Artigo de Informação SIDA®
Nº 52 / Setembro de 2005
16 Adesão à terapêutica anti-retrovírica
A vontade do doente decide 70%
O desconhecimento da gravidade da infecção por VIH por parte dos doentes, o número de comprimidos e de doses e os efeitos adversos dos medicamentos são três dos factores apontados pela Dr.ª Manuela Doroana, do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de Santa Maria, como responsáveis por uma falta de adesão à terapêutica anti-retrovírica.
Para fazer face à infecção por VIH, os doentes necessitam de, em primeiro lugar, estar sensibilizados para a importância do esquema terapêutico a efectuar.
Manuela Doroana admite que «alguns profissionais, por indisponibilidade ou falta de tempo, não conseguem acentuar e explicar ao doente a importância da adesão à terapêutica, nomeadamente, os resultados finais dessa mesma adesão e os efeitos de paragem ou de abandono do tratamento».
O certo é que ainda não existem estudos que digam que, no futuro, este tipo de medicação pode ser interrompida durante um certo tempo, retomando-se posteriormente. São questões que não estão resolvidas e por isso insiste-se na necessidade de o médico esclarecer o seu doente, informando-o de que a terapêutica deve ser realizada durante o máximo de tempo possível, enquanto houver eficácia e não houver toxicidade.
«Quanto mais tempo o doente conseguir manter o seu esquema terapêutico mais benéfico será para ele. É sinal de que há supressão vírica e que o doente não tem parâmetros de toxicidade, em termos daquele esquema terapêutico», salienta.
Na opinião de Manuela Doroana, na terapêutica anti-retrovírica, a vontade do doente decide 70% e os profissionais de saúde 30%. É essencial, portanto, ter tempo para «dialogar com o nosso doente, explicando a razão daquela medicação, e ver se ele está de acordo com o esquema terapêutico escolhido. Tem de ser o doente, em colaboração com o profissional de saúde, a decidir que é importante iniciar a medicação. Um doente aderente é logo, à partida, um ganho para o profissional de saúde. Se o doente não entende a importância da medicação, à mínima reacção adversa que surja, ele pára a toma».
Menos comprimidos e menos efeitos adversos
Nesta questão, a evolução dos fármacos também tem contribuído para o combate à fraca adesão, minimizando o número de comprimidos e de doses diárias, potenciando cada vez mais a sua eficácia e reduzindo os efeitos secundários que deprimem o doente e o conduzem ao abandono da terapêutica.
Se antes havia a noção de que a eficácia dos medicamentos era tudo – o que interessava era a supressão vírica –, agora verifica-se que a tolerância do doente é tão importante ou mais.
Pretende-se que o doente faça determinado esquema terapêutico, não sofrendo qualquer restrição ao nível da sua qualidade de vida. A maior parte dos doentes quer tomar uma medicação que não transtorne o seu dia-a-dia.
Algumas das perturbações inerentes à toma de determinados medicamentos, como é o caso da deformação corporal (lipodistrofia), podem desencadear, por parte do doente, uma falta de adesão a essa terapêutica.
«Se conseguirmos criar novas moléculas cada vez mais eficazes, quer em termos de tolerância, como de comodidade de posologia, estamos a trabalhar em benefício dos nossos doentes. Se o doente tomar um medicamento que não lhe provoca tanta diarreia, náuseas, vómitos e enfartamento é evidente que ele adere melhor a este fármaco. O atazanavir, por exemplo, encaixa neste perfil», afirma a especialista.
Atazanavir em doentes naïves
Uma das experiências de Manuela Doroana com o atazanavir é sobretudo ao nível de doentes naïves, sendo que esta indicação ainda não está aprovada na Europa, mas apenas nos EUA.
De acordo com a infecciologista, realizaram-se vários ensaios clínicos nos quais o atazanavir, na dose de 400 mg/dia, era administrado sem ser em boosted, ou seja, sem ser associado ao ritonavir.
