Artigo de Saúde Pública®
Nº 60 / Junho de 2007
20 Pacemaker: o marca passo do seu coração
Estimular o coração e melhorar o funcionamento deste órgão
Quando o seu coração não apresenta o ritmo certo adequado às suas necessidades, pode estar perante uma bradicardia. A solução passa por colocar um pacemaker que marque o passo do seu coração...
O coração desempenha uma função vital no nosso organismo, pois é responsável por enviar oxigénio a todos os órgãos e tecidos, ao bombear o sangue proveniente dos pulmões para todas as áreas do corpo. O sangue que retorna ao coração é enviado novamente aos pulmões para ser oxigenado, completando deste modo um circuito que nos permite estarmos vivos.
Como explica o Dr. Luís Elvas, cardiologista dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), «o coração funciona como uma bomba, mas necessita de impulsos eléctricos para que a contracção muscular se processe. Assim, existe no coração (aurícula direita) um pequeno gerador eléctrico (nódulo sinusal ou sinoauricular), que emite estímulos eléctricos a uma cadência determinada. A actividade eléctrica irá ser conduzida aos ventrículos através de um sistema de condução específico, chegando finalmente ao músculo ventricular e provocando a sua contracção.».
A diminuição exagerada do número de contracções ou pulsações (bradicardia), seja por dificuldades na formação de estímulos eléctricos, seja por interrupções na passagem dos estímulos ao longo do sistema de condução (bloqueios), pode levar ao aparecimento de sintomas que justifiquem a implantação de pacemakers.
As queixas mais habituais são tonturas, sensação de desfalecimento ou mesmo desmaio, e situações de cansaço anormal e fadiga extrema. «Note-se que nem sempre estes sintomas se devem a bradicardia e só uma avaliação médica, por vezes exaustiva, poderá estabelecer o diagnóstico correcto», salienta Luís Elvas.
De acordo com o Dr. João de Sousa, assistente hospitalar graduado de Cardiologia no Hospital de Santa Maria, «o pacemaker é um aparelho electrónico que funciona como um “marca passo”, emitindo estímulos eléctricos que capturam o coração e assim suportam o seu ritmo», afirma, acrescentando:
«Uma situação em que os pacemakers estão também indicados é na insuficiência cardíaca. Através da sincronização da estimulação do coração podemos melhorar o funcionamento deste órgão.»
Deste modo, destacam-se dois benefícios principais aquando da colocação de um pacemaker, nas situações referidas acima.
«O primeiro é na mortalidade. Estudos já muito antigos evidenciaram que nas pessoas que tinham bloqueios auriculoventriculares ou uma frequência cardíaca muito lenta, a colocação do pacemaker melhorou significativamente a mortalidade. Por outro lado, também é vantajoso no que diz respeito à própria morbilidade. Em termos funcionais, os doentes que colocam um pacemaker deixam de ter queixas e, deste modo, conseguem ter uma vida normal», diz João de Sousa.
A cirurgia para implantar o pacemaker evoluiu muito ao longo dos tempos. Actualmente, é uma pequena cirurgia de mera rotina, sendo que a maioria destas implantações é realizada apenas com anestesia local.
«Geralmente, o pacemaker coloca-se no lado esquerdo do peito, na região antepeitoral, ou seja, em frente ao músculo peitoral, e os fios são introduzidos pelo sistema venoso, numa intervenção relativamente fácil, com a duração de 45 minutos», salienta o cardiologista do Hospital de Santa Maria.
O pós-operatório também é rápido, uma vez que, normalmente, os doentes têm alta ao fim de 24 horas, isto é, implantam o pacemaker num dia e saem no dia seguinte.
Os cuidados de um portador de pacemaker
O objectivo de colocar um pacemaker é proporcionar uma melhoria substancial da qualidade de vida e, neste sentido, ter uma vida tanto normal quanto possível.
Luís Elvas refere que «a implantação de um pacemaker não interfere com as actividades quotidianas e o doente poderá ter um estilo de vida activo. Poderá fazer as suas actividades usuais, tais como os trabalhos domésticos, jardinar, guiar, nadar, etc. A maioria dos utensílios eléctricos de uso diário não influencia o funcionamento do dispositivo, nomeadamente electrodomésticos de uso corrente, fornos de micro-ondas, computadores, televisão, controlos remotos, secadores, máquinas de barbear, equipamentos de fax, fotocopiadoras, leitores de CD/DVD, jacuzzis, entre outros».
