tratamentos locais.
Os tratamentos tópicos mais utilizados são o ácido salicílico, os análogos da vitamina D (calcitriol, calcipotrieno e tacalcitol, que são actualmente os medicamentos tópicos anti-psoriásicos mais utilizados), e com restrições os corticosteróides tópicos (estes apenas em áreas limitadas e por tempo curto). O ácido salicílico é muito útil na eliminação das escamas das lesões.
É indiscutível a acção favorável da exposição à luz solar (benefício dos ultravioletas) sobre as lesões de psoríase, que muitos doen-tes realizam na praia ou outros locais, de modo empírico, mas que deve ser cautelosa e progressiva, de modo a evitar a queimadura solar.
O efeito terapêutico da luz ultravioleta é também utilizado de modo artificial pela exposição controlada em cabinas apropriadas com lâmpadas que emitem radiação ultravioleta B ou A, isoladamente ou após toma de um fármaco fotossensibilizante na técnica PUVA. Este tipo de tratamento deve ser imperativamente realizado sob orientação de médico dermatologista e não em cabinas existentes em solários e outros locais de actos de estética, pela sua ineficácia e pelos riscos de actuação de pessoal não médico desconhecedor da metodologia e das contra-indicações em cada caso individual.
Os tramentos sistémicos estão indicados essencialmente nos casos que não cedem às terapêuticas tópicas, nas formas muito extensas, e nas variedades mais graves da doença, como as psoríases pustulosa, eritrodérmica e artropática.
Comprendem a acitretina (retinóide), o metotrexato, ciclosporina e micofenolato de mofetil (imunossupressores) e os mais recentes fármacos ditos biológicos, que actuam nos mecanismos imunitários da doença. A escolha entre os vários tratamentos sistémicos é orientada por critérios diversos, como os efeitos secundários, contra-indicações, e características clínico-evolutivas de cada caso.
Para a acitretina, importa considerar na mulher o efeito teratogénico (malformações no feto), mantendo-se o fármaco no organismo cerca de dois anos após a sua interrupção, o que contra-indica a ulilização em mulheres férteis.
Os imunomoduladores ditos biológicos constituem recurso de última linha para formas graves de psoríase que não responderam a outros tratamentos. Estão actualmente aprovados pelo Infarmed para tratamento da psoríase três destes fármacos – efalizumab, infliximab e etarnercept –, que diferem no mecanismo de acção, nas indicações e contra-indicações, efeitos secundários, monitorização necessária e duração do tratamento sem interrupção.
Na psoríase, a atitude clínica não pode restringir-se à escolha do fármaco mais eficaz. Importa acompanhar o doente com compreensão, dando o apoio possível a todas as angústias inerentes a uma doença crónica com implicações nas relações sociais e na qualidade da vida diária; deve ser igualmente fornecido todo o esclarecimento minucioso, com chamada de atenção para algumas falsas soluções propagandeadas com charlatanismo, sem evidência científica, e que contribuem para a manutenção da doença em muitos doentes e gastos monetários desnecessários.
Prof. Doutor Manuel Marques Gomes
Director do Serviço de Dermatologia do Hospital de Santa Maria
Presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia