Artigo de Saúde Pública®
Nº 56 / Fevereiro de 2007
07 Despertar de novo para a vida sexual
Cerca de 80% dos casos de disfunção eréctil são passíveis de tratamento
A disfunção eréctil é um problema de saúde que atinge perto de 500 mil portugueses. As causas da patologia podem ser físicas, psicológicas, ou um misto de ambas. Mas, independentemente do motivo que está por trás, existem tratamentos que, na grande maioria das situações, permitem recuperar a capacidade de erecção e restabelecer a vida sexual masculina.
De acordo com a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), a disfunção eréctil é descrita como «a incapacidade persistente de atingir ou manter uma erecção suficiente para permitir uma relação sexual satisfatória para o casal».
O termo «impotência», também utilizado para designar a perturbação de erecção, foi substituído, ao longo do tempo, pelo conceito de disfunção eréctil, uma vez que comportava uma carga pejorativa, associada a aspectos negativos da masculinidade, e não descrevia a verdadeira alteração da capacidade de erecção. A par da evolução da denominação da doença, também se registaram mudanças na abordagem do problema por parte da classe médica.
«A partir do momento em que se descobriram os mecanismos responsáveis pela erecção, abriu-se todo um campo de investigação e conhecimento. Até essa altura, havia uma lacuna médica e os doentes eram orientados quase sempre para as consultas gerais de Psiquiatria», refere o Dr. António Campos, urologista do Hospital Militar Principal.
A disfunção eréctil é, hoje em dia, encarada como um problema de saúde com repercussão e impacto na vida pessoal, afectiva e social dos doentes.
«Não constitui uma ameaça de vida, mas prejudica, de um modo muito marcante, a qualidade de vida dos que sofrem deste problema», salienta o Prof. La Fuente de Carvalho, presidente da Sociedade Portuguesa de Andrologia.
Um estudo epidemiológico, realizado em Portugal, aponta para a existência de meio milhão de homens afectados pela perturbação da erecção. Por norma, esta é uma patologia relacionada com o aumento da idade, mas, ao contrário do que se possa julgar, este não é um problema exclusivo das faixas etárias mais avançadas.
«A disfunção eréctil ocorre em homens a partir dos 40 a 50 anos. Esta é a altura em que se observa um processo de envelhecimento natural das estruturas arteriais e nervosas. Mas, devido à agitação da vida moderna e ao ritmo célere do dia-a-dia, há uma tendência para aparecerem pessoas cada vez mais novas com este problema», comenta o Dr. João Real Dias, urologista e director clínico do hospital de St. Louis.
As dificuldades de erecção podem ser «o indício ou a manifestação de uma doença generalizada», diz António Campos. Neste sentido, os especialistas alertam para a necessidade de procura médica para tentar solucionar a origem do problema.
«É importante reconhecer que um diagnóstico precoce da disfunção eréctil, tal como em qualquer outra doença, permite tratamentos mais eficazes, eventualmente na recuperação total das capacidades do doente», nota o urologista do Hospital Militar Principal.
Combater a origem da doença
A disfunção eréctil está intimamente relacionada com as estruturas vasculares e nervosas. Para que se registe uma erecção, é necessário haver um afluxo de sangue ao pénis, que preencha o interior dos espaços lacunares (ver infografia), permitindo, assim, o aumento da rigidez e do volume peniano.
O que acontece, devido a factores de ordem variada, é que o sangue não alcança o tecido cavernoso do pénis e, por conseguinte, não preenche os sinusóides, também conhecidos por espaços lacunares, dificultando a possibilidade de erecção.
A perturbação da erecção, para além de ser uma situação do foro sexual, pode esconder um problema de saúde físico ou psicológico que, muitas das vezes, se encontra disfarçado sem que o doente se aperceba da sua existência.
Uma alimentação desregrada, rica em gorduras e açúcares, podem favorecer o aparecimento de hiperglicemias, o que, posteriormente, conduz à deterioração precoce das artérias.