Porém, há cuidados que se exigem e a primeira precaução fundamental é, segundo João de Sousa, «ir regularmente à consulta, nomeadamente, de seis em seis meses. Depois, os doentes devem ter a preocupação em evitar danos físicos sobre o próprio aparelho, o que implica evitar, por exemplo, desportos de contacto físico e outras situações que possam levar a colisões sobre o local do pacemaker».
Ainda que a maioria dos exames complementares e dos tratamentos médicos e dentários não cause problemas, há determinados procedimentos clínicos que devem ser evitados ou que exigem precauções especiais, como a ressonância magnética nuclear, a diatermia, a estimulação nervosa eléctrica transcutânea, as radiações terapêuticas e o electrocautério (utilizado em cirurgias).
Apesar dos campos electromagnéticos poderem influenciar o funcionamento destes dispositivos, raramente surgem problemas de interferência no dia-a-dia. Aconselha-se, contudo, o seguinte:
«Passar normalmente pelos dispositivos anti-roubo colocados nas entradas dos estabelecimentos comerciais, mas não permanecer estático junto destes; usar o telemóvel no lado oposto ao da implantação e procurar não o trazer no bolso que está muito próximo do local do gerador; nos aeroportos informar o pessoal de segurança que tem um pacemaker, pois este pode activar os detectores de metais, ainda que a interferência destes detectores no funcionamento do pacemaker seja rara e temporária; falar com o médico sobre o uso e eventuais precauções a tomar com determinados equipamentos de uso menos comum como cortadores de relva, altifalantes estéreo potentes, serras eléctricas, varinha de bingo (magnética), perfuradoras eléctricas e outros», descreve o cardiologista dos HUC.
Tipos de pacemakers e evolução
Há vários tipos de pacemakers, mas basicamente estes geradores de impulsos diferenciam-se entre os que estimulam só uma câmara do coração (aurícula ou ventrículo), os que estimulam duas câmaras do coração (tanto a aurícula como o ventrículo de um modo sequencial) e, por fim, os que estimulam três câmaras do coração (a aurícula e os dois ventrículos), como é o caso do pacemaker indicado em alguns casos de insuficiência cardíaca («de ressincronização»).
João de Sousa afirma que «os pacemakers mais comuns são os de câmara única ventricular» e acrescenta:
«Os pacemakers também podem ter uma frequência cardíaca fixa ou podem ter um sensor de modulação de frequência cardíaca que lhes permite aumentar a frequência quando as necessidades do doente assim exigem. Estes designam-se por pacemakers com resposta em frequência.
Estes pacemakers, de acordo com Luís Elvas, «adaptam de forma automática a emissão de estímulos às condições fisiológicas. Alguns destes aumentam a sua frequência de estimulação em resposta não só à actividade física, mas também ao stress emocional», refere, acrescentando:
«O pacemaker actual tem muitas funções programáveis; nas consultas de rotina diversos parâmetros podem ser modificados para dar resposta às necessidades individuais. Tal é efectuado através de um programador que comunica do exterior com o gerador do pacemaker de uma forma simples e rápida.»
A evolução da implantação de pacemakers em Portugal tem sido semelhante à internacional, quer em termos da Europa como dos Estados Unidos da América.
«Embora a taxa de implantações seja ligeiramente abaixo da média da Europa, temos assistido a uma tendência de se aproximar e atingir esta média europeia. Do ponto de vista tecnológico e de diferenciação de materiais e técnicas de implantação, os centros portugueses estão ao nível dos melhores centros mundiais», explica João de Sousa.
A mesma ideia é reforçada por Luís Elvas, que salienta que «a taxa das primeiras implantações de pacemaker, em Portugal, nos últimos anos, é superior a 600/milhão de hab/ano, o que nos coloca numa posição relativamente confortável a nível europeu. Actualmente, existem em Portugal 40 centros de implantação (alguns são privados), que permitem uma boa cobertura a nível nacional, apesar do número de unidades implantadas variar muito de centro para centro», conclui.
CURIOSIDADES
– Milhões de células do coração reagem a impulsos eléctricos que são produzidos numa pequena área na parte superior do coração e que se designa de nódulo sinusal ou sinoauricular;
– Um coração normal bate entre 60 e 100 vezes por minuto, regularmente e de forma ritmada. Pode bater mais depressa ou mais devagar consoante a necessidade de oxigenação do corpo;
– Um pacemaker dura, em geral, cinco a dez anos, dependendo da condição clínica do doente e de outros factores;
– A bateria do pacemaker não deixa de funcionar subitamente, mas a sua energia vai baixando ao longo de vários meses, havendo tempo suficiente para a sua substituição;
– O primeiro pacemaker, criado em finais dos anos 50, era do tamanho de um disco de hóquei e a bateria durava apenas um ano.
Texto: Teresa Pires