Artigo de Saúde Pública®
Nº 55 / Janeiro de 2007
00 IV - Alívio para os pais de crianças diabéticas
Entrevista ao Prof. Manuel Ferreira
Testemunho de Joana Dourado (8 anos)
Análogos de insulina de acção rápida
A diabetes tipo 1, característica da infância, define-se pela carência absoluta de insulina e é resultante da incapacidade da sua produção pelas células beta do pâncreas. A administração desta hormona é imprescindível à vida dos doentes.
As crianças mais pequenas, pela sua natural irreverência e imprevisibilidade, são inconstantes na sua alimentação e fazem frequentemente «birras» na hora das refeições. Isto não seria um problema grave em crianças saudáveis, mas em crianças diabéticas, o caso já muda de figura.
«As insulinas tradicionais, de acção curta, têm de ser administradas 30 minutos antes da refeição, para que a acção máxima da insulina seja coincidente e adaptada ao aumento dos níveis de glicemia resultante da alimentação», diz o Prof. Manuel Fontoura, endocrinologista pediátrico do Hospital de S. João.
As doses de insulina, a tomar antes das refeições, devem ser calculadas em função dos alimentos que a compõem. No entanto, nem sempre é possível fazer uma previsão segura e correcta da quantidade dos alimentos ingeridos, principalmente quando se trata de crianças.
O grande risco e desafio do tratamento de crianças diabéticas é, segundo o especialista, «a incapacidade de saber por antecipação o que a criança vai comer depois de tomar a sua dose de insulina».
Neste sentido, «as insulinas de acção rápida representam uma vantagem na área da Pediatria, uma vez que permitem ser administradas quer antes, quer depois da refeição», em função da idade do doente e da quantidade e variabilidade dos alimentos.
«As insulinas de acção rápida, devido à sua imediata absorção pelo organismo, têm um início de acção muito rápido (15 minutos após administração). Os análogos de acção rápida podem ser muito úteis, por se adaptarem melhor à natureza e ao regime alimentar das crianças e adolescentes e por prevenirem de forma mais eficaz as hipoglicemias.»
Esquema de insulina para crianças e adolescentes
«Em geral, uma criança diabética faz, normalmente, três a quatro tomas diárias de insulina: antes do pequeno-almoço, pode administrar uma insulina de acção intermédia; antes do almoço e do jantar poderá fazer uma insulina de acção rápida, para compensar o aumento do nível da glicemia resultante da refeição; ao jantar ou à ceia poderá ser administrada uma dose menor de insulina de acção intermédia, que permita manter níveis baixos de insulina durante a noite», explica Manuel Fontoura.
O objectivo dos regimes de insulina é tentar aproximar-se o mais possível do normal funcionamento do pâncreas. «Este órgão vai produzindo, ao longo do dia, de forma continuada, pequenas quantidades basais de insulina para manter os níveis de glicemia dentro de valores normais, aumentando a produção da insulina nas refeições», salienta o endocrinologista. No entanto, os esquemas de administração de insulina em diabéticos diferem de doente para doente, de acordo com as suas necessidades e especificidades.
«O plano de tratamento deve estar adaptado à actividade física e ao plano alimentar. Globalmente, o doente deve administrar uma insulina de acção lenta, à noite, que garanta uma quantidade basal de insulina durante as 24 horas. Antes das principais refeições, deve tomar uma insulina de acção rápida para compensar a subida dos níveis de glicemia. Este é o esquema intensivo mais eficaz e adequado para crianças mais velhas e adolescentes», diz o especialista.
O que são hipoglicemias?
A hipoglicemia surge como resultado de uma «redução dos níveis de glicose no sangue para valores abaixo dos considerados normais (60 mg/dl)». A causa da hipoglicemia pode dever-se a vários factores: em doentes diabéticos a inadequação da acção da insulina com a refeição que ingeriram (dose de insulina a mais), a actividade física exagerada ou a diminuição ou perda de uma refeição podem ser exemplos frequentes.
