Artigo de Saúde Pública®
Nº 44 / Janeiro de 2006
00 II – Entre 15 a 20 mil portugueses sofrem de doença de Parkinson. A patologia, identificada em 1817, foi descrita como uma «paralisia agitante».
A patologia, identificada em 1817, foi descrita como uma «paralisia agitante»
Tremor, falta de expressão facial, diminuição do pestanejo, olhar fixo, salivação excessiva e lentidão nos movimentos são alguns dos mais severos sintomas da doença de Parkinson. Lenta, progressiva e sem causa conhecida, a doença degenerativa do sistema nervoso afecta igualmente homens e mulheres, geralmente depois dos 60 anos.
James Parkinson, médico e paleontólogo inglês, descreveu em 1817 os sinais clínicos da doença que se tornou conhecida pelo seu nome.
«Chamou-lhe “paralisia agitante”, o que já traduz a clínica destes doentes: em simultâneo encerrados numa enorme dificuldade de mobilização e agitados pela existência de tremor», explica a Dr.ª Cristina Januário, neurologista dos Hospitais da Universidade de Coimbra e presidente da Secção de Doenças do Movimento da Sociedade Portuguesa de Neurologia.
«Os seis doentes da descrição inicial de James Parkinson apresentavam um tremor de repouso nos membros, movimentos lentificados e o tronco flectido, com tendência a projectar-se para a frente. Estes são alguns dos sintomas que, ainda hoje, nos permitem reconhecer a doença de Parkinson», continua a especialista.
A estes sintomas acrescentam-se ainda a rigidez dos membros e do tronco, além de alterações na manutenção da postura e do equilíbrio. Segundo a neurologista, «quando pelo menos dois destes sintomas estão presentes e, sobretudo, se são mais evidentes num dos lados do corpo, o diagnóstico de doença de Parkinson é colocado».
Rosto inexpressivo, ausência de mímica facial e de pestanejo «conferindo-lhes a frieza de um jogador de poker, que dificilmente extravasa qualquer emoção», perda de volume da voz, salivação excessiva, sono fragmentado, dificuldades na micção, prisão de ventre, disfunção sexual são também sinais desta doença devastadora, crónica e progressiva.
Causas desconhecidas
Trata-se de uma doença frequente, que atinge igualmente homens e mulheres, na maior parte dos casos com idade superior a 60 anos.
«Acima dessa idade, afecta uma em cada cem pessoas. E, apesar de ser uma doença relacionada com o envelhecimento, em cerca de 15% dos doentes os sintomas iniciam-se antes dos 40 anos», adianta Cristina Januário.
Não se sabe exactamente quantos portugueses sofrem de doença de Parkinson. Calcula-se, porém, que existam 15 a 20 mil doentes, muitos ainda não diagnosticados e, por conseguinte, sem receber qualquer acompanhamento médico ou terapêutica específica.
Também não se sabe exactamente que factores (ligados aos genes do indivíduo e ao ambiente) estarão na origem da patologia. Sabe-se apenas que, «por motivos não totalmente esclarecidos, grupos de neurónios específicos entram em degenerescência e morrem».
É também conhecido que «estes neurónios se localizam na substância nigra (na profundidade do cérebro) e produzem um neurotransmissor, ou seja, um mensageiro químico fundamental em muitos processos da actividade cerebral, a dopamina», acrescenta a neurologista.
Cabe à dopamina controlar a actividade motora e regular as vias ligadas à emoção e a processos de aprendizagem. Não são conhecidas as causas que tornam estes grupos neuronais tão vulneráveis, nem como travar o curso da sua morte. «Quando os primeiros sintomas surgem, já morreram dois terços das células dopaminérgicas.»
Vários estudos e investigações têm sido levados a cabo no sentido de proteger estas células. Contudo, a sua aplicação não tem demonstrado grande sucesso.
«Enquanto não é possível travar o curso da doença, parece lógico que o tratamento seja fornecer da substância em falta. Na prática, funciona como um seu percursor: a levedopa é um aminoácido capaz de entrar no cérebro e de aí se converter em dopamina», explica a neurologista de Coimbra, acrescentando:
«Usam-se também substâncias que mimetizam ou imitam a acção da levedopa. Estes tratamentos são muito eficazes, mas com o avançar da doença perdem a eficácia, dando lugar a indesejáveis efeitos adversos que comprometem a sua utilização.»
É a partir desta fase que os doentes necessitam de ajustes frequentes no que diz respeito ao fraccionamento das doses e à associação com outros fármacos. A terapêutica é sempre individual, dependendo do estado de evolução de cada doente.
«Futuro promissor»
Se até aqui nenhuma investigação conseguiu obter resultados terapêuticos satisfatórios, a esperança reside agora nos estudos com células estaminais. Trata-se de células embrionárias indiferenciadas e com a capacidade de se reproduzir em qualquer tecido de qualquer órgão do corpo humano, podendo adquirir as características desse tecido para onde são transplantadas.
«Quando colocadas no “nicho” onde outras morreram, como na substância nigra, vão diferenciar-se em células dopaminérgicas e, assim, desempenhar o papel das células em falta produzindo dopamina», diz Cristina Januário.
A especialista adianta ainda que «esta é a esperança para muitas doenças degenerativas», o que a leva a acreditar que «o futuro é, pois, muito promissor».