Artigo de Informação SIDA®
Nº 51 / Julho de 2005
39 As origens e as funções do AIDSPortugal
Dr. Victor Bezerra, presidente da SIDAnet: «Não há motivação política para este projecto»
Com a simplicidade das grandes conquistas, o portal AIDSPortugal tem vindo, desde há quatro anos, a desenvolver um trabalho de apoio e esclarecimento no campo da SIDA. Informação SIDA® publicou, numa das últimas edições, um trabalho sobre o AIDSPortugal. Algumas incorrecções levam-nos a apresentar, de novo, o artigo.
Com quase 40.000 visitantes por mês, no sítio AIDSPortugal, durante o ano de 2004, abrandar não é, de certeza, a palavra que mais se coaduna com esta ideia. Falámos com o Dr. Victor Bezerra, presidente da SIDAnet, a organização responsável pelo AIDSPortugal, sobre o passado, o presente e o futuro.
Informação Sida® – Todos os projectos começam com uma ideia. De onde surgiu esta?
Dr. Victor Bezerra – A ideia surgiu na Argentina. Estava na Argentina, com o Prof. Machado Caetano, a assistir a um congresso internacional de doenças infecciosas, e achámos que toda a informação que nós íamos colher, mesmo estando presente no congresso, não conseguia ser abarcada na totalidade. No fundo, o que sentimos foi a necessidade de transformar, num veículo acessível a todos os nossos colegas, aquilo que nós estávamos a sentir na altura. Por isso fizemos, nesse primeiro ano, num espaço virtual e por um curto período de tempo, um local onde pudessem colocar os seus artigos dentro de uma temática. Assim nasceu o primeiro congresso, que deveria começar em Outubro e acabar em Dezembro. Mas verificámos que o entusiasmo foi tão grande e que os acessos foram tantos, que sentimos necessidade de dar continuidade, no tempo, ao que já existia. Em vez de darmos continuidade a uma coisa estática, transformámos aquele projecto em algo dinâmico com a duração de um ano.
IS® – Portanto, no seguimento do sucesso do congresso decidem criar um portal que é o AIDSPortugal. Com que finalidade? Era um complemento do congresso, era algo diferente, qual o objectivo?
VB – Era um complemento do congresso. O congresso veio despoletar na nossa sociedade, quer em Portugal quer no estrangeiro, um série de reacções interactivas e de necessidade de informação à qual nos vimos na obrigação de dar continuidade. Assim apareceram as notícias, as traduções, os especialistas on-line e mais tarde o fórum, o chat, etc. Foi dada continuidade às solicitações que surgiram, inicialmente, do estímulo sentido no primeiro congresso, quer pelas leituras dos temas, quer pelo interesse e participação dos leitores nos fóruns temáticos.
IS® – Não estavam à espera de ter uma aceitação assim tão grande?
VB – Não, não estávamos à espera. Quer por parte da comunidade científica, quer pela parte médica, quer pelo pessoal de enfermagem, mais tarde alargada à população em geral e aos doentes.
IS® – Consegue ter alguma noção de quem frequenta esses congressos actualmente?
VB – Essencialmente profissionais de saúde, mas também, evidentemente, muitos doentes e pessoas que, não sendo, doentes, se preocupam de alguma maneira com a temática do VIH/SIDA e que vão colher informação ao nosso portal.
IS® – Depois de quatro congressos, qual é o balanço que se faz?
VB – O balanço é fortemente positivo. Demos a possibilidade a todas as pessoas que se interessam pelo VIH/
/SIDA em colocar os seus artigos, online, e permitimos que os seus conhecimentos e as suas experiências possam ser lidas, com toda a facilidade, em qualquer parte do mundo.
IS® – Mas é necessária alguma acreditação ou instrução para colocar os artigos online?
VB – É sim. Temos um conselho científico que analisa os artigos e dá a sua acreditação. Não temos a pretensão de cortar artigos. Agora, se aparecer um artigo de muito má qualidade nós somos, efectivamente, capazes de o retirar, falando com o autor, como acontece em qualquer congresso. Neste momento temos o V Congresso Virtual VIH/SIDA aberto e temos lá trabalhos de autores desconhecidos de Cuba e do Brasil. Iremos verificar se têm valor para a edição on-line e em papel.
«Não é preciso um grande orçamento para esta obra»
IS® – Todo este processo levou à criação da SIDAnet, uma organização sem fins lucrativos. No entanto, tudo isto tem custos, com pessoal, material, etc. De onde vêm os vossos apoios?
VB – Os únicos apoios financeiros que nós temos tido têm sido da Indústria Farmacêutica Temos apoios de parceria, desde a primeira hora, com a Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa e com o Hospital de Santarém, onde trabalho.
A Indústria Farmacêutica, na qualidade de sócia benemérita, tem-nos dado uma determinada importância, dentro do orçamento que nós temos. Aliás não são precisos grandes custos para uma obra desta envergadura. O nosso orçamento anual é de 70 mil euros. Com este dinheiro pagamos aos médicos que fazem as traduções, pagamos também a parte dos especialistas on-line, a área informática (dois técnicos de Informática) e conseguimos ainda pagar a edição do livro e do CD dos congressos. É com isto que nós trabalhamos. Queria lembrar que a edição em livro e CD de cada congresso é distribuída gratuitamente aos profissionais de saúde ligados ao VIH/SIDA e enviada para bibliotecas de instituições ligadas à Saúde, nomeadamente de Faculdades, Escolas de Enfermagem e algumas bibliotecas públicas.
IS® – Atendendo ao percurso percorrido até agora, se pudesse voltar atrás, fazia alguma coisa de diferente?
VB – Não fazia nada de diferente, mas gostava de ter um maior aproveitamento político de uma coisa que é de todos.
IS® – Sentem-se abandonados, politicamente falando?
VB – Abandonados não será a palavra certa. Sentimos falta de motivação política para este projecto... o que, sinceramente, lamentamos.
«A nossa população está muito desinformada»
IS® – A SIDA é cada vez mais multiétnica, multicultural, multietária, enfim cada vez mais transversal na sociedade. Acha que o uso das novas tecnologias pode ajudar a fazer passar a mensagem a mais pessoas?
VB – Através dos assuntos colocados no nosso fórum, através das perguntas feitas aos especialistas online, verificamos que, efectivamente, a nossa população está muito desinformada. E que acedem ao nosso sítio pessoas com as mais variadas características raciais, culturais e etárias, como pergunta. Temos sido portadores de uma informação altamente positiva, destinada quer ao cidadão comum quer ao profissional da saúde, acessível através de novas tecnologias que têm uma elevada relação entre informação gerada e retida. Isto é um facto que comprovamos no dia-a-dia, quer pela análise dos números e leituras dos textos, quer pelas solicitações directas e interactivas dos que acedem ao nosso portal.
IS® – Acontece frequentemente o virtual ser um caminho para o real? Isto é, através do sítio as pessoas contactarem com os especialistas para consultas, digamos, tradicionais?
VB – Todos os dias! Se lerem com cuidado o nosso fórum, as nossas perguntas e respostas aos seropositivos ou aos especialistas on-line verificam isso... e por isso gostávamos de pedir à classe política para as lerem. Eu tenho actualmente doentes na minha consulta que vieram através do portal. Nós cuidamos de algumas situações sensíveis através do nosso site. Pessoas que souberam que eram positivas, foram a Internet à procura de informação, descobriram o nosso site e encontraram alguém que conseguia conversar com eles. Mas mais, encontraram alguém que lhes dizia: «amanhã apareça que eu estou aqui»! E não sou só eu. O Dr. Eugénio Teófