Artigo de Saúde Pública®
Nº 54 / Dezembro de 2006
00 II - Olhos que se desencontram
As crianças são o alvo preferido do estrabismo – defeito na coordenação dos movimentos dos olhos, que perdem o alinhamento em relação aos objectos que fixam. Na grande maioria dos casos este defeito tem tratamento, mas, para isso, é essencial que este se inicie o mais precocemente possível e que seja seguido «à risca».
Estrabismo afecta cerca de 3% das crianças portuguesas
Se o alvo que a pessoa quer focar se localiza em frente, um dos olhos segue essa direcção e o outro desvia-se para dentro ou para fora, para cima ou para baixo, mas nunca segue «a mesma rota». Este é o sintoma mais comum e visível do estrabismo, uma doença ocular que afecta, maioritariamente, as crianças e que se caracteriza por um defeito motor (desalinhamento dos olhos) e um outro sensorial (alteração da visão binocular).
«Quando um olho desalinha, provoca uma alteração motora que impede o desenvolvimento normal da visão, originando sequelas sensoriais graves, como as ambliopias (baixa de visão do olho desviado) e supressão (perda da visão simultânea)», salienta o Dr. José Carlos Mesquita, oftalmologista e chefe de serviço de Oftalmologia do Hospital de Dona Estefânia.
O estrabismo tem várias causas e pode até não ter causas conhecidas. A predisposição hereditária é uma delas e outra causa frequente é a hipermetropia elevada – defeito/vício de refracção que faz com que a imagem do objecto focado se localize atrás da retina e, assim, a visão torna-se turva.
«Nos olhos em crescimento, há uma grande incidência de hipermetropias que, normalmente, não têm grande importância, porque o crescimento encarrega-se de as neutralizar. No entanto, hipermetropias mais elevadas obrigam a criança a um excesso de convergência acomodativa para conseguir ver melhor e isto pode resultar em estrabismo», garante o oftalmologista.
A consequência mais preocupante do estrabismo não é o desalinhamento dos olhos, mas sim o facto de a criança utilizar apenas o olho dominante. Deste modo, o outro olho não desenvolve uma visão normal, resultando em ambliopia (baixa de visão).
Tratar cedo para evitar sequelas
Quanto mais precoce for o tratamento do estrabismo, menores serão as sequelas que ficam para toda a vida. «Nas crianças mais velhas, é difícil fazer a recuperação, a melhoria da acuidade visual é mais complicada e o tratamento poderá ser mais longo e de resultados incertos», alerta José Carlos Mesquita, continuando:
«Se o estrabismo não for tratado até aos 4/5 anos, a pessoa pode não ficar estrábica, mas a função do olho fica muito reduzida. Por isso, é fundamental detectar e tratar cedo, não só para recuperar a acuidade visual, mas também para melhorar o rendimento escolar das crianças, já que, em muitos casos, o défice visual é motivo de insucesso escolar.»
Conforme aconselha este especialista, em crianças que não manifestam problemas de visão, mas podem tê-los, os rastreios devem ser feitos por volta dos 3 anos, porque, nesta fase, «a criança já colabora na determinação da acuidade visual e ainda é possível tratar com êxito eventuais deficiências».
O plano de tratamento do estrabismo começa na correcção da refracção (prescrever óculos) e «há que obrigar o olho que vê mal a funcionar melhor, tapando o olho saudável». A este procedimento chama-se oclusão e é, segundo José Carlos Mesquita, «o método mais eficaz para tratar as ambliopias».
Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, a oclusão serve apenas para recuperar a visão e não o alinhamento dos olhos. «Em alguns casos, o alinhamento restabelece-se com a recuperação da visão, mas, nos casos em que isto não acontece, deve fazer-se uma intervenção cirúrgica que actua ao nível dos músculos extra--oculares, enfraquecendo-os ou reforçando-os, conforme os casos», explica o especialista.
No entanto, a intervenção cirúrgica não é imperativa, pois, há casos em que basta a aplicação de uma injecção de toxina botulínica directamente nos músculos, sob anestesia geral, para alterar a relação de forças entre eles e restabelecer o paralelismo dos olhos.
«Se o tratamento for iniciado na altura certa e devidamente seguido, normalmente, a partir dos 7 ou 8 anos, a visão fica estabilizada, mas existem casos em que aos 3/4 anos o problema já está resolvido. Depois, a criança deve ser observada uma ou duas vezes por ano, durante a sua escolaridade, para corrigir eventuais defeitos que surjam com o crescimento», afirma este especialista em Oftalmologia Pediátrica.
Texto:Madalena Barbosa