A epidemiologia dos AVC em Portugal – Dr. Manuel Correia
A epidemiologia define-se como o estudo da distribuição
das doenças (ou de factores relacionados com
a saúde) em populações e a aplicação desse conhecimento
na resolução de problemas da saúde; baseia-se
no princípio simples de que as doenças não ocorrem
ao acaso, mas obedecem a padrões que reflectem as
causas que as originaram.
O alvo da epidemiologia não é apenas a doença, mas também a saúde e a forma de a promover; assim, para além de se procurarem as causas da doença, determina-se a história natural, descreve-se o estado de saúde das populações e avalia-se a eficácia de intervenções.
Em particular, no que se refere aos acidentes vasculares cerebrais (AVC), pode ser medida a importância destes para a Sociedade e para o indivíduo de diversas formas:
1) determinar a taxa de mortalidade,
2) avaliar os internamentos hospitalares (ou os custos hospitalares atribuíveis aos doentes com AVC),
3) medir a prevalência,
4) determinar a incidência de AVC, e
5) o prognóstico, nomeadamente a proporção de doentes incapacitados.
A utilização de cada um destes meios depende dos objectivos
para os quais se pretende a informação. Em qualquer circunstância para planear e tratar é fundamental conhecer e para isso é preciso medir.
Os AVC foram responsáveis, em 1990, por 4,4 milhões de mortes em todo o mundo. Portugal é, de entre os países da Europa Ocidental, aquele com a mais elevada taxa de mortalidade* (para homens 129 mortes por 100.000
habitantes e para mulheres 107 mortes por 100.000 habitantes); por exemplo, em França, no mesmo ano, os respectivos valores foram de 37/100.000 e de 30/100.000, ou seja, cerca de um quarto.
Como se verifica, a taxa de mortalidade por AVC não é uniforme entre países, sendo essa mortalidade particularmente elevada em Portugal para a população com menos de 65 anos de idade, o que já levou à realização de um estudo nacional de base hospitalar tendo como objecto os doentes com AVC nessa faixa etária.
A taxa de mortalidade também não é uniforme nas diferentes regiões do País, como por exemplo, no ano de 1999, no distrito de Vila Real em que foi de 208/100.000
para homens e de 137/100.000 para mulheres e no distrito de Portalegre de 140/100.000 é de 129/100.000, respectivamente, para homens e mulheres.**
Temos já em Portugal informação que nos permite conhecer o AVC em diversos aspectos e em diferentes regiões.
No concelho de Coimbra, no ano de 1992, um estudo realizado na população com idade igual ou superior a 50 anos revelou uma prevalência de AVC de 8% (10,2% nos homens e 6,6% nas mulheres); destes doentes, 32% apresentavam uma incapacidade moderada e 19% uma incapacidade grave ou dependência total.
A incidência anual de AVC foi também já estudada
em diversas regiões de Portugal Continental; no
concelho de Torres Vedras, a incidência anual de AVC por
1000 habitantes foi de 2,40, na cidade do Porto de 2,69 e
em Trás-os-Montes de 3,05.
A letalidade (aqueles em que o AVC leva à morte) aos
28 dias, nos estudos realizados em cada um dos locais, foi, respectivamente, de 27,6%, 16,9% e 14,6%.
É possível comparar os valores de incidência anual de AVC em Portugal com os de outros países; imagina-se que em cada um deles a população, na sua estrutura etária e sexo, é a mesma, usando-se para isso populações fictícias, como a “População Padrão Europeia” (método a que se dá o nome de padronização).
Considerando esta população padrão, a incidência anual de AVC por 1000 habitantes na cidade do Porto é de 1,73 e em Trás-os-Montes de 2,02, valores dos mais elevados entre os países Europeus; como exemplos, na Alemanha a incidência é de 1,34 e em Itália 1,36.
Os acidentes isquémicos transitórios (AIT) são uma outra forma de manifestação de acidentes vasculares, em que os sintomas perduram pouco tempo (segundos, minutos ou horas). No entanto, os doentes que os sofrem têm um risco muito elevado de virem a ter um AVC grave nas primeiras horas ou dias. A incidência anual de AIT é também muito elevada em Portugal com valores de 0,67 por 1000 habitantes.
Tendo como base os valores de incidência na região norte de Portugal, pode-se esperar que nesta região ocorram por ano 15.400 novos doentes com AVC (dois por hora) e que destes 4500 tenham falecido ao fim de um ano.
Há, actualmente, informação sobre os acidentes vasculares cerebrais na população portuguesa, o que não é comum para muitas outras entidades médicas (e não médicas), e conhecem-se as consequências dessa doença. No momento de novos (e de antigos) tratamentos é urgente planear cuidados, prevenir, tratar, informar e formar… também médicos e técnicos de saúde. É, entre outras, uma das razões pelas quais a informação sobre AVC na população foi registada, e transformada em conhecimento epidemiológico.
* Padronizada para a População Padrão
Mundial da Organização Mundial da Saúde.
** Padronizada para a População Padrão Europeia.
Dr. Manuel Correia
Serviço de Neurologia Hospital Geral de Santo António
[email protected]
Em colaboração com Farmalux, Grupo Tecnifar