Segundo o Prof. Doutor João Gonçalves, «logo que uma pessoa se infecta com o VIH, os anticorpos têm cerca de dois dias para neutralizar o vírus no organismo».
Um grupo de investigação do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), liderado pelo Prof. John Mascola, descobriu dois anticorpos capazes de neutralizar cerca de 90% das estirpes do VIH, em laboratório. «Até agora, os anticorpos isolados anteriormente obtiveram uma taxa de eficácia de 60%», diz o Prof. Doutor João Gonçalves, investigador da Unidade de Retrovírus e Infecções Associadas (URIA) do Centro de Patogénese Molecular da Faculdade de Farmácia de Lisboa.
Com base nestes achados, os investigadores vão propor um ensaio clínico de uma vacina, primeiro em animais e, posteriormente, em humanos. «Através de uma glicoproteína gp120 modificada, foi possível expor os epítopos mais conservados do vírus e estimular a produção de anticorpos neutralizantes. Nesta linha de investigação, os cientistas testaram anticorpos contra 700 estirpes do VIH/SIDA.»
Segundo o investigador, o desafio que se coloca, doravante, é saber se o uso da proteína gp120 irá induzir forte imunidade e se irá neutralizar o vírus no organismo. «Com a produção deste antigénio, esperamos que, no prazo de um ano e meio, sensivelmente, se dê início ao ensaio clínico em humanos», adianta. Além da produção de anticorpos, outra das dificuldades dos investigadores será garantir a destruição das células infectadas. Esta tarefa é da responsabilidade dos linfócitos T. «Ainda não temos uma tecnologia que permita, em simultâneo, a estimulação de anticorpos e de linfócitos citotóxicos anti-VIH.»
Segundo o Prof. Doutor João Gonçalves, «logo que uma pessoa se infecta com o VIH, os anticorpos têm cerca de dois dias para neutralizar o vírus no organismo». Há um factor urgência, porque, a partir do momento em que o vírus penetra no sistema imunitário e invade uma célula CD4+, os anticorpos não conseguem cumprir o papel de eliminar o VIH do organismo. Apenas podem controlar a sua disseminação. «Hoje, sabemos que as zonas mais constantes da gp120 têm de ser apresentadas ao sistema imunitário da forma mais estrutural possível, a fim de os anticorpos neutralizarem o VIH», declara o investigador.
Ambos os anticorpos (VRC01 e 02), apesar de diferentes, têm em comum reconhecer a região de ligação da gp120 ao receptor CD4 das células. «A zona de ligação ao CD4 é a mais importante (já que o VIH se associa directamente a este receptor para entrar nos linfócitos T), quando se desenvolvem anticorpos neutralizantes. A gp120, uma proteína do VIH, é a chave que permite ao VIH abrir a fechadura das células CD4. Os anticorpos, ao neutralizarem a parte conservada da “chave” do vírus (aquela que se liga aos linfócitos CD4), impedem que o VIH invada as células-alvo.»
No horizonte espacial de cinco anos, espera-se que, ultrapassados os trâmites burocráticos, os investigadores tenham resultados de um ensaio clínico, que utilize a proteína do «invólucro» do VIH. Para o investigador, embora estes dados permitam avançar com uma vacina preventiva para o VIH-1, os conhecimentos do VIH-2 ainda são demasiado escassos para se aferir algo mais concreto em relação a esta estratégia. «Penso que os investigadores não consideraram esta metodologia na prevenção do VIH-2», advoga o Prof. Doutor João Gonçalves.
Segundo as perspectivas que se colocam com a descoberta destes anticorpos, a estratégia de investigação só irá contemplar somente uma vacina profiláctica do VIH-1. «A administração de um imunogénio desta natureza, num doente já infectado, poderá não ser eficaz, dado que o sistema imunitário (já fragilizado) não terá capacidade de produzir anticorpos que neutralizem o vírus», acrescenta o investigador.
No entanto, estando previsto o desenvolvimento de uma vacina pre-ventiva, a administração desta proteína, que irá gerar anticorpos neutralizantes, poderá não está dependente do back-ground genético das pessoas infectadas com VIH: assim, servirá para cobrir uma panóplia mais alargada de estirpes virais. O Prof. Doutor João Gonçalves mostra-se, por isso, optimista em relação aos resultados publicados. Quanto a uma eventual estratégia de imunidade celular, o investigador considera que ainda será necessário proceder a mais estudos nesta matéria.
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