Estacionada, de segunda a sexta, em locais estratégicos da cidade de Lisboa, a unidade móvel da equipa dos Médicos do Mundo serve um objectivo concreto: travar a propagação do VIH/SIDA através da condução de medidas de carácter preventivo. Ao abrigo do «Saúde Móvel», os técnicos deste projecto também prestam cuidados de saúde primários à população mais carenciada da capital portuguesa.
Pouco passava das 19h30. Mas a carrinha dos Médicos do Mundo já estava estrategicamente posicionada em frente ao Jardim Constantino, a escassos metros da Avenida Almirante Reis, em Lisboa. O final de tarde solarengo permite que a equipa dos Médicos do Mundo usufrua da luz natural, sem ter de recorrer, para já, ao gerador que garante a iluminação no interior da carrinha.
A coordenadora do projecto, Dr.ª Mónica Duarte, a voluntária das quartas-feiras (Helena Fonseca) e o motorista Fernando Appert, que substitui «Nicolai» (o condutor e tradutor de origem ucraniana que facilita a comunicação com cidadãos de Leste), aguardam no exterior da viatura pela chegada dos utentes – alguns dos quais já são conhecidos pela sua assiduidade.
Uma senhora, talvez na casa dos 60 anos, surge já próximo das oito da noite para avaliar a tensão arterial. «O nosso objectivo, para além da disponibilização de material preventivo (preservativos e troca de seringas), passa também pela prestação de cuidados primários de saúde», esclarece a Dr.ª Mónica Duarte. Segundo a responsável, o projecto «Saúde Móvel», implementado em Janeiro deste ano, apareceu como um prolongamento da «Noite Saudável». Ainda assim, esta iniciativa tem metas mais abrangentes, nomeadamente no contexto da prevenção de comportamentos de risco.
De segunda a sexta-feira, em horário nocturno (entre as 19h30 e as 23h30), a equipa do projecto estaciona em pontos fixos (e mais problemáticos) da cidade de Lisboa. A cada dia da semana corresponde uma localização diferente. Antes do arranque da Unidade Móvel, os Médicos do Mundo fizeram uma acção exploratória do terreno, através da experiência adquirida no projecto «Noite Saudável». Esta análise permitiu proceder ao diagnóstico das necessidades e determinar «os locais de intervenção».
Apesar de não palmilhar a cidade de fio a pavio, a Unidade Móvel fixa-se em sítios previamente escolhidos a dedo, onde se poderá mais facilmente ir ao encontro dos públicos-alvo. «Este projecto destina-se, fundamentalmente, a utilizadores de drogas intravenosas, a sem-abrigo e a populações de imigrantes em situação irregular que não tenham acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).» Além da componente preventiva e de prestação de cuidados de saúde primários, também se procura dar apoio social.
«Em determinadas circunstâncias, a equipa de rua também entrega medicamentos aos utentes (se os tiver em stock), mediante a apresentação da receita ou guia de tratamento por parte dos utentes.»
De acordo com a Dr.ª Mónica Duarte, a distribuição de medicamentos é uma medida de suporte socioeconómico a populações desfavorecidas. «Os imigrantes em situação administrativa irregular, embora tenham acesso à prestação de cuidados de saúde – um direito universal em muitos países, incluindo Portugal –, na maioria das vezes, não têm condições financeiras para comprar os medicamentos prescritos. Regra geral, estes cidadãos em situação irregular não possuem número de utente, logo, não usufruem da comparticipação», considera.
Mas os imigrantes não são os únicos beneficiários desta valência. A entrega de medicamentos é uma actividade que se «dirige, ainda, a pessoas em situação vulnerável, de baixos rendimentos e isoladas (nomeadamente, idosos)». Quando um utente carece de medicação, os técnicos avaliam a situação e tentam compreender se é uma necessidade pontual ou regular.
«A técnica de Serviço Social, a Dr.ª Graciete Almeida, acompanha todo o processo até o beneficiário conseguir obter outros apoios.» A assistente social, que compõe a equipa «Saúde Móvel», também poderá encaminhar e «auxiliar o utente no seu processo de legalização».
