- Dr. Álvaro Cidrais
A qualidade dos cuidados primários de saúde está ameaçada.
Aparentemente, os centros de saúde irão ser integrados nas autarquias, num modelo próximo dos países escandinavos! Esta medida poderá ser um desastre! Faltam-nos as condições de base!
Há alguns anos que se fala na possibilidade de parte ou a totalidade dos serviços inerentes aos cuidados primários em saúde serem transferidos para o âmbito das autarquias que, deste modo, irão integrar parte ou a totalidade dos centros de saúde.
Agora, fala-se com insistência nesta opção e, para a legitimar, vai-se buscar o sucesso do modelo Finlandês ou da Escandinávia!
Todavia, não podemos esquecer que muito nos separa daquela realidade. A nossa cultura e as nossas mentalidades são totalmente diferentes. As nossas estruturas de economia e de sociedade pouco têm em comum.
Um sistema como o deles funciona com base numa trilogia virtuosa que desenvolve uma cidadania activa e uma democracia participada para a qual, infelizmente, não
estamos preparados.
De facto, a sua sociedade baseia-se numa educação (na escola, em casa e nas empresas e demais organizações) centrada na responsabilidade e no bem colectivo.
Não é o nosso caso! O seu sistema de gestão política é transparente. O sistema de justiça funciona. Não há impunidade como em Portugal.
É a combinação integrada destes factores que faz com que um modelo centrado nas comunidades locais tenha condições
para se desenvolver.
Na Finlândia, na Suécia e na Dinamarca, os cidadãos associam-se, estudam os problemas, propõem medidas para os resolver e investem recursos para que tal aconteça.
Não ficam à espera que o Estado resolva tudo.
Naqueles países, desde a infância, as pessoas aprendem – nas escolas e em casa – que a sua saúde depende do que fizerem nos campos individual e colectivo. Abordam, sem tabus, as questões do aborto, da eutanásia, do sexo, da SIDA, etc. Sabem que saúde não é a ausência de doença, mas, antes, uma sensação integral e integrada de
bem-estar.
Naqueles locais, a educação (feita ao longo da vida) tem como finalidade a maximização do bem-estar social e pessoal. Aqui, neste cantinho, predomina a promoção do individualismo, do sucesso pelo «chico-espertismo» e do hedonismo!
Naquelas terras, é impensável ser-se autarca para «servir-se». O presidente da Câmara está lá para servir a comunidade. Naqueles lugares o Estado descentraliza funções e responsabilidades para promover melhores resultados. Aqui não! Pode fazê-lo porque a qualidade dos indivíduos e das práticas assim o permitem.
Nestas terras de Portugal, neste cantinho de sol e esperança, os cidadãos ainda nem conhecem os seus direitos, reduzindo-os essencialmente ao acto de reclamar e criticar. Não existe a noção de os eleitores e os eleitos serem importantes para construir e desenvolver a saúde e o sistema nacional de saúde.
Assim, descentralizar será, acima de tudo, criar um grande problema para os autarcas e para as populações. Representará mais a lavagem de mãos, como fez Pilatos, do que a construção de processos de «empoderamento » das populações e um verdadeiro contributo para o desenvolvimento do bem-estar e do local.
Por estes motivos, muito cuidado.
Dr. Álvaro Cidrais
Geógrafo e Consultor
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