III – Doença de Alzheimer identificada há 100 anos – Prof. Doutor Freire Gonçalves
Prof. Doutor Freire Gonçalves
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia
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Há 100 anos, o neuropsiquiatra Alois Alzheimer, ao apresentar os resultados do estudo anatomopatológico do cérebro de uma doente com uma forma particular de demência, chamou a atenção para a presença de placas senis e tranças neurofibrilhares nas preparações histológicas. Estas alterações são características da doença e sustentam, ainda hoje, o seu diagnóstico definitivo.
A importância da descoberta de Alois Alzheimer foi rapidamente reconhecida pela comunidade científica e levou a que fosse atribuída a designação de doença de Alzheimer (DA) a esta afecção. A DA é a forma mais comum de demência, atingindo fundamentalmente a população idosa, com uma prevalência que duplica a cada cinco anos após a idade de 65 anos.
A perda de memória para factos recentes é, habitualmente, a sua primeira manifestação. Tudo começa por pequenos esquecimentos que podem levar a atitudes diferentes por parte de quem os sofre ou os observa: ou não são valorizados porque as alterações da memória são frequentes no idoso, ou levam a procurar apoio médico pelo receio de corresponderem a um quadro demencial.
Com testes neuropsicológicos apropriados é possível fazer o diagnóstico diferencial entre as duas situações e, no limite, identificar casos de defeito cognitivo ligeiro em que há um défice isolado da memória sem compromisso de outras capacidades intelectuais.
O defeito cognitivo ligeiro pode indiciar uma situação de pré-demência, uma vez que 12 a 15 por cento dos casos evoluem, a cada ano que passa sobre o seu diagnóstico, para DA. Compreende-se, assim, a importância da sua identificação precoce, de modo a permitir adoptar medidas que possam prevenir algumas manifestações da doença ou atenuar os seus efeitos.
Com o decorrer dos anos, aos défices mnésicos vêm juntar-se outras alterações das funções cognitivas, nomeadamente, da linguagem, cálculo, orientação pessoal e temporo-espacial, que vão comprometer a autonomia dos doentes.
A acompanhá-las surgem também manifestações psiquiátricas (ansiedade, depressão, sintomas psicóticos) e distúrbios do comportamento (apatia, agressividade, agitação, desinibição) que ensombram ainda mais o dia-a-dia dos doentes. Assiste-se, deste modo, ao progressivo declínio das funções mentais, arrastando consigo o empobrecimento de todas as faculdades e levando o doente a alhear-se de si e do mundo.
A investigação molecular desta doença tem possibilitado uma melhor compreensão dos seus mecanismos. Anomalias no processo de síntese ou no metabolismo de algumas proteínas levam à produção de proteínas anormais que vão acumular-se no interior das células nervosas, sob a forma de corpos de inclusão, e no espaço extracelular, formando depósitos de substância amilóide.
Numa pequena percentagem de doentes foram identificados alguns genes responsáveis por essas alterações, mas na grande maioria desconhecem-se os factores que as desencadeiam. Estas modificações têm consequências devastadoras para as células nervosas cuja falência leva à diminuição da produção de neurotransmissores, processo que atinge, sobretudo, as células colinérgicas ligadas aos processos de memorização. O conhecimento destes mecanismos veio abrir novas perspectivas no tratamento da doença, infelizmente ainda insuficiente para possibilitar a sua cura.
Como não existem medicamentos que travem a progressão das alterações degenerativas, as terapêuticas actuais visam aliviar os sintomas apresentados pelos doentes. Alguns fármacos procuram compensar a diminuição de neurotransmissores que é secundária à degenerescência e morte dos neurónios. Outros vão corrigir as manifestações psiquiátricas e as alterações do comportamento que surgem no decurso da doença.
Muito importante é o apoio aos doentes com programas adequados de reabilitação cognitiva que melhoram a sua interacção com o meio. O papel do cuidador, familiar ou outro, criando um ambiente calmo à sua volta e ajudando o doente a ultrapassar as suas dificuldades diárias, é decisivo.
Importante, também, é o suporte dado pelas associações de familiares e amigos de doentes, como é o caso da APFADA (www.alzheimerportugal.org), quer no apoio, assistência técnica, informação e formação dos cuidadores, quer na defesa dos direitos dos doentes e sensibilização da sociedade civil e das autoridades para os seus problemas.