Artigo de Saúde Pública®
Nº 47 / Abril de 2006
15 O médico de família e a diabetes – Dr.ª Rosa Gallego
Dr.ª Rosa Gallego
Médica de Família no Centro de Saúde de Vila Franca de Xira
Coordenadora do Grupo de Estudos da Diabetes na Associação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral
A diabetes, síndrome multifactorial de predisposição genética, com alguns factores de risco desencadeantes e agravantes é uma situação paradigmática da actuação do MGF, na perspectiva de situação específica complexa que interage com o indivíduo e família.
Situação de tratamento complexo envolvendo muitos factores, a diabetes está associada a uma maior incidência nas classes sociais mais desfavorecidas e no grupos etário com mais idade, onde a co-morbilidade e dependência são frequentes –, pode tornar-se frustrante para técnicos e profissionais nas diferentes fases da sua evolução.
A detecção de pessoas em risco (história familiar, idade superior a 45 anos) e com factores de risco associados modificáveis (hipertensão, dislipidemia, tabagismo, obesidade, sedentarismo) permite uma intervenção atempada, no indivíduo e família, para a prevenção da diabetes, sua detecção precoce e tratamento intensivo, cooperando sempre na motivação continuada da adesão ao tratamento.
Hoje em dia e, segundo as normas da Organização Mundial de Saúde (OMS), seguidas pela Direcção-Geral da Saúde, detecta-se a diabetes através da determinação oportunística no sangue da glicemia de jejum nos grupos de pessoas em risco ou, em casos mais raros, em indivíduos com sintomas suspeitos (por exemplo, cansaço, emagrecimento súbito em pouco tempo, sede mais intensa e urina mais abundante).
A diabetes, em particular a tipo 2, situação mais vulgar nos adultos, sobretudo com excesso de peso, mas que hoje em dia se pode encontrar em crianças e adolescentes ligada ao sedentarismo e à obesidade, está a tornar-se uma pandemia crescente, com enormes repercussões na saúde e qualidade de vida dos que dela sofrem.
As complicações microvasculares da diabetes (por exemplo, retinopatia, neuropatia e insuficiência renal) aumentam com o tempo de doença, o que significa que, quanto mais cedo surgir a doença, maior a probabilidade de desenvolvê-las, e a sombra da incapacidade surge cada vez mais cedo e em maior número de pessoas.
O médico de família e a sua equipa alerta, trata e promove a educação terapêutica necessária, acompanhando as flutuações da motivação, apoiando nos momentos em que decisões devem ser alteradas e ajuda a autonomia progressiva da pessoa com diabetes fornecendo o conhecimento e treino de aptidões necessárias ao autocontrolo.
A batalha contra a pandemia é tratada com a MGF, mas não apenas. A sociedade civil deveria encarar o perigo real das situações resultantes das alterações dos estilos de vida. A batalha estará perdida se se contar apenas com os profissionais de saúde, sem serem envolvidos todos os intervenientes.
As acções sobre alimentação e a educação sobre saúde nas escolas, no trabalho e nos lares pode contar com a MGF, mas a nossa acção é sobretudo a de reforçar os comportamentos positivos e tentar motivar à redução dos negativos nos nossos utentes em risco.
E tratar, explicando sempre porquê e para quê aos que sofrem já da doença, atrasando a sua progressão, mas citando os nossos mestres: «quem trata o doente é ele próprio».
De referir que esta citação não coloca juízo de valor sobre a responsabilidade do doente no tratamento, mas sim de que sem ele pouco se pode fazer a médio e longo prazo, apesar dos avanços terapêuticos actuais.
A forma como cada pessoa encara a situação nos vários momentos da vida determina como se vai tratar. A forma como o médico de família percebe essa relação determina a efectividade da sua intervenção.
A doença cardiovascular é frequente neste tipo de doentes. O MGF, ao detectar e tratar factores de risco concomitantes na pessoa com diabetes, está a prevenir as complicações crónicas macrovasculares (por exemplo, enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral, amputações dos membros inferiores) onerosas para o doente e sociedade.
A acção dos MGF é sobretudo notória nos cuidados continuados a estes doentes, alguns já sem poder recorrer a centros especializados, apesar das complicações e por causa delas muitas vezes, pela sua actuação mais próxima.
Apesar de menores recursos «o engenho e a arte»
permitem a prestação de cuidados de qualidade quando o profissionalismo se associa e os cuidados paliativos no final de vida passam quase sempre pela MGF.
Desde 1991 que a MGF se tem interessado por esta situação criando grupos de estudo, gerando recomendações de orientação técnica adaptadas à MGF e redes de apoio de colegas que se tornam promotores de actualização de saberes e mantendo as parcerias necessárias entre os demais elementos da equipa profissional.