Artigo de Saúde Pública®
Nº 52 / Outubro de 2006
00 IV - Todos os anos, nascem cerca de 500 mil crianças infectadas – Mães podem transmitir VIH aos filhos
Uma mulher portadora do vírus da imunodeficiência humana (VIH), ou que já desenvolveu SIDA deve saber que, se engravidar, a probabilidade de transmitir este vírus ao seu filho é bastante elevada. Apesar de esta forma de transmissão ter diminuído nos últimos tempos, verifica-se ainda que, por ano, nascem cerca de 500 mil crianças infectadas pelo VIH.
A notícia de que se é portador do vírus da imunodeficiência humana (VIH) é, no mínimo, arrasadora, mesmo para aqueles que têm a consciência de que estiveram expostos a comportamentos de risco, como a toxicodependência ou as relações sexuais com várias pessoas. Agora, imagine-se o
quanto pode parecer absurdo para alguém saber que é portador deste vírus, sem nada ter feito para o contrair, sem o ter podido evitar, pois já nasceu infectado pelo VIH ou o adquiriu no aleitamento.
«A transmissão materna é a principal via de contágio do VIH à criança, podendo ocorrer durante a gravidez, trabalho de parto, parto e após o nascimento, através do aleitamento materno.
A evidência da transmissão durante cada um destes períodos foi bem-demonstrada durante anos», assegura o Dr. Lino Rosado, pediatra na Unidade de Imuno-hematologia do Hospital de Dona Estefânia (Lisboa).
Apesar de as probabilidades de transmissão materna do VIH serem elevadas, nem todas as grávidas infectadas transmitem este vírus à criança, havendo factores de risco determinantes, tais como a carga vírica materna, a duração da exposição ao vírus e condições facilitadoras da transferência do vírus da mãe para a criança.
Como explica este especialista, «é possível intervir junto de cada um destes factores de risco», o que possibilitará uma «redução drástica» da transmissão materna do VIH. Até 1993, na Europa, a taxa de transmissão materna variava entre 15 a 20%, nos EUA, entre 15 a 25% e, em África, entre 20 a 35%.
Em finais de século XX, a utilização da terapêutica anti-retrovírica combinada (HAART), também conhecida por terapêutica anti-retrovírica altamente eficaz, na grávida «possibilitou uma redução mais significativa na transmissão».
Cesariana pode reduzir transmissão materna
O parto feito por cesariana, diminuindo a duração da exposição (transfusão materno-fetal durante o parto, contacto directo do feto com secreções e sangue do tracto genital), pode reduzir a transmissão perinatal entre 55 a 80%. «A cesariana deve ser feita antes do trabalho de parto e da ruptura de membranas, pois, se efectuada posteriormente, não tem efeito protector», aconselha o médico, que ressalva:
«É pouco provável que a cesariana ofereça qualquer benefício às crianças filhas de grávidas que receberam terapêutica anti-retrovírica altamente eficaz e que tenham cargas víricas muito baixas ou indetectáveis. Assim, o American College of Obstetricians and Gynecologists recomenda que a cesariana, como intervenção para prevenir a transmissão, deverá ser discutida para grávidas com cargas víricas superiores a 1000 cópias/ml, independentemente de terem recebido terapêutica anti-retrovírica.»
No entanto, dados recentes sugerem um efeito protector da cesariana, mesmo em grávidas com cargas víricas inferiores a 1000 cópias/ml. «O efeito benéfico potencial da cesariana, antes do parto e ruptura de membranas para prevenção da transmissão, deve ser pesado contra os possíveis efeitos nocivos da intervenção cirúrgica para a mãe, criança e obstetra», nota Lino Rosado.
Na Europa Ocidental, onde nasceram durante o ano de 2005 cerca de 200 crianças infectadas, e na América do Norte, com cerca de 400 no mesmo período, «a possibilidade de prevenir na quase totalidade novos casos de infecção pelo VIH-1 através de transmissão materna é uma realidade».
Apesar disso, como refere o pediatra, «todos os anos, cerca de 500 mil crianças continuam a nascer infectadas, em todo o mundo, apesar das estratégias eficazes na prevenção da transmissão materna».
Por isso, «é urgente que as agências internacionais, os líderes políticos e de saúde pública, as organizações não governamentais, as mulheres a as famílias trabalhem colectivamente para que as intervenções de sucesso na prevenção da transmissão materna se tornem uma prática em saúde pública».
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Madalena Barbosa