Artigo de Informação SIDA®
Nº 51 / Julho de 2005
14 Prof. Victor Cláudio, docente do ISPA observa que:
«As pessoas acreditam, de facto, que o VIH/SIDA não é para eles!».
Prof. Victor Cláudio, docente do ISPA: «A prevenção do VIH/SIDA é uma questão de direitos humanos!»
Quando se fala sobre VIH/SIDA todos temos ideias e opiniões. O Prof. Victor Cláudio, investigador da problemática da SIDA desde meados dos anos 90, anuiu em partilhar algumas das suas ideias connosco.
Docente e investigador do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), o Prof. Victor Cláudio tem uma opinião bastante vincada e peculiar sobre a temática do VIH/SIDA.
Concordando ou não com as opiniões, é na diferença de perspectivas que se poderão encontrar as melhores soluções.
Com um discurso fluente, temperado com muita ironia à mistura, abordou vários temas que considerou relevantes sobre a temática do VIH/SIDA. Desde o papel dos media ao desempenho da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA, passando pela avaliação da população geral e a forma como encaram a pandemia, que já causou mais de 20 milhões de mortes.
«A prevenção ao VIH em Portugal é feita para a comunicação social, aliás, como boa parte dos actos públicos deste País.» No entanto, e apesar deste facto, Victor Cláudio refere que as coisas não estão bem, antes pelo contrário.
«Quando é que há um grande boom de informação na comunicação social sobre a SIDA? Obviamente, no mês de Dezembro, por volta do dia 1. No resto do ano, praticamente não se fala e quando se fala, fala-se mal, com um discurso igual ao de há 15 anos, imbuído de crenças e informação moralizante. Atendendo a que os jovens vão buscar, em segunda linha, informação sobre o VIH/SIDA à comunicação social, podemos ver o "bom papel" que os media estão a desempenhar na prevenção do VIH/SIDA.»
Além da avaliação do papel da comunicação social, este investigador lançou fortes críticas à Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA. Referiu, por exemplo, um excerto de um texto intitulado «Epidemiologia», presente no sítio da Comissão, no qual este órgão se queixa da falta de recursos humanos para melhor desenvolver as campanhas de prevenção.
«Além disso, as campanhas por eles levadas a cabo são baseadas nos programas da Organização Mundial de Saúde e da ONUSIDA e não em dados epidemiológicos reais do País, impossibilitando a definição clara dos objectivos das acções desenvolvidas», advertiu Victor Cláudio, acrescentando:
«Fiquei surpreso com este documento! Nós temos um problema sério de desemprego graduado neste País. Então, porque é que a Comissão não emprega pessoas?»
Prosseguindo com a análise do texto, o investigador alerta para o facto de que «a própria Comissão diz que não sabe fazer prevenção, mas que gasta dinheiro em prevenção. No entanto, nós fizemos um trabalho, financiado e esquecido pela Comissão, que o pagou, mas não usou. Nesse estudo, fizemos um levantamento de carências de mil estudantes secundários e universitários. Curioso é que saiu uma coisa semelhante há pouco tempo».
«As pessoas acreditam, de facto, que o VIH/SIDA não é para eles!»
Do estudo, levado a cabo por Victor Cláudio, há uma questão de suma importância:
«As pessoas acreditam, de facto, que o VIH/SIDA não é para elas. A maioria das pessoas acreditava que eram os outros que tinham os comportamentos que levavam à transmissão do VIH/SIDA.»
A estes conceitos e ideias está subjacente a sensação de pertença a um determinado grupo. E deve ser, no interior desse grupo, que as atitudes devem ser alteradas.
Conforme indica o psicólogo, «não faz sentido irmos ter com um grupo de jovens, de 15 ou 16 anos, e falar doutoralmente sobre o VIH. É possível fazer um trabalho formando jovens dentro dos grupos para, no futuro, eles serem os formadores dentro desse grupo. A mensagem, assim, passa de forma eficaz e eficiente».
Mas mesmo a questão dos grupos deve ser tratada de uma forma muito particular.
«Não podemos pressupor que temos crenças universais. Consoante o grupo a que pertencemos, temos crenças diferentes», revela o nosso entrevistado.
Além destas conclusões, referenciou também o facto de não se pensar em dois pólos de penetração do VIH, nomeadamente, as minorias étnicas, como a comunidade ucraniana, cada vez com mais expansão em território nacional, e os idosos.
«Há a crença de que o idoso não tem sexualidade e é esquecido. Mas conhecendo nós as fantásticas condições que os nossos idosos têm no nosso País, podemos prever que, se um idoso tem o azar de ser infectado pelo VIH, o futuro não deve ser muito brilhante e radioso.»
Atendendo a estas conclusões, Victor Cláudio questiona-se sobre um facto: «Como podemos obter bons resultados quando fazemos campanhas genéricas e que não servem rigorosamente para nada? Público-alvo? Não se sabe qual é. As necessidades desse público-alvo? Também não sabemos quais são. A avaliação posterior da campanha? Não se fala nisso. Então serve para quê? Para dizer que fizemos alguma coisa? Se calhar...»
E acrescenta mais alguns dados: «O dinheiro gasto em campanhas malfeitas, que não levam a lado nenhum, não seria melhor empregado num levantamento epidemiológico? O dinheiro dessas festas da Comissão, no Sheraton ou no Centro de Congressos do Estoril, ou o megajantar que decorreu na Figueira da Foz, não seria melhor aproveitado se fosse para a prevenção ao VIH? Porque é que os preservativos não são distribuídos gratuitamente nas farmácias? E o mesmo com as seringas? Nas prisões, vamos continuar a fazer material infectado com as canetas BIC viradas ao contrário, que são alugadas a toda a gente? Quanto é que custa um GNR no Iraque? Seguramente faríamos várias campanhas de prevenção, e bem-feitas!
Podemos, garantidamente, trocar não sei quantos preservativos pelo ordenado de um assessor de comunicação do primeiro-ministro.»
E depois desta críticas, Victor Cláudio conclui salientando que «a prevenção ao VIH/SIDA é uma questão de direitos humanos! A prevenção tem de ser passada sem valores morais. Não temos de dizer ao outro como se faz, temos de lhe dizer que ele pode escolher. A prevenção é feita de livre escolha e não de imposição! Podem dizer que a SIDA é com os outros, mas basta um comportamento para esse cenário se alterar».
Texto: Rui Miguel Falé
Números e estatísticas do VIH/SIDA
– De 2002 para 2004 houve um aumento de 3 milhões de infectados, de 36 para mais de 39 milhões a nível mundial.
– A média de infectados na União Europeia é de 14,5/milhão de habitantes.
– Entre 1994 e 2003, a nossa vizinha Espanha passou de um rácio de 184 infectados/milhão de habitantes para 32,8 infectados/milhão de habitantes.
– Em Portugal, no mesmo período, de 1994 a 2003, passámos de 68,1 infectados/milhão de habitantes para 78,6 infectados/milhão de habitantes.
– Portugal é o país com a taxa mais alta de incidência da União Europeia, com mais do dobro da Espanha e com cinco vezes mais do que a média comunitária.
– Portugal é o país da União Europeia com maior número de consumidores de drogas injectáveis infectados.