Os sinais de hipoglicemia ligeira são a «sensação de fome, palidez, tonturas, desconforto no estômago, suores frios, taquicardia, entre outros». Em doentes diabéticos, a persistência dos sintomas e o agravamento da hipoglicemia podem conduzir mesmo à perda de consciência.
Uma nova prática de vida
Aos 8 anos, por força da diabetes tipo 1, Joana Dourado teve de adoptar um novo estilo de vida, marcado por uma série de novidades. Um regime alimentar mais rigoroso, as administrações de insulina e as picadas no dedo passaram a fazer parte do seu dia-a-dia.
A alimentação é um dos primeiros cuidados do doente diabético, pelo que Joana Dourado, actualmente com 12 anos, teve de alterar alguns dos seus hábitos alimentares.
«Até à data comia qualquer coisa, agora tem de se esforçar para fazer uma alimentação mais saudável: evitar hidratos de carbono e gorduras em excesso, consumir muitos legumes e frutas e, para além disso, privilegiar farinhas integrais em vez de farinhas brancas, porque têm uma absorção mais lenta da glicose», esclarece o Prof. Manuel Martins, o pai de Joana Dourado e professor de Economia da Universidade do Porto.
No entanto, aquilo que aparentemente pode ser uma restrição é, na opinião de Manuel Martins, uma vantagem. «O regime alimentar mais rígido é uma limitação no bom sentido, isto porque impede que a Joana faça uma alimentação igual à de muitos jovens, quase suicida do ponto de vista da obesidade e colesterol.»
Os açúcares e hidratos de carbono de emergência acompanham Joana Dourado, estudante do 7.º ano de escolaridade, na sua rotina diária, para combater as hipoglicemias. «Isto acontece quando a administração de insulina se revelou exagerada para a energia que gastou numa actividade», revela Manuel Martins.
Para além do plano alimentar, o exercício físico assume uma grande importância nos doentes diabéticos. Joana Dourado pratica ginástica na escola e natação, três a quatro vezes por semana, mas tem sempre alguns cuidados.
«Antes de iniciar uma actividade física, mede a glicose no sangue. Se os níveis estiverem baixos, ingere açúcar ou hidratos de carbono em quantidade suficiente para desenvolver a actividade a seguir. No fundo, antes de realizar uma tarefa, a Joana tem de se certificar de que não vai ter uma hipoglicemia e de que o seu rendimento vai ser o melhor possível.»
Melhoria do dia-a-dia
As insulinas de acção ultra-rápida permitem «tomar decisões com maior flexibilidade e ter uma vida mais próxima do normal», diz Manuel Martins.
A incapacidade de prever, antes da refeição, o que se vai comer pode representar uma dificuldade nos doentes diabéticos, já que nem sempre é possível fazer a gestão da insulina antes da ingestão.
«Às vezes há um prato que está mais saboroso e, ao ver como a refeição evoluiu, é possível administrar a insulina lispro e ter, portanto, uma vida mais livre. Uma pessoa “normal” gosta de tomar decisões ao longo das refeições e não apenas no início. As insulinas ultra-rápidas possibilitam a tomada de decisões enquanto se come, porque se sabe que a seguir existe um instrumento que permite manter o controlo da glicose», adianta Manuel Martins.
O esquema intensivo – utilizado por Joana Dourado – consiste na administração da insulina ultralenta (glargina), que permite o funcionamento regular do metabolismo básico ao longo do dia, e de administrações da insulina rápida (lispro), antes ou depois de cada refeição.
«Este plano veio facilitar imenso a gestão da glicose e possibilitou uma redução dos episódios de hipo e hiperglicemia. Para além disso, ajudou a melhorar o dia-a-dia e a aumentar a possibilidade de minimizar, no futuro, as complicações tardias.»
Texto: Andreia Pereira