Artigo de Saúde Pública®
Nº 58 / Abril de 2007
15 Dossiê CARDIOLOGIA
Insuficiência cardíaca: a epidemia que é urgente vencer
- Dr.ª Cândida Fonseca
A insuficiência cardíaca (IC) é um problema grave de saúde pública que atinge proporções epidémicas. Já afecta cerca de 2% da população na Europa e nos Estados Unidos e a sua prevalência aumenta, exponencialmente, com a idade.
O estudo EPICA – EPidemiologia da Insuficiência Cardíaca e Aprendizagem – quantificou a prevalência da IC em Portugal continental em 4,36%, equivalendo a mais de 260.000 indivíduos afectados. Por outro lado, é previsível que existam outros tantos indivíduos com disfunção cardíaca ainda assintomática que, sem reconhecimento precoce e tratamento adequado, evoluirão, inexoravelmente, para IC sintomática.
Apesar dos imensos progressos feitos nos últimos anos na área da terapêutica, a sua prevalência e mortalidade continuam a aumentar enquanto que, nas últimas duas décadas, a mortalidade global por doença cardiovascular tendeu a decrescer. Prevê-se que a IC possa vir a crescer em cerca de 70% até ao ano de 2010.
É uma síndrome com elevada morbilidade e mortalidade, identificada como a principal causa de internamento hospitalar após os 65 anos. A mortalidade por IC, nas suas fases mais evoluídas, atinge os 50% ao ano; morrem mais doentes de IC do que de cancro da mama, do cólon, ou da próstata e mais do que de todas as neoplasias malignas em conjunto.
Apesar do mau prognóstico, do enorme impacto social e económico, com custos estimados em mais de 2% do total do orçamento para a saúde dos países industrializados, sendo que mais de 70% são consumidos em internamentos e reinternamentos, a IC é uma doença multifacetada e ainda mal conhecida.
A co-morbilidade, nomeadamente, a coexistência de doença pulmonar crónica, diabetes, anemia e insuficiência renal crónica, é uma situação frequente que dificulta o manejo dos fármacos e agrava o prognóstico dos doentes.
Existem hoje formas de tratamento que permitem melhorar não só os sintomas e a qualidade de vida dos doentes, mas também atrasar a progressão da doença, diminuir as hospitalizações, a mortalidade e os custos relacionados com a síndrome.
As recomendações internacionais para o diagnóstico e tratamento da IC têm sido difíceis de implementar na prática clínica. O tratamento farmacológico optimizado exige uma polifarmacoterapia de difícil manejo para médicos e doentes.
Novas modalidades terapêuticas, nomeadamente nas áreas da arritmologia e pacing – ressincronização cardíaca e desfibrilhadores implantáveis –, têm demonstrado benefícios inequívocos como coadjuvantes da terapêutica farmacológica optimizada em doentes com IC grave, quando criteriosamente seleccionados.
Alguns procedimentos cirúrgicos individualizados e a transplantação cardíaca, que se tornou uma opção real, entre nós, nos últimos anos, completam as opções terapêuticas para a IC. Porque a elevada morbilidade e mortalidade da síndrome persiste apesar de todos os esforços, a IC tornou-se numa das áreas cardiovasculares com maior investigação científica. Novos fármacos e atitudes terapêuticas motivam constantemente novos estudos na IC aguda e crónica.
A perspectiva da epidemia, a diversidade dos aspectos clínicos e a complexidade da terapêutica da IC levaram à implementação, nos países ditos desenvolvidos, de estruturas especialmente destinadas ao tratamento destes doentes, as clínicas de IC, que têm vindo a demonstrar efeitos cada vez mais benéficos na diminuição dos reinternamentos, melhoria da morbilidade e da mortalidade e na contenção dos custos.
Dr.ª Cândida Fonseca
Cardiologista no Hospital de S. Francisco Xavier
Secretária da Zona Sul da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC)