I Sociedade Portuguesa de Aterosclerose: um espaço aberto, um espaço público – Dr. Pedro Marques da Silva
Dr. Pedro Marques da Silva
Presidente da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose
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«There is no good theory of disease which does not at once suggest a cure.» Ralph Waldo Emerson (1803–1882)
Os números falam por si. Mais de 50% da morbilidade e da mortalidade cardiovascular – que, em todas as suas formas, são responsáveis por 12 milhões de mortes anuais – podem ser prevenidas pela aplicação de um conjunto efectivo de medidas gerais de prevenção e de actos terapêuticos individuais capazes de promover o controlo e o tratamento da hipertensão arterial, das dislipidemias, da obesidade e dos hábitos tabágicos.
Cerca de dois terços dos acidentes cerebrovasculares e quase metade dos enfartes do miocárdio parecem estar relacionados com valores da pressão de arterial sistólica superiores a 115 mmHg; 18% dos episódios isquémicos cerebrais e 55% dos acidentes coronários resultam de concentrações plasmáticas de colesterol total superiores a 140 mg/dl.
Dito de outra forma, no mundo, a hipertensão arterial é a causa de 7,1 milhões de mortes, cerca de 13% de todas as causas de mortalidade global, e a hipercolesterolemia – ou outra qualquer forma de alteração dos lípidos favorecedora de aterosclerose – é responsável por cerca 4,4 milhões de mortes (7,9% da mortalidade total) e por 40,4 milhões de invalidez por anos/vida.
Números. Mas, que nos fazem pensar, que, de uma forma ou de outra, se repercutem nas taxas de mortalidade por doenças do aparelho circulatório em Portugal (segunda causa de morte no grupo etário dos 45-64 anos, com valores de 223,9 por 100.000 habitantes nos homens e 98,5 nas mulheres).
A sua elevada prevalência, o carácter diverso dos factores de risco em presença e os aspectos diferenciais socioculturais de uma sociedade em mudança justificam o carácter reiterado da morbi-mortalidade cerebrovascular e cardíaca que continuam a ser a terceira e a quarta causas de anos potenciais de vida perdidos e um desafio em Saúde que urge resolver.
O médico tem uma palavra no muito que há a fazer.
Mais do que ter a palavra tem a acção. O gesto que nasce do seu doente – em risco vascular, elemento central de qualquer abordagem, diagnóstica ou terapêutica, em dislipidemias ou em aterosclerose – e que se prolonga na informação – concisa, ajustada e relevante – que lhe é dada.
Descortinar os problemas, as idiossincrasias, os comportamentos, os hábitos e as crenças é já uma forma de afirmar o que tem de ser feito para estimular a adesão ao tratamento e de prolongar o próprio acto médico. Este encerra em si mesmo a destreza de comunicar, de comunicar o risco: sem ruídos, com confiança e com empatia.
O médico, os profissionais de Saúde, o cidadão saudável, o indivíduo em risco vascular, todos são elementos fulcrais do tão desejado Programa Nacional de Prevenção das Doenças Cardiovasculares.
Nele participarão – desejavelmente, de forma activa – nos instrumentos orientadores, normativos e técnicos que darão sentido a uma estratégia concertada de identificação e controlo dos principais factores de risco cardiovasculares e nas estruturas organizativas que tornarão efectivo e adequado o tratamento dos doentes (e da doença aterosclerótica).
E, se o Médico precisa de Saber e de Convicção, o cidadão – o utente e o doente – tem de reconhecer a importância do seu papel na Promoção da Saúde (da sua Saúde) as virtudes da modificação de estilos de vida e a eficácia dos tratamentos que lhe são propostos, de modo a partilhar, com a equipa de saúde, objectivos e a sentir que, com ela, comunga interesses e proposições.
Reconhecer e compartilhar Recomendações e Consensos, adjudicar os objectivos propostos, e a que se propôs, são tantas outras formas de tornar mais efectiva a prática médica.
Analisar e discutir a estratégia mais congruente, cotejar e peneirar a decisão tomada, com a melhor evidência científica disponível, e adequar estes conhecimentos à experiência clínica e às expectativas e desejos do doente são tantos outros passos para a efectivação do tratamento.
Os técnicos de Saúde têm que inscrever, nas suas preocupações, a prevenção cardiovascular – no presente e no futuro dos seus ditames, das suas inspirações.
Inscrever significa tornar presente, verter real, transformar em vida. No dizer de José Gil: «É no real que um acto se inscreve porque abre o real a outro real. (...). Por isso a inscrição faz o presente, um presente sentido, não situado no tempo cronológico, que dá sentido à existência individual ou à vida colectiva de um povo». Eu diria que dá sentido ao comportamento de cada um como membro activo de um colectivo, a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose.
Desejo, pois, em meu nome pessoal e em nome da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, que esta Sociedade seja um espaço de expressão, de debate livre de ideias e pressupostos. Não nos queremos reclusos, fechados aos outros – às outras sociedades científicas congéneres e à sociedade em geral – porque inacessíveis extinguimo-nos, porque ignorados inscrevemos em nós uma outra forma de morrer.
A Sociedade Portuguesa de Aterosclerose não quer fazer o seu discurso e contemplar o seu metadiscurso. Não se quer enredada em circuitos de pensamentos redundantes e, consequentemente, anquilosantes. Não somos a Sociedade dos Lípidos ou de qualquer outra temática particular ou particularizada – por mais importante que possa ser em Medicina Cardiovascular. Não queremos ser da Nutrição, da Dieta ou do Exercício Físico.
Queremos ser um espaço aberto, um espaço público – com tudo o que isso determina e obriga – aberto ao sujeito, individual ou colectivo, que nela se insinua e que com ela convive.
Queremos ser um espaço de prevenção, que é uma outra forma de dizer intervenção. Reconhecer um doente em risco vascular, avaliar precocemente a doença aterotrombótica e definir oportunamente um plano de intervenção é, antes de mais, um forte apelo à acção. Juntos, vai valer a pena fazer da Prevenção Cardiovascular um desiderato alcançável na saúde dos portugueses.