O consumo excessivo de álcool, drogas ou tabaco pode acelarar o processo de envelhecimento destas estruturas, provocando alterações ao nível dos vasos sanguíneos e dos nervos.
«Devemos ter em conta que o principal mecanismo de disfunção eréctil no envelhecimento é vascular, ligado a fenómenos de aterosclerose das artérias penianas», esclarece o Prof. Pedro Vendeira, assistente hospitalar de Urologia no Hospital de S. João, no Porto, e membro da Comissão Executiva da Sociedade Europeia de Medicina Sexual (ESSM).
A hipertensão, a diabetes, o colesterol elevado e a presença de doença cardiovascular estão entre as principais causas físicas que afectam o normal funcionamento do pénis. Mas não só.
Também a realização de determinadas cirurgias pélvicas ou radioterapia pode ter como sequela a dificuldade de erecção. Em alguns casos, a medicação, como anti-hipertensores ou anti-depressivos, exerce um efeito lateral que se reflecte na perda de erecção.
«Logo que notar uma alteração da função sexual, depois de iniciar determinado fármaco, o doente deverá falar com o médico, para que avalie a possibilidade de alterar a medicação por outra sem esses efeitos secundários», aconselha La Fuente de Carvalho.
Para além de todos estes factores, existem causas psicológicas que podem provocar alterações ou dificuldades de erecção, nomeadamente o stress, a depressão e a ansiedade.
Apenas 20% das situações sem tratamento
A correcção dos factores de risco e a alteração do estilo de vida é um passo fundamental para evitar a ocorrência de complicações vasculares. Para tal, é necessário manter um bom controlo das doenças associadas, particularmente a diabetes, doenças cardiovasculares, endócrinas, renais e respiratórias, «dado que se constituem como importantes factores de risco para a disfunção eréctil», menciona Pedro Vendeira.
«A evolução da diabetes, por exemplo, causa lesões vasculares e nervosas, que são duas estruturas fundamentais para a erecção, e o mau controlo da patologia de base pode conduzir a lesões irreversíveis», diz La Fuente de Carvalho, completando:
«O que se verifica, no nosso País, é que só numa fase tardia os homens decidem procurar ajuda médica. Trata-se de um aspecto cultural e educacional: os doentes preferem esconder, por entenderem que falar sobre o assunto vai debilitar a sua imagem masculina.»
A disfunção eréctil sem possibilidade de tratamento simples corresponde a formas orgânicas muito avançadas. Segundo o mesmo especialista, estas situações equivalem «apenas a 20% dos casos», o que significa, grosso modo, que a grande maioria é passível de tratamento.
Para estabelecer o diagnóstico e avaliar o grau de gravidade, o médico deve realizar um exame físico dirigido, cruzando estes dados com a medição dos níveis de açúcar no sangue, do perfil lipídico e eventual doseamento da testosterona.
No decurso na consulta, a análise clínica inclui todos os aspectos que possam exercer influência sobre a erecção: identificação de antecedentes médicos e cirúrgicos de co-
-morbilidades, avaliação do estilo de vida e estimular o doente a corrigir os seus hábitos.
«É importante promover condições de uma vida saudável: abandono dos hábitos tabágicos, reduzir o consumo de bebidas alcoólicas, controlo do peso corporal e prática de actividade física regular», frisa António Campos.
Um problema a dois
A perturbação de erecção afecta a vida sexual do homem. No entanto, os especialistas afirmam que esta situação deve ser encarada como uma dificuldade do casal.
«O aspecto da sexualidade é um parâmetro de qualidade de vida. O doente não morre se não mantiver uma vida afectiva gratificante, mas sofre», garante La Fuente de Carvalho.
A disfunção eréctil pode ser o início de um efeito «bola de neve» da vida do doente, isto porque pode ameaçar o domínio pessoal, familiar, social e afectivo.
