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Artigo de Informação SIDA®

Nº 85 / Março de 2011






28 Amílcar Soares: um «seropositivo de serviço»
Corria o ano de 1954 quando nasceu, em Lisboa, Amílcar Soares, um dos mais antigos sobreviventes ao vírus VIH em Portugal. Mas não foi o facto de estar infectado que impediu este resistente de há 25 anos realizar todos os objectivos a que se tem proposto ao longo da sua vida. A verdade é que, desde que a notícia lhe foi transmitida, licenciou-se em Belas Artes, fez um mestrado e não coloca de parte a hipótese de um doutoramento.
Informação SIDA ® foi ter com este lutador e passeou com ele por uma das zonas emblemáticas da cidade, o Cais do Sodré, local em que se situa a Associação Positivo, instituição de que é fundador e presidente.


Informação SIDA® (IS®) – Onde e quando nasceu?
Amílcar Soares (AS) – Nasci em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa, em 1954.

IS® – Como descreveria a sua infância e adolescência?
AS – Sou filho único e já surgi muito tarde, quando ninguém estava à espera. Considero que foi uma infância normal, talvez um pouco atribulada, já que aos 7 anos perdi o meu pai. Efectivamente, tudo se transformou até a minha mãe conseguir acertar a vida. A questão económica foi um pouco complicada e uma constante no meu crescimento e na minha adolescência. Foi necessário perceber a dificuldade de querer ter coisas e não poder comprar. Mas, nessa época, além do material escolar, do que sentia mais falta era dos livros, uma vez que sempre gostei de ler.

IS® – Recorda-se do que queria ser quando «fosse grande»?
AS
– Lembro-me de uma vez falar sobre isso com a minha mãe. Na altura tinha a mania que queria ser aviador, talvez por vivermos numa época em que toda a gente tinha essa ambição, era moda. Como tinha terminado a II Guerra Mundial há pouco tempo, ainda havia o fascínio por algo que era considerado como uma grande inovação. Claro que tentei, antes de ir para a tropa, mas a necessidade de usar óculos aos 18 anos impediu-me.

IS® – Quais são os seus maiores hobbies? Já me disse que gosta de ler …
AS
– Faço muito desporto por duas razões: por uma questão física e porque gosto mesmo. Além disso, gosto de ler e de fazer fotografia, ainda que tenha parado de fazê-lo quando perdi o meu companheiro, em 1994. Deixou de haver competitividade. Andávamos sempre a ver quem é que conseguia tirar uma fotografia mais engraçada do que o outro.

IS® – Quais são as suas áreas de interesse?
AS
– Fui desenhador, tirei o curso de Belas Artes. Nessa época era a escultura que eu queria. Mas depois percebi que as saídas profissionais passavam apenas por dar aulas e depois, entretanto, começou a história de avançar com a Associação Positivo, de forma que isso era mais importante do que dar aulas.

IS® – Chegou a exercer a profissão de professor?
AS
– Só dei aulas muito esporadicamente. Não tenho más recordações porque tive a sorte de começar a dar aulas em Geometria Descritiva, uma área de que gostava imenso e de que normalmente ninguém gosta (risos).

IS® – Em que altura da sua vida descobriu que era portador do vírus VIH?
AS
– Foi por mera casualidade. Estávamos em 1985 quando, no dia 26 de Dezembro, enquanto dador de sangue, resolvi fazer análises. O resultado só veio em Março de 1986, porque na altura as análises iam para Paris.

IS® – Com certeza que na época foi uma notícia que o apanhou de surpresa …
AS
– Não foi muito agradável, nunca ninguém está à espera…

IS® – Mas tinha sintomas?
AS
– Não tinha absolutamente nenhum sintoma. Quando as coisas começaram, um tempo antes de eu e o meu companheiro sabermos que estávamos infectados, apercebemo-nos, numa ida aos EUA, que haveria ali qualquer coisa que não estava certa e depois tivemos a confirmação.





IS® – Na altura, o que é que o preocupou mais?
AS
– O facto de poder morrer daí a dois ou três anos. Foi aí que decidi começar a estudar a sério e fazer o curso de Belas Artes, no Porto.

IS® – Quando deu a cara pela primeira vez pela doença? Porque é que o fez?
AS
– Em 1989, numa entrevista para a Rádio Nova. Inicialmente, foi o simples aceitar de um convite. Depois achei que seria importante abordar este assunto publicamente. Nos hospitais, as pessoas não tinham com quem falar. Nessa altura, ainda era pior do que hoje, porque, além do médico e de algumas enfermeiras, não se podia e não se falava com ninguém, até os próprios psicólogos tinham medo de falar connosco.