O projecto «Saúde Móvel», implementado em Janeiro deste ano, apareceu como um
prolongamento da «Noite Saudável», com metas mais abrangentes.
Saúde em primeiro lugar
No âmbito do VIH/SIDA, a iniciativa «Saúde Móvel» tem como meta a «redução da transmissão do VIH/SIDA», nota a Dr.ª Mónica Duarte. «Os nossos objectivos preconizam o aumento de beneficiários que adoptam comportamentos preventivos face à infecção por VIH/SIDA. E, ainda, melhorar o conhecimento relativamente ao estado serológico.»
Os técnicos dos Médicos do Mundo recebem uma média de 15 utentes por noite. «Alguns dos beneficiários são referenciados por outras instituições de apoio, que, tal como os Médicos do Mundo, pertencem à rede social de Lisboa. Há outros utentes que, por intermédio de outros beneficiários, são informados da existência da Unidade Móvel. É assim que chegam até nós.»
Além de prestarem informação relativamente à educação para a saúde (conhecer o historial clínico dos beneficiários e dar a conhecer as formas de transmissão do VIH/SIDA), os técnicos da equipa fazem um esforço para que os utentes nunca saiam sem uma resposta adequada às suas necessidades. Quando algum utente manifesta vontade de realizar o teste rápido, a equipa encaminha para o Centro de Aconselhamento e Detecção (CAD) da Lapa. «Sempre que possível, pedimos para que nos voltem a visitar e que nos dêem feedback sobre o resultado do teste.»
Segundo a enfermeira Piedade D’Alva, «os utentes, geralmente, retornam», após a realização do teste rápido. «Para nós, voltar a receber os utentes é um voto de confiança no nosso trabalho e significa que a mensagem foi transmitida com sucesso.» Para já, a equipa da Unidade Móvel só presta aconselhamento e fornece material preventivo – fora do âmbito de actuação está a distribuição de medicação anti-retrovírica ou a toma assistida. Embora ainda não haja uma data marcada, os Médicos do Mundo aguardam directrizes para que, a breve prazo, possam implementar a realização do teste rápido na Unidade Móvel. «Será um meio facilitador para se poder fazer um acompanhamento dos utentes de forma mais sistemática», fundamenta a Dr.ª Mónica Duarte.
«Já estabelecemos alguns contactos com os serviços de Infecciologia dos Hospitais de Lisboa para que possamos encaminhar os utentes, em caso de resultado positivo.» A equipa do projecto «Saúde Móvel», sempre que surge algum doente infectado, facilita o máximo de informação sobre o tratamento. «A nossa grande luta ainda continua a ser a adesão terapêutica», confirma a enfermeira. «Alguns doentes, quando se sentem mal, devido aos efeitos adversos da medicação, desistem do tratamento. O nosso trabalho consiste em explicar as vantagens da toma regular. Esta é a mensagem que transmitimos.» A enfermeira espera que, brevemente, a mentalidade de alguns doentes mude a breve trecho.
O projecto «Saúde Móvel», que terá uma duração de três anos, prevê que neste prazo se consigam obter os resultados aguardados. Para aferir o conhecimento dos beneficiários em relação às formas de prevenção do VIH/SIDA, à medida que os técnicos vão questionando os utentes, são registadas as respostas a alguns itens. «Os dados recolhidos irão permitir, futuramente, proceder à quantificação destes indicadores», informa a coordenadora do «Saúde Móvel».
«Saúde Móvel» em números
2026: número de consultas relativas ao primeiro semestre de 2010;
748: utentes foram acompanhados pela primeira vez;
1312: total de beneficiários em seis meses de actividade do «Saúde Móvel»;
5438: número de preservativos distribuídos;
5340: seringas trocadas;
34: número de nacionalidades atendidas;
Faixa etária dos 30 aos 49 anos é a que regista maior procura, com predominância do sexo masculino (90%).