«O problema é mais acutilante em indivíduos mais jovens, uma vez que a actividade sexual desempenha nessas idades uma importância acrescida», sublinha João Real Dias.
Segundo António Campos, «a perturbação de erecção é a disfunção sexual com maior repercussão sobre o casal».
Em jovens com uma vida sexual activa, as dificuldades de erecção podem provocar alguns conflitos familiares, se a situação não for partilhada com a parceira. A suspeita de traição e o sentimento de rejeição podem despoletar uma crise no casal. Neste sentido, é importante colocar a companheira ao corrente de toda a situação, uma vez que a mulher pode ser um auxílio terapêutico.
«Quando a mulher acompanha o homem à consulta, esclarecemos o doente, mas também estamos a informar a mulher do que se está a passar. É um problema a dois. A ajuda que a mulher pode dar, quer na vertente psicológica, quer no domínio sexual, é fundamental para que o homem se sinta seguro e, assim, desenvolva uma actividade sexual satisfatória para ambos», sublinha António Campos.
Terapêuticas orais permitem tratar disfunção eréctil
«Os agentes orais constituem hoje a terapêutica de primeira linha para a maioria dos doentes com disfunção eréctil, actuando de forma periférica no pénis», acentua Pedro Vendeira. Na opinião de La Fuente de Carvalho, o aparecimento de terapêuticas orais foi um passo positivo para o doente e para o médico, que «passou a dispor de mais um recurso de tratamento».
Os fármacos orais actuam ao nível das terminações nervosas e interferem com o óxido nítrico, que contribui para uma vasodilatação das artérias e veias penianas, permitindo um afluxo de sangue ao órgão genital masculino. Na perspectiva do urologista João Real Dias, a erecção não é mais do que «uma chamada de sangue ao pénis».
«As principais vantagens dos agentes orais são a sua boa tolerância, exibindo percentagens pouco significativas de efeitos adversos, a sua aceitação por parte dos doentes, dado o seu comportamento fisiológico, a facilidade de administração. Estas vantagens justificam as razões da sua progressiva aceitação como tratamento inicial na maioria das situações de disfunção eréctil», esclarece Pedro Vendeira.
No entanto, como ressalva o mesmo especialista, «estes fármacos necessitam de uma estimulação sexual prévia para poderem desenvolver o seu mecanismo de acção». Os agentes orais podem-se dividir em duas categorias: acção curta (sildenafil e vardenafil) e prolongada (tadalafil).
O sildenafil foi o primeiro fármaco oral para a disfunção eréctil a surgir no mercado português. Este fármaco só pode ser tomado uma vez por dia e 60 minutos antes do acto sexual. Na mesma linha de tratamento dos inibidores da fosfodiesterase tipo 5, encontra-se o vardenafil, um medicamento administrado por via oral com os mesmos moldes que o sildenafil.
O período de actuação destes dois fármacos é de 4 horas.
O tadalafil, também pertencente à categoria de inibidores da fosfodiesterase tipo 5, é um fármaco com um período de acção até 36 horas. De acordo com João Real Dias, isto representa «uma mais-valia do medicamento», uma vez que possibilita ao doente ter mais do que uma relação sexual nesse intervalo de tempo.
«As propriedades farmacocinéticas únicas do tadalafil, assim como a ausência de interacções com alimentos e álcool, são factores que explicam o grande potencial deste fármaco no tratamento da disfunção eréctil, dada a maior facilidade de utilização e eliminação do planeamento da actividade sexual do casal», diz Pedro Vendeira, acrescentando:
«Pelo contrário, a absorção do sildenafil é limitada na presença de alimentos ricos em gorduras, quando comparada com a sua absorção em jejum.»
O que é a Sociedade Europeia de Medicina Sexual (ESSM)?
