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Artigo de Saúde Pública®

Nº 59 / Maio de 2007






08 A mortalidade na população em diálise
Entrevistas à Dr.ª Maria João Pais, Dr.ª Teresa Adragão e Dr. João Frazão
O aparecimento de técnicas de procriação medicamente assistida veio dar novo alento aos casais que,
desesperadamente, tentam trazer ao mundo uma vida. Mas, apesar de todos os benefícios,
estas técnicas configuram algumas questões éticas e legais.


Em Portugal, o historial da procriação medicamente assistida (PMA) é ainda recente. Em 1986, nasceu, no nosso País, o primeiro bebé proveta, fruto da fecundação in vitro, uma das técnicas de PMA.

Desde essa data até aos dias de hoje, o desenvolvimento de outras técnicas de PMA permitiu devolver a esperança a quem tanto aguarda a «chegada da cegonha», oferecendo, no conjunto, uma taxa de gravidez até 30%.

A técnica de inseminação artificial preconiza o encontro entre os espermatozóides e os óvulos, quando em causa não está um factor masculino. Este procedimento envolve uma colheita de esperma e uma preparação prévia em laboratório. Posteriormente, esse esperma é introduzido na cavidade vaginal ou uterina da mulher.

«A inseminação artificial comporta um risco inferior, porque a estimulação é menor e a fecundação é instantânea. No fundo, os gâmetas fazem o trabalho sozinhos, uma vez que a fecundação se dá in vivo, não se realiza em laboratório, pelo que, à partida, é sempre mais natural do que qualquer outra técnica», refere a Dr.ª Helena Figueiredo, bióloga do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.

A fertilização in vitro é uma técnica que se aplica quando está presente um factor feminino de infertilidade, como, por exemplo, obstrução das trompas de Falópio. O encontro de óvulos e espermatozóides, ao contrário do que se verifica na inseminação artificial, decorre em ambiente laboratorial.

A micro-injecção, também conhecida por injecção cito-plasmática, «é uma técnica que deve ser usada em indivíduos azooespérmicos [ausência de espermatozóides na ejaculação] ou quando existe um factor masculino grave que altere a fecundação», afirma Helena Figueiredo. Os espermatozóides são recolhidos do testículo e, posteriormente, são injectados no óvulo.

O diagnóstico pré-implantatório, uma técnica que implica o recurso à PMA, poderá ser usada quando existe uma anomalia genética – decorrente de anteriores gestações ou presente num dos membros do casal – que comprometa uma geração vindoura.
«Os embriões criados in vitro são analisados e apenas se seleccionam e transferem aqueles que não revelarem qualquer anomalia genética», diz a especialista.

O envolvimento ético da PMA

Muito embora seja um recurso para os casais que não conseguem ter filhos, a PMA suscita várias questões éticas e jurídicas que decidem a sua aplicação.
«A procriação medicamente assistida trouxe a possibilidade de criar um embrião fora do útero materno. As questões éticas e deontológicas, relacionadas com a criação de embriões, através da PMA, preconizam um dos debates onde é mais difícil atingir consensos em Bioética e na sociedade em geral. O embrião é o centro de todas as questões éticas relacionadas com estas técnicas: quando começa a vida, quando congelar ou descongelar, quando utilizar e a qual a protecção jurídica que lhe é conferida», refere a Prof.ª Ana Sofia Carvalho, directora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa.

Os casos recentes, que noticiavam a gravidez gemelar de duas mulheres com mais de 60 anos, alertaram para os limites éticos da utilização da PMA.
«Do meu ponto de vista, e atendendo ao binómio risco-benefício, o médico nunca deveria ter utilizado estas técnicas numa mulher com mais de 60 anos», defende.

A PMA levanta ainda outras questões menos consensuais, nomeadamente a criação de embriões excedentários: será que aumentam o sucesso da técnica? Segundo Ana Sofia Carvalho, «é preciso perceber se existe uma justificação médica para criar embriões excedentários». Em Itália e na Alemanha, não é permitido criar embriões em número superior aos que vão ser implantados.

«Esta é uma questão técnica com consequências evidentes para toda esta reflexão ética. O destino a dar a esses embriões é essencial em toda esta questão», afirma, acrescentando:
«Outras questões éticas, recentemente analisadas detalhadamente pelo Conselho Nacional de Ética, foram alvo de importantes discussões face à recente legislação: a possibilidade de adopção embrionária, a PMA com utilização de gâmetas doados, a questão do anonimato e a subsidiariedade das técnicas.»

Moldura legal e limites jurídicos

De acordo com o disposto no artigo n.º 32 de 26 de Julho de 2006, publicado em Diário da República, todas as técnicas de PMA devem obedecer ao princípio «da dignidade humana». Os destinatários da técnica devem ser cidadãos de sexo diferente, com mais de 18 anos, casados ou a viver em união de facto. E em que casos está prevista a utilização da PMA?

«A nossa lei, à semelhança de outras legislações, diz que as técnicas de PMA devem ser utilizadas para fazer face a uma situação de infertilidade ou esterilidade. Portanto, devem ser encaradas como um método subsidiário e não como método alternativo à procriação», comenta a Dr.ª Paula Martinho da Silva, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV).

A lei admite, no entanto, situações excepcionais de
aplicabilidade da técnica, fora da situação típica de infertilidade, como é o caso do diagnóstico genético pré-implantatório, que se realiza em pessoas provenientes de famílias com alterações que causam morte precoce ou doença grave, quando exista risco elevado de transmissão à sua descendência.

Uma das potencialidades do diagnóstico pré-implantatório é a selecção do sexo da criança, o que, segundo as disposições legais, só pode ser feita «quando em causa esteja o despiste de uma doença genética ligada ao sexo». A legislação portuguesa não contempla a utilização para satisfação do casal, no melhoramento e escolha de características, uma vez que, do ponto de vista ético, implica a instrumentalização da vida humana.

«Todas as possibilidades que as técnicas de PMA fornecem em termos de melhoramento genético e escolha de características físicas, com objectivos não médicos, são excluídas do propósito desta lei», salienta Paula Martinho da Silva.

Nas situações em que não se consegue atingir uma gravidez, a lei portuguesa admite o recurso a um dador de gâmetas e em­briões. «Esta é uma condição com carácter de excepção que se prevê apenas para casos em que a gravidez não é possível dentro do casal», sustenta a jurista.

A legislação portuguesa refere, ainda, que os embriões excedentários, não transferidos, devem ser criopreservados, mantendo-se o compromisso de futura utilização dos destinatários no período de três anos.
«Decorrido o prazo de três anos, podem os embriões ser doados a outro casal, cuja indicação médica de infertilidade o aconselhe», refere o artigo 25.º do capítulo IV da disposição legal.

E o que diz a legislação em relação à doação de gâmetas e
embriões, quanto à atribuição de paternidade? Deve ser salvaguardada a confidencialidade do dador?
«A lei exclui de qualquer responsabilidade o dador e, portanto, é atribuída a paternidade ao casal. A legislação portuguesa contempla o princípio do anonimato do dador, possibilitando no entanto que a criança nascida por estas técnicas possa obter informações sobre o seu património genético, mas exclui, peremptoriamente, a identificação do dador.»

Quanto à maternidade de substituição (barriga de aluguer), como se pronuncia a lei portuguesa sobre esta matéria? «A lei considera nulos os contratos de maternidade de substituição.


Texto: Andreia de Sousa Pereira
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