IS® – E essa entrevista teve repercussões?
AS
– Na altura, estava a trabalhar numa empresa de publicidade, mas ninguém ouviu. No entanto, as pessoas que viviam comigo ouviram e confrontaram-me um pouco com o assunto. Mas a verdade é que, contrariamente ao que a maioria das pessoas perspectiva, tive uma enorme aceitação da parte delas. Quando souberam, foram procurar alguma informação e, a partir daí, perceberam que não havia qualquer perigo e continuei lá em casa a viver.

De repente, passei a ter uma família no Norte, constituída por sete irmãos, com as respectivas esposas e filhos. Em Março do ano seguinte, a entrevista voltou a passar na rádio e foi nessa altura que um dos directores da empresa onde eu estava a trabalhar ouviu e me convidou a sair. Como desenhador, podia-me cortar numa folha de papel e contaminar os meus colegas (ironia).

IS® – Em que momento é que a sua mãe soube? Como reagiu?
AS
– A minha mãe só soube em 1990. Na sequência de um processo que meti em tribunal contra a minha entidade patronal, acabei por ter de abrir o jogo com a minha mãe, uma vez que estava a deixar de trabalhar. Recorri à baixa, um processo que se arrastou mais de três anos. Nessa altura, as coisas começaram a estar um pouco tortas e a minha mãe decidiu ir ao Porto e foi quando eu tive uma conversa com ela e ela ficou a saber do estado em que eu estava. Foi um pouco confuso, como julgo que acontece com todas as mães. Chorou, fez várias perguntas…

Nesse dia, fui para as aulas porque, como não sabia o que lhe devia dizer, deixei-a ficar com as pessoas que moravam comigo para que lhe explicassem tudo. Uma delas até trabalhava num consultório médico e tinha muita informação sobre a questão. A partir daí, a minha mãe aceitou, até porque nós fomos sempre do princípio de que, «agora, já está, já está». Como não há volta a dar, o melhor que temos a fazer é ver o que se consegue fazer.

IS® – E como foi daí para a frente?
AS
– Entretanto, vim para Lisboa acabar o curso e a partir do momento em a minha mãe soube, até falecer (há quatro anos), foi sempre uma pessoa muito presente. Ela chegou mesmo a aparecer comigo numa entrevista da SIC, no 1.º de Dezembro de 1995.

O principal objectivo era fazer com que as pessoas percebessem que tinha de haver algum suporte familiar. Além disso, chegou a substituir-me muitas vezes em locais em que era importante participar – eu estava num lado e ela ia para outro. Embora fosse uma mulher que tinha apenas a 3.ª classe, respondia com base no que sabia.

IS® – Ainda continua a existir preconceito relativamente à doença?
AS
– Continua a existir, o que leva a que haja um número reduzido de pessoas a dar a cara, mesmo sabendo-se que há imensas figuras públicas infectadas no nosso País e que, se calhar, se o fizessem, seria uma mais-valia para se perceber a dimensão da questão e se perdesse a ideia de que, com os novos medicamentos que há, já não é preciso fazer nada. É necessário continuar a lutar porque ainda há muito para fazer no combate à discriminação, não só em termos sociais, mas principalmente também laborais.

IS® – E o Amílcar, além da entidade laboral, recorda algum episódio de discriminação?
AS
– Sei que alguns professores tinham medo, mas eu nunca fui proibido de ir sequer às aulas práticas. Desde colegas a vizinhos, a professores que foram muito solidários sempre comigo em termos da minha doença. Já tive alguns episódios.

Lembro-me, por exemplo, de ir às urgências porque tinha uma infecção num olho provocada pela água da piscina e, depois de ser observado, quando perguntei ao médico se os medicamentos que estava a receitar-me poderiam ter alguma interacção com os do VIH, este ter ficado em pânico porque eu não tinha dito nada, indo de imediato colocar dois pares de luvas...

IS® – Depois da descoberta, teve algum comportamento que pusesse em risco a vida de outra pessoa?
AS
– Não, porque tive a sorte de ter um companheiro que trazia informações do estrangeiro quando cá ainda não existiam. A nossa relação passou a decorrer de uma forma muito mais segura e sempre com o recurso ao uso do preservativo. Depois do falecimento dele, em outras relações que tenho tido, tenho sempre esse cuidado. Mas já tive alguns casos de pessoas com quem me envolvi que, mesmo depois de saberem que tinha VIH, queriam arriscar, alegando que a minha carga viral era indetectável.

