Artigo de Saúde Pública®
Nº 37 / Setembro de 2005
00 2E – Um em cada três enfartes origina insuficiência cardíaca
O enfarte do miocárdio é uma situação silenciosa que ataca quando menos se espera.
DADOS DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE CARDIOLOGIA MOSTRAM:
Um em cada três enfartes origina insuficiência cardíaca
O enfarte do miocárdio é uma situação silenciosa que ataca quando menos se espera. As consequências são fatais ou permanentes, resultando na morte ou numa substancial redução da qualidade de vida.
Uma qualquer alteração no normal funcionamento do batimento cardíaco é sempre, no mínimo, motivo de preocupação acrescida. De entre alguns perigos à espreita, o enfarte do miocárdio, além das consequências directas mortais que pode acarretar, provoca alterações complexas na qualidade de vida.
Segundo o Dr. Jorge Ferreira, cardiologista e responsável pela Unidade Coronária do Hospital de Santa Cruz, um enfarte é um assunto sério, pois, «um em cada três doentes que tiveram um enfarte do miocárdio apresenta um quadro de insuficiência cardíaca em que o coração não bombeia sangue suficiente e a mortalidade hospitalar varia entre seis a 10 vezes mais do que em doentes sem este quadro clínico».
Mas, afinal, o que é um enfarte do miocárdio? Ouvimos falar, sabemos que é mau, sabemos que as consequências são normalmente fatais, mas, em termos práticos, de onde vem e como se processa um enfarte do miocárdio?
«O enfarte é a morte, a necrose, como se diz em termos médicos, de uma área do músculo cardíaco que se designa por miocárdio, em consequência de uma obstrução de uma artéria coronária. A artéria entope, levando a que fique comprometida a irrigação do músculo cardíaco, causando a morte dessa parte do músculo», esclarece o especialista.
«A consequência imediata, nos primeiros 30 minutos, dessa má irrigação é uma situação designada de isquemia, que é o sofrimento do músculo por insuficiente irrigação sanguínea.
Depois desse período, começa a evoluir para a lesão do músculo e, posteriormente, para o enfarte. O músculo que se vê privado da sua irrigação tem alterações funcionais, tais como a mudança do ritmo cardíaco, ou pode dar-se o caso de uma fibrilhação ventricular que é fatal se a pessoa não for tratada nos quatro minutos seguintes através de um processo designado de desfibrilhação», esclarece Jorge Ferreira.
«Outra consequência é que esse músculo deixa de contrair, deixa de bombear, o que diminuirá a capacidade do coração de fornecer sangue, causando a insuficiência cardíaca, ou então entra em choque cardiogénico, com a pressão arterial a baixar de tal maneira que se torna potencialmente fatal», refere o cardiologista.
Há duas formas de encarar os enfartes do miocárdio, bem como a maioria das doenças cardiovasculares. Ou se intervém na área da prevenção ou na do tratamento. Em termos de prevenção, «está tudo muito bem estudado em relação ao que se deve fazer. A doença que leva ao enfarte está designada como doença aterosclerótica ou aterotrombótica, que consiste em placas de colesterol que se desenvolvem nas paredes das artérias coronárias».
No que respeita à problemática dos enfartes do miocárdio, segundo o cardiologista, «há quatro principais factores de risco, que são a hipertensão arterial, os níveis elevados de colesterol, a diabetes e o consumo de tabaco. Para além disso, temos de ver, também, a intensidade destes factores, isto é, apresentar 200/110 de tensão não é o mesmo que ficar apenas pelos 160/90, ter o colesterol a 350 é bastante diferente de o ter a 250, a diabetes estar controlada ou descontrolada não é a mesma coisa, todas esses factores podem fazer a diferença. De acordo com os factores de risco, bem como com a sua intensidade, esse risco será, portanto, maior ou menor».
No entanto, «para além destas quatro variáveis, há outros factores, como a idade, a história familiar de doença coronária, principalmente se ela aparece muito precocemente nos pais, nos homens abaixo dos 45 anos e nas mulheres com menos de 55, a obesidade, que predispõe para o aparecimento da hipertensão arterial, o colesterol, etc. Se controlarmos esses factores de risco, diminuímos a probabilidade de aparecimento de um enfarte», esclarece José Ferreira.
Contudo, nem sempre a prevenção tem os resultados desejados e os enfartes, lamentavelmente, acabam por acontecer. Quando tal sucede, é preciso adoptar um conjunto de acções de tratamento para tentar garantir, em primeiro lugar, a sobrevivência e, posteriormente, a melhor qualidade de vida possível às vítimas de tal condição.
Assim, e segundo Jorge Ferreira, «em relação ao tratamento, o que primeiro se faz é tentar abrir a artéria entupida e que está a causar aquele enfarte. Habitualmente, a margem para esse tratamento é de 12 horas, desde o início dos sintomas. A sua eficácia é tanto maior quanto mais cedo se começa a intervenção. Se conseguirmos abrir a artéria na primeira hora do aparecimento dos sintomas, aí o doente tem o benefício máximo do tratamento».
O problema maior prende-se com o facto de ser um período muito curto para a primeira intervenção, o que faz com que, «infelizmente, grande parte dos doentes com enfarte são tratados depois dessas primeiras 12 horas de sintomas, fazendo com que se vá estabelecer uma área de necrose bastante grande, o que causa a dilatação do coração, tornando-o insuficiente e originando as manifestações de insuficiência cardíaca. Isto constitui uma complicação muito grave. Ter um enfarte do miocárdio vai ter consequências fatais ou de morbilidade bastante complexas».
Além da intervenção cirúrgica, os desenvolvimentos da farmacologia permitem disponibilizar alguns medicamentos que ajudam nestas e noutras situações.
Neste caso, e de acordo com Jorge Ferreira, «na década passada, alguns estudos mostraram que os IECA, que são inibidores da enzima conversora da angiotensina, são medicamentos que têm um impacto muito considerável na melhoria da qualidade de vida no quadro da insuficiência cardíaca e da disfunção ventricular esquerda. No entanto, os IECA desenvolvem efeitos secundários desagradáveis».
A questão dos efeitos secundários leva a situações difíceis.
«Veja-se o drama de um paciente que precisa desse medicamento e não o pode tomar devido aos efeitos secundários. Tornou-se necessário o desenvolvimento de fármacos que não apresentassem esses efeitos secundários.
Aí surgem os inibidores ou antagonistas de receptores da angiotensina II e, neste caso, o único testado no enfarte do miocárdio é o valsartan, que mostrou ser igual ao IECA em termos da redução de mortalidade e morbilidade, mas demonstrando possuir um melhor perfil de segurança. Além disso, foi testado com várias associações medicamentosas, revelando-se totalmente compatível com vários fármacos, como a aspirina, os nitratos e as estatinas, entre outros. É um tratamento perfeitamente validado», conclui Jorge Ferreira.