Prevenir fracturas osteoporóticas – uma realidade actual com um futuro (mais) promissor? – Dr. José Carlos Romeu
Dr. José Carlos Romeu
Reumatologista, Serviço de Reumatologia e Doenças Ósseas Metabólicas do Hospital de Santa Maria
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A osteoporose, a doença óssea mais comum, caracteriza-se por um osso mais frágil, mais susceptível de fracturar.
Embora escassos, dispomos de dados nacionais que apontam para uma incidência entre 128 e 297 fracturas da anca por ano em cada 100.000 mulheres, e entre 81 e 136 fracturas da anca por ano em cada 100.000 homens. Em 2002 registaram-se cerca de 8500 fracturas da anca com um custo superior a 50 milhões de euros. Estima-se que o aumento anual de fracturas da anca é de 4 a 5%.
A demonstração da eficácia da terapêutica da osteoporose, entendida como capacidade para prevenir a fractura osteoporótica, foi um avanço inquestionável na área da Medicina da última década. Precedendo esse avanço, também se desenvolvera e se tornara acessível à prática clínica a densitometria óssea, método de medição da densidade mineral óssea que permite diagnosticar a osteoporose antes da ocorrência de fracturas e constituindo um instrumento fundamental na avaliação do risco de fractura e para a decisão de tratar.
A este avanço corresponde, contudo, a realidade dos números, como os verificados num estudo recente sobre doentes (com uma média de idades de 80,1±10,4 anos nas mulheres e de 74,7 ± 14,2 nos homens) com fracturas osteoporóticas da anca internados durante 2003 num serviço de Ortopedia de um Hospital Universitário de Lisboa.
De acordo com os resultados deste estudo, verificou-se que apenas 2,9% dos doentes estavam medicados para a osteoporose à data da fractura e apenas 4,5% foram medicados nesse sentido aquando da alta hospitalar!
Números em contradição com os de um outro estudo, que regista que, em mulheres com mais de 50 anos (com uma média de idades de 57,3 ± 7,2 anos), 98% tinham ouvido falar em osteoporose, e se apenas 26% tinham consultado o médico sobre o assunto, 55% tinham efectuado pelo menos uma densitometria óssea e 22% tinham sido medicadas para a osteoporose.
Temos uma realidade em que, sendo possível identificar aqueles que (mais) podem beneficiar com a intervenção terapêutica e em que esta demonstrou inequivocamente ser eficaz, poderemos estar a «tratar» quem não precisa e a não tratar quem precisa.
Actualmente dispomos de um conjunto de fármacos que demonstraram, em estudos de rigor inquestionável, reduzir o risco da fractura osteoporótica para cerca de metade (valor médio, dependendo do fármaco, do local da fractura e da população em estudo).
Poder-se-á perguntar que terapêutica para reduzir o colesterol ou para controlar a hipertensão arterial demonstrou de forma inequívoca reduzir o risco de enfarte do miocárdio ou de acidente vascular cerebral em metade dos doentes? Registe-se que os dados mais optimistas com estas terapêuticas ficam por reduções da ordem de 1/4 a 1/3 dos acidentes coronários ou cerebrovasculares.
Satisfeitos com este «sucesso relativo»?
A evidência científica da eficácia das terapêuticas resulta de estudos em que, inerente à própria condição de experimentação clínica e à ética, mas também à necessidade de potenciar a possibilidade de resultados positivos, com reflexo nos critérios de selecção dos doentes e no seu apertado acompanhamento, com optimização da aderência do doente ao estudo ao longo da sua duração,
não reflectem a realidade da prática clínica.
Nesta, ao contrário do que acontece nos estudos, não
dispomos de «superdoentes», cuidadosamente estudados no sentido de garantir, por um lado, que a sua inclusão no estudo não constitua um risco para o próprio doente e, por outro, excluindo-se aqueles que possam não contribuir para resultados esperados, quer por menor risco do acontecimento em estudo (no caso, fractura), quer por maior probabilidade de abandono antes da conclusão do estudo.
Na prática clínica não dispomos também, como nos ensaios clínicos, dos processos e dos recursos que permitem, a par de vigilância apertada dos efeitos dos fármacos ainda em investigação, de uma maior adesão do doente ao tratamento.
Como resultado, na prática clínica, tratamos, em oposição aos «superdoentes» dos estudos, doentes «comuns», com as suas muitas outras doenças, polimedicados, com, para além de uma eventual contra-indicação para um ou outro fármaco, maior propensão para desenvolverem efeitos adversos ou intolerância ao prescrito e sem a possibilidade de reproduzir as mesmas condições de acompanhamento observadas no decurso dos estudos clínicos, com óbvias implicações na (não) adesão necessária à eficácia da terapêutica.
Deste modo, a realidade é que há doentes que, por contra-indicação, intolerância ou não adesão, não podem ser tratados com os fármacos actuais mais eficazes, e outros, reflectindo o facto da terapêutica reduzir mas não anular o risco, mesmo medicados adequadamente, sofrem fracturas, ainda que não se possa afirmar seguramente que estes últimos não teriam tido fracturas mais cedo ou mais fracturas se não estivessem sob terapêutica.
Maior eficácia, segurança e tolerabilidade, permitindo assim uma maior eficiência do tratamento, são objectivos que orientam a investigação de novos medicamentos no tratamento da osteoporose.
Assim, para um futuro mais promissor do que a realidade actual na prevenção das fracturas osteoporóticas, há que construir um «instrumento», de fácil utilização e validado na população a aplicar, que permita estabelecer, de acordo com o risco absoluto de fractura, quem precisa de ser tratado e, ao arsenal terapêutico actual, há que acrescentar fármacos que, pelas suas características, permitam uma mais efectiva eficácia do tratamento.