O não uso do preservativo não é uma prova de amor para mim. Também já encontrei outros que eram seropositivos e não queriam utilizá-lo, o que me fazia uma grande confusão. Tentava fazer uma «lavagem à cabeça», mas não valia a pena, e a relação terminava na hora. Se forem os dois seropositivos não há necessidade de haver transmissão de um vírus diferente. Além disso, se a carga viral é maior, a pessoa fica mais rapidamente debilitada e morre mais depressa.

IS® – O que mudou nos últimos 25 anos?
AS
– As terapêuticas, mais nada. O apoio em termos clínicos continua a ser o mesmo de antigamente, apesar de alguns médicos falarem mais abertamente sobre o problema, talvez por estarem mais informados. Antes, era tudo mais escondido, hoje em dia, fala--se das coisas muito claramente. Em termos sociais, há alguns apoios.

A questão da discriminação social e laboral é que não mudou mesmo nada. Se realmente houvesse mais gente a dar a cara talvez se conseguisse perceber que o vírus VIH não surge apenas num indivíduo pobre, drogado, homossexual, ou numa prostituta. Uma boa parte das pessoas seropositivas são casadas e foram os maridos que lhes passaram o vírus, portanto, o único comportamento de risco que tiveram foi terem ido para a cama com os maridos. E aí como é que nós ficamos com a história da discriminação com base na moralidade? É essa parte que falta resolver. É preciso haver mais oportunidades para falar destas questões e não apenas no 1.º de Dezembro, como é hábito.

IS® – Tem algum desejo por concretizar? Quais são os seus principais objectivos actualmente?
AS
– Terminei agora a dissertação de mestrado e não sei ainda se vou avançar com o doutoramento ou não.

IS® – De que tratou a sua dissertação?
AS
– Surgiram uns mestrados na Universidade Lusófona sobre Sexualidade e eu inscrevi-me. O curso tinha, habitualmente, cerca de 30 alunos e eu era o único que vinha de Belas Artes. Propus fazer um trabalho sobre sexualidade em seropositivos (em 2001), mas a pessoa responsável não permitiu que avançasse porque já sabiam tudo sobre os seropositivos e sobre o VIH.

Entretanto, em 2008, ela saiu e o seu substituto contactou-me com a finalidade de saber se eu quereria terminar o mestrado. Desta forma, decidi avançar com uma dissertação de mestrado sobre a problemática da lipodistrofia em pessoas com VIH e de que forma é que isso as afectava em termos da sua sexualidade, da sua relação, da sua auto-estima e da sua imagem corporal.

IS® – E a que conclusões é que chegou?
AS
– O estudo envolve pouca gente, a amostra é de apenas dez pessoas. Destas, apenas cinco já tinham feito alguma cirurgia correctiva ou lipoaspiração. A conclusão a que se chegou no meio daquilo tudo é que mesmo os que fizeram cirurgias correctivas continuavam a não se sentir bem com a sua imagem corporal. Julgo que isto tem a ver com uma parte psicológica, com o que as pessoas idealizam dentro de si. Eu já tive bossa de búfalo e não me sentia nada agradado porque é algo muito incómodo, não só visualmente, mas até para nos vestirmos, porque a roupa não cai bem. A gordura que é acumulada debaixo da pele pressiona completamente toda a zona da parte de cima das costas e da nuca, o que acaba por dar um grande desconforto a dormir.

IS® – E foi isso também que o levou a ter interesse pelo tema?
AS
– Já fiz três lipoaspirações, mas considero-me um privilegiado neste País, porque tive a sorte de, quando fui afectado pela bossa de búfalo (acumulação de gordura na parte posterior do pescoço), ter entrado dentro de uma linha que existia no Hospital de Santa Maria que facilitava a realização de uma lipoaspiração. De facto, a lipodistrofia continua, ainda, a ser uma questão considerada como estética e realmente trata-se de uma cirurgia desta natureza, mas é um procedimento que não é feito por pura vaidade. Estas gorduras resultam não só dos efeitos secundários do VIH como da própria medicação associada.

IS® – O que lhe dá força todos os dias?
AS
– É o meu trabalho na Associação e o facto de a minha mãe me ter pedido para o continuar quando morreu e porque gosto muito de viver. É gratificante apercebermo-nos da importância, para o seropositivo, de ser recebido por uma pessoa que tem o mesmo problema que ele e entende, com grande facilidade o que está a passar.

IS® – Quem é Amílcar Soares?
AS – Um seropositivo de serviço neste País.


Texto: Susana Mendes

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