Artigo de Saúde Pública®
Nº 51 / Setembro de 2006
10 Criopreservação de células estaminais – A vida num cordão
A criopreservação das células estaminais do cordão umbilical é, cada vez mais, uma preocupação dos pais, muito antes do nascimento dos seus filhos.
Como um seguro biológico, estas células podem ser aplicadas em várias áreas terapêuticas, particularmente em doenças do sangue ou lesões da espinal medula.
A barriga ainda não cresceu e o bebé ainda não dá os primeiros pontapés, contudo os pais já pensam na possibilidade de criopreservar as células estaminais do cordão umbilical.
Que o digam José e Margarida Pereira: «Há quatro anos, quando tivemos a nossa primeira filha, gostávamos de ter feito a criopreservação das células estaminais do sangue do cordão umbilical, mas, nessa altura, havia pouca informação disponível e creio que, em Portugal, nem se fazia ainda a
colheita das células durante o parto», diz José Pereira.
Quatro anos depois, e vários passos à frente no que diz respeito aos avanços científicos, nasceu o Miguel, o segundo filho do casal. «Desta vez, não podíamos deixar escapar a possibilidade de aproveitar as células estaminais», continua o pai do bebé.
«Procurámos informação junto da Bioteca, que é o primeiro laboratório de criopreservação em Portugal, avaliámos todas as vantagens e limitações do processo, conversámos com dois casais amigos que criopreservaram as células dos seus filhos e decidimos fazê-lo também», acrescenta.
Segundo o Dr. Alberto Fradique, ginecologista/obstetra do British Hospital, «a grande dúvida dos pais é saber se devem ou não conservar as células estaminais do cordão umbilical. Obviamente que apresento as vantagens e as limitações do processo, mas a decisão só lhes cabe
a eles».
As vantagens apresentadas são, geralmente as opções terapêuticas já descobertas e comprovadas e o facto de as células poderem ser utilizadas por familiares próximos, desde que haja compatibilidade para tal. Quanto às limitações o especialista adianta que «não se pode prometer o que ainda não está comprovado, e neste sentido é importante realçar que, dentro do período do contrato de conservação das células, novas descobertas serão feitas».
Foi precisamente a pensar nos avanços científicos que José e Margarida Pereira optaram pela decisão que têm a certeza de ter sido a mais segura.
«Acreditamos que, no futuro, estas células terãouma maior aplicabilidade e poderão ser úteis para tratar um leque mais vasto de patologias», adianta José Pereira acrescentando que «dentro dos próximos 20 ou 25 anos anos muita coisa
pode acontecer».
Garantia de segurança
De um ponto de vista mais materialista, JoséPereira explica que «se comprar um carro que mecusta uma fortuna e decidir não fazer um segurocontra todos os riscos porque, com algum cuidado, nada de mal irá acontecer, eu corro o risco de, à saída do stand, partir o carro todo e ficar com peso na consciência por ter decidido não fazer o seguro».
Da mesma forma, a criopreservação é encarada pelos pais do Miguel, como um seguro. «Sabemos que o mais provável é não termos que recorrer às células criopreservadas, mas, por outro lado, queremos ter a certeza de que, se for preciso, elas estarão lá», continua.
O processo de criopreservação tem vindo a aumentar em Portugal, à medida que mais informação vai surgindo, no entanto, os custos continuam a ser a barreira apresentada pela maior parte dos casais.
«Penso que todos os pais o devem fazer desde que, em termos económicos, o valor do processo não implique um grande sacrifício. Tudo depende da situação económica de cada um», adianta o ginecologista/obstetra.
Para Alberto Fradique, «tão ou mais importante que pedir esclarecimento sobre os custos do processo, é garantir a segurança de criopreservação durante o período do contrato.
É preciso ter a certeza de que as células continuarão conservadas, independentemente do que acontecer à empresa com quem foi selado o acordo».
Para José e Margarida Pereira vários factores foram avaliados no momento de decidir em que laboratório iriam confiar. «Optámos pela Bioteca pelo facto de ser o primeiro laboratório a fazer criopreservação de células do sangue do cordão umbilical em Portugal, nos laboratórios do Instituto Superior Técnico». Para além disso José Pereira explica que «a Bioteca é também o único laboratório que dispõe de um mecanismo financeiro que garante a segurança das células criopreservadas durante os 20 ou 25 anos de contrato, aconteça o que acontecer».
Supercélulas
Por serem indiferenciadas, as células estaminais têm a capacidade de se «transformarem» em células de qualquer tecido do corpo humano.
No momento do nascimento, essas células já se diferenciaram praticamente todas em órgãos e tecidos, porém, ainda existem células estaminais hematopoiéticas, mesenquimiais e percursoras vasculares endoteliais em circulação na corrente sanguínea que circula entre a placenta e o recém-nascido.
Quando a criança nasce e o cordão umbilical é cortado, estas células são, normalmente descartadas, em conjunto com a placenta, apesar do seu potencial proliferativo e regenerativo.
Nas últimas décadas vários estudos têm vindo a revelar o poder terapêutico destas células e a importância de recuperá-las, no momento do parto. Actualmente as células estaminais presentes na medula óssea e no cordão umbilical são as que apresentam maior aplicabilidade terapêutica, sendo que as células do cordão umbilical beneficiam de algumas vantagens em relação às da medula óssea. A sua recolha não envolve nenhum tipo de risco nem para a mãe nem para o bebé, o risco de infecção é menor dado que provém de um recém-nascido, as células ainda se encontram num estado imaturo e mostram maior flexibilidade em termos de compatibilidade, aumentando, desta forma, o número de potenciais receptores.
Simples e indolor
«A colheita é um processo simples que não envolve qualquer complicação para a mãe ou para o bebé», assegura Alberto Fradique.
O procedimento de recolha do sangue fica a cargo do médico obstetra, que deve ser informado pelos pais com a devida antecedência. Na altura do nascimento, antes da expulsão da placenta, deve-se garrotar o cordão umbilical
com dois ganchos, o mais próximo possível do abdómen do bebé, cortando-se então o cordão entre os ganchos.
«O cordão deve ser bem desinfectado, especialmente na zona onde a agulha será espetada. A colheita do sangue é feita por gravidade com a placenta ainda inserida no útero», afirma o especialista.
O sangue entra, de imediato, para o saco de recolha que contém o anticoagulante. «Depois de colhido o sangue, o saco é devolvido aos pais para seguir de imediato, para
o laboratório. Não há necessidade de refrigerar o sangue, pelo contrário, deverá ser mantido à temperatura ambiente, à qual se conserva perfeitamente durante, pelo menos 48 horas», continua Alberto Fradique.
A grande maioria dos partos permite a colheita do sangue do cordão umbilical, contudo, o especialista adianta que «em partos complicados onde possa estar em risco a vida da mãe ou do filho, a prioridade passa por dar assistência a
ambos. Nesses casos raros, a colheita pode ficar para segundo plano» conclui o ginecologista/obstetra.