«No ensaio BMS 007, e nos 12 doentes acompanhados por Manuela Doroana, a eficácia do atazanavir, em comparação com o nelfinavir, foi completamente comprovada.»
Noutro ensaio, BMS 034, fez-se a associação 3TC/AZT + atazanavir versus 3TC/AZT + efavirenze, isto é, uma comparação entre um regime com um inibidor da protease e um com um não nucleosídeo, com uma base comum.
«Também neste estudo verificou-se que o atazanavir em termos de eficácia se sobrepunha ao efavirenze. Portanto, nos doentes naïves o atazanavir comportou-se, em termos de eficácia, tal como o nelfinavir e o efavirenze, sendo muito bem tolerado», explica, acrescentando:
«Estes estudos trazem outra conclusão, na medida em que o atazanavir como medicamento de primeira linha, em doentes naïves, é eficaz, apresenta um bom perfil em termos de tolerância e tem uma posologia mais simples.
O atazanavir não deveria estar a ser utilizado apenas em doentes já experimentados, como acontece na Europa. Não tem qualquer sentido que o atazanavir não seja aprovado como primeira opção terapêutica.»
A partir do momento em que há um esquema terapêutico que é bem tolerado pelo doente, há também uma melhor adesão e provável eficácia do tratamento. A ligação entre estes três aspectos (tolerância, adesão e eficácia) é fundamental para a efectividade do regime terapêutico e vantajosa para o doente.
Neste sentido, colocar o lopinavir como primeira opção terapêutica causa, na especialista, algum desconforto, uma vez que se sabe «que não é dos inibidores da protease que tenha um bom perfil de tolerância. Surge muitas vezes o enfartamento, a diarreia e até a ocorrência de alterações estéticas, para já não falar no perfil lipídico. As grandes alterações ao nível do perfil lipídico, nomeadamente a hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, estão associadas sobretudo ao uso do lopinavir. Em termos de tolerância, este não será o inibidor da protease melhor tolerado, pese embora a sua comprovada elevada eficácia. Os efeitos adversos podem contribuir para que doentes que iniciam pela primeira vez uma terapêutica a abandonem ao fim de um certo tempo, apesar de estarem em supressão vírica».
Resistências víricas: um problema de Saúde Pública
As implicações na falta de adesão à terapêutica traduzem-se principalmente pela quebra de eficácia desse esquema terapêutico. O doente deixa de ter a sua doença controlada.
Por outro lado, a interrupção do esquema terapêutico pode criar possibilidades de resistência do vírus aos fármacos, quando estes são retomados. Deste modo, surgem as falhas terapêuticas, no sentido em que deixam de ser eficazes.
«A falta de eficácia é comprovada quando as doses não são eficazes para suprimir o vírus. Quando as estirpes virais resistem a uma determinada medicação isso significa que passam a ser também resistentes a outros medicamentos que sejam da mesma classe dos fármacos que o doente estava a tomar. Portanto, não só cria resistências a esses medicamentos como a alguns outros que pertencem à mesma família», esclarece Manuela Doroana.
Este cenário traduz-se, hoje, num verdadeiro problema de Saúde Pública, na medida em que há pessoas que são infectadas por vírus já resistentes.
Quando se inicia, pela primeira vez, uma terapêutica a um indivíduo que foi infectado recentemente (doente naïve), pensa-se que se trata do vírus «selvagem». Porém, pode não ser esse o caso e pode-se tratar de um indivíduo que já foi infectado por estirpes víricas que tiveram um contacto prévio com vários medicamentos. Desta forma, é mais complicado arranjar um esquema terapêutico ao qual este tipo de vírus seja sensível.
De acordo com a especialista, «nos doentes naïve que incluo em ensaios clínicos tenho a possibilidade de realizar testes de genotipagem e fenotipagem e, em alguns deles, já existem casos em que são resistentes a vários medicamentos, o que há uns anos atrás não acontecia».
Texto: Teresa Pires