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Artigo de Informação SIDA®

Nº 52 / Setembro de 2005






26 SIDA no meio laboral
O silêncio da discriminação
Ser-se seropositivo no local de trabalho

O silêncio da discriminação

Não há educação na área da SIDA e o desconhecimento ainda é muito grande. A discriminação que se sente no meio laboral tem muitas vezes origem nos próprios colegas que, a partir do momento em que sabem que «aquele» é seropositivo, deixam de lhe aper­tar a mão, de lhe falar e de se sentar à mesa com ele.

Muitos casos perdem-se até porque nem chegam à justiça. Mais de metade das situações de discriminação no meio laboral não chegam a tribunal porque o trabalhador seropositivo autocensura-se e não prossegue a luta pelos seus direitos, mantendo-se silencioso. Não tem coragem, não quer dar o nome ou a cara, não quer aparecer na televisão e não quer que seja conhecido o seu processo.

Por sua vez, o trabalhador discriminado que resolve levar o seu caso a tribunal é confrontado, em alguns casos, com a falta de viabilidade do processo. Fica-se numa posição claramente inferiorizada porque não se arranjam instrumentos para provar que é alvo de discriminação.

A luta é desigual. De um lado, os «todo-poderosos» (patrões) e do outro o elemento mais fraco – um simples trabalhador que carrega o fardo de ser seropositivo.
Além disso, «a entidade patronal coloca-se, muitas vezes, numa posição que se poderia classificar como hipócrita, alegando o desconhecimento da doença do seu trabalhador», afirma o Dr. Nuno Ferro, presidente da Liga Portuguesa Contra a SIDA (LPCS).

Um dos trabalhos da LPCS é, precisamente, o aconselhamento a seropositivos, bem como intervenções, quer no âmbito do apoio social como jurídico.

No departamento de apoio jurídico da Liga surgem casos que podem ter as suas mais diversas origens. A Linha de SOS-SIDA e outras ONG são algumas das fontes de casos de discriminação laboral, entre outros, que chegam à LPCS.

De acordo com Nuno Ferro, «muitas vezes, quando as pessoas chegam à Liga, vêm num estado de pré-suicídio porque ao faltar-lhes o meio laboral falha toda a possibilidade de angariação do seu sustento. Vão para o Fundo de Desemprego? E quem lhes paga os primeiros quatro ou cinco meses em que, normalmente, se está sem receber?».

Quem revela a seropositividade do trabalhador?

E como se descobre a seropositividade do trabalhador, na empresa? Por um lado, o próprio é uma das fontes. Outras são os colegas e, em alguns casos, a Medicina do Trabalho.

A Medicina do Trabalho, muitas vezes, «detecta este tipo de situações, mas está obrigada a dizer, simplesmente, se o trabalhador é apto ou inapto» a desempenhar as suas funções e não a revelar à entidade patronal que «aquele» trabalhador é seropositivo.

Porém, «a Medicina do Trabalho tem sido, hoje, uma das fontes de início de conflito, quando envia uma recomendação ligada ao estado de saúde de um dos trabalhadores, que acaba por servir como fundamento para que a entidade patronal o demita», alega Nuno Ferro.

Quando são os próprios médicos os primeiros a incentivar os doentes infectados por VIH/SIDA a integrarem-se na sociedade e a procurarem ter uma vida mais próxima do normal que lhes for possível, a denúncia por parte deles é, no mínimo, contraditória, para além de ser ilegal, se o fizerem sem a autorização por escrito do trabalhador, de acordo com o Artigo 17.º do Código do Trabalho.

«Quando se fizeram as leis referentes à Medicina do Trabalho, não se pensou que a mesma pudesse ser uma fonte de discriminação, quando o que se pretendia era proteger. As informações recolhidas dentro da Medicina do Trabalho têm importância quando estas são causa de muitos despedimentos, por revelarem à entidade patronal a seropositividade do trabalhador, ainda que esse mesmo trabalhador execute as suas funções com toda a normalidade. A partir do momento em que se sabe que é seropositivo, a pessoa passa a ter um "carimbo" e os comportamentos à sua volta alteram-se.»

Diferentes maneiras de discriminar

A discriminação pode ser feita por modos ostensivos ou subtis. Por modos ostensivos caracterizamos as discriminações de exclusão, que acontecem tanto por parte das entidades patronais como dos próprios colegas, através das quais o trabalhador é afastado dos restantes, tendo, inclusive, funções isoladas ou sofrendo alterações no seu horário de trabalho, de modo a não coincidir com os outros.

A discriminação exercida de forma subtil, ou seja, de forma não evidente, está presente quando a empresa entende em não renovar o seu contrato a prazo, quando o trabalhador tem a hipótese de ser promovido e não o é ou quando lhe comunicam que não tem condições para trabalhar naquela empresa, sem mais nenhuma justificação.

«São subtis porque, muitas vezes, não são possíveis de contestar, mas nós sabemos qual é a decisão que está por detrás. No fundo, de uma forma encapotada, estão a discriminar e esta é a forma que acontece em maior número, até porque não permite, às vezes, uma reacção», salienta o presidente da LPCS.

Em casos em que a entidade patronal não renova o contrato a termo, por exemplo, é difícil arranjar provas de que a verdadeira decisão foi a seropositividade do traba­lhador e, consequentemente, o acto de discriminação.