«É uma organização científica e académica, multidisciplinar, sem fins lucrativos, que se dedica ao estudo da função e disfunção sexual, masculina e feminina», afirma o Prof. Pedro Vendeira, membro da Comissão Executiva da Sociedade Europeia de Medicina Sexual (ESSM).
Este organismo, criado há 10 anos, conta com a participação de 19 Sociedades, espalhadas pela Europa, de onde se inclui Portugal, com interesse pela área da Medicina Sexual.
«A minha recente eleição para a Comissão Executiva da ESSM vai permitir uma maior participação de todos os médicos portugueses que, de alguma forma, se dediquem ao diagnóstico e tratamento das doenças nesta área», observa Pedro Vendeira.
Alertar para a disfunção eréctil no Dia dos Namorados
o para o problema, a Sociedade Europeia de Medicina Sexual instituiu, em 2002, a data de 14 de Fevereiro como o Dia Europeu da Disfunção Eréctil.
«Por receio e inibição, muitos homens não recorrem ao médico e deixam avançar o problema sem o abordarem. Os indivíduos afectados por esta patologia devem procurar ajuda médica numa fase precoce», afirma o Prof. La Fuente de Carvalho, presidente da Sociedade Portuguesa de Andrologia (SPA).
«Por motivos de ordem cultural e educacional, verifica-se que, no nosso País, a procura de ajuda médica normalmente só se regista numa etapa já avançada da doença.»
Para assinalar o dia Europeu da Disfunção Eréctil, a SPA, com o apoio da Lilly Portugal, tem agendado para os dias 14 e 15 de Fevereiro, na Praça da Figueira, em Lisboa, e 16 e 17, na Praça Parada Leitão, no Porto, uma sessão de esclarecimentos junto da população. Entre as 9.00h e as 19.00h, a equipa da Unidade Móvel, localizada nestes locais, irá responder às dúvidas da população. No gabinete de enfermagem, os interessados poderão medir a pressão arterial e os níveis de glicemia. No espaço da Unidade Móvel de Apoio e Aconselhamento, estará disponível material de consulta (filmes e folhetos informativos) sobre as causas, sintomas e formas de tratamento da D.E.
Outras opções de tratamento
– Aparelho de vácuo: trata-se de um cilindro onde se insere o pénis, promovendo um afluxo de sangue ao órgão genital. Segundo o Prof. Pedro Vendeira, assistente hospitalar de Urologia no Hospital de S. João, no Porto, este é «um método muito difundido, apesar de pouco prescrito, cujas vantagens assentam no baixo custo e no facto de ser uma alternativa não farmacológica». Como desvantagens, salienta «a utilização incómoda, a ausência de ejaculação e pequenas erosões cutâneas, que demonstram o artificialismo desta técnica perante o acto sexual»;
– Terapêutica intrauretral e intracavernosa: são duas terapêuticas injectáveis que se constituem como alternativa à farmacoterapia oral. A terapêutica intracavernosa define-se como uma injecção peniana que desencadeia uma erecção. «É uma opção terapêutica com vantagens ao nível da segurança e eficácia, assim como um rápido início de acção (5 a 10 minutos), afirma Pedro Vendeira. Por outro lado, o Dr. João Real Dias, urologista e director clínico do hospital de St. Louis, diz que, apesar de mais barato, este método não é de fácil administração, uma vez que «há indivíduos que não conseguem aplicar a auto-injecção»;
– Cirurgia vascular: é uma intervenção cirúrgica para o tratamento da disfunção eréctil. «O seu intuito é aumentar o fluxo arterial e diminuir o retorno venoso», revela Pedro Vendeira;
– Próteses penianas: representam o último recurso terapêutico na disfunção eréctil, dado serem «invasivas e irreversíveis». Apesar disso, «apresentam um alto grau de sucesso e satisfação pessoal», explica o mesmo especialista. Contudo, ressalva, «a longo prazo, existe a possibilidade de falha mecânica, o que obriga à reintervenção».
Texto: Andreia Pereira