«Vale a pena ir para tribunal, sobretudo, quando temos provas para sustentar a tese. Quem invoca um direito tem de o provar. Quando essa prova não é muito convincente, pode acontecer, no Tribunal do Trabalho, a possibilidade de um acordo que o possa beneficiar, podendo receber algum dinheiro», afirma Nuno Ferro, acrescentando:
«Não tenho dúvidas que muitos casos já terão ido para tribunal, sem a questão da seropositividade ter sido colocada na mesa, como sendo a verdadeira causa. Se um trabalhador seropositivo é despedido porque a entidade patronal alegou que o seu trabalho não estava ser feito em condições, é este assunto que se vai discutir em tribunal – estava ou não a ser feito em condições? Não se faz, portanto, alusão à sua infecção por VIH/SIDA e à discriminação que está subjacente e que todos sabem existir.»

A discriminação aparece, deste modo, muitas vezes, camuflada com outro tipo de situações.

Ir para Tribunal do Trabalho

O problema de ir para tribunal não é tanto relacionado com custos económicos. As pessoas recorrem aos advogados do meio sindical ou dos que trabalham para as ONG, por exem­plo, e, nesse aspecto, os custos são muito reduzidos.

A questão que se coloca é que, no meio laboral em geral, as pessoas, que estão vinculadas a uma empresa, têm medo de colocar a sua entidade patronal no tribunal, por razões mais que evidentes em Portugal, e que se explicam por perseguições e até vinganças. São situações independentes de se tratarem de trabalhadores seropositivos, ou não.

Além disso, «a grande maioria de seropositivos que vai para tribunal, fá-lo já num quadro de pós-laboral, ou seja, já não têm relação com a entidade patronal porque foram despedidas ou o contrato a termo finalizou. Formalmente, houve um outro pretexto qualquer que pôs termo à relação de trabalho e só então agem, muitas vezes, numa posição reactiva de conseguir uma indemnização, mas sem esperanças de salvaguardar o seu posto de trabalho», conta Nuno Ferro.

Nestas acções levanta-se um outro pro­blema: como aplicar os princípios da Lei que são gerais, considerando com especificidade determinados casos?

Por exemplo, as pessoas têm muitas dificuldades em arranjar testemunhas porque ninguém quer ser testemunha de um ex-colega, sendo que pode colocar o seu posto de trabalho em risco. O caso é pior quando se obtém informação «off the record» e não se consegue obter a mesma «on the record».

«Um processo de trabalho já deveria prever um sistema de provas que permitisse a obtenção, em determinadas circunstâncias, de prestação de testemunhos de forma sigilosa, cuja identidade só fosse conhecida pelo juiz. A lei de protecção de testemunhas é utilizada apenas para a parte penal e não cível. Em muitos países existem leis de protecção que permitem ao juiz inquirir a testemunha directamente, dando-lhe um número. Não são sistemas complicados e obtém--se uma prova muito mais ampla e não coagida. O trabalhador que sabe que a sua identidade não vai ser revelada fala mais à-vontade.»

O vazio legal

Em termos de artigos de Lei, em Portugal, existe simplesmente «um conjunto de princípios». Há mais de 10 anos que não há um único documento aprovado na Assembleia da República sobre a questão da SIDA, ainda que os partidos que estão na oposição tenham vindo, ao longo dos anos, a apresentar projectos de lei ou de resolução sobre a matéria.

De acordo com Nuno Ferro, «em termos legais, Portugal funciona de forma reactiva, isto é, primeiro surge o problema e, posteriormente, é que se procura resolvê-lo, não funcionando preventivamente. Na matéria de SIDA, poderia fazer-se algo preventivamente, até porque têm outros países como exemplo, nomeadamente, a França e a Itália. Os italianos têm 600 artigos sobre políticas de não discriminação referentes à SIDA».

Já se elaborou, inclusive, na CNLCS, uma proposta de revisão constitucional que pretendia uma alteração no Artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, acrescentando-se também que não seria motivo de discriminação a promoção de saúde ou a seropositividade.

No entanto, e «como os deputados ignoraram esta proposta, manteve-se o artigo e quando surgem casos deste tipo, temos de partir para situações genéricas», sublinha Nuno Ferro, acrescentando:
«Será que não era possível encontrar uma plataforma de entendimento entre o Governo, organizações patronais, sindicais e adoptar um texto comum contra a discriminação, definindo as formas como acontece, as maneiras de reagir, os meios de actuar e as sanções?»

Desta forma, o problema do vazio legal ficaria resolvido e não seria necessário recorrer aos princípios genéricos da não discriminação, tentando adaptá-los ao meio laboral.

Outra medida, sugerida pelo presidente da LPCS, seria «colocar a questão da SIDA como uma série de problemas básicos da sociedade, nomeadamente, a prevenção rodoviária, os direitos humanos, a prevenção e educação cívica, e inseri-la nos currículos escolares».

Texto: Teresa Pires


CAIXA

Disposições legais

Da Constituição da República Portuguesa e do Código de Trabalho, os artigos, ainda que genéricos, que podem ter uma interpretação extensiva a cidadãos trabalhadores infectados pelo vírus da SIDA, são os seguintes:

Constituição da República Portuguesa

Artigo 13.º – Princípio da igualdade

Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Código do Trabalho

Artigo 16.º – Reserva da intimidade da vida privada

O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente, relacionadas com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.

Artigo 17.º – Protecção de dados pessoais

O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da res­pectiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exi­gências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
As informações previstas no número anterior são prestadas a médico, que só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a actividade, salvo autorização escrita deste.

Artigo 22.º – Direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho

Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.
Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomea­damente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.

Artigo 23.º – Proibição de discriminação

O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta,
baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua exe­cução, esse factor constitua um requi­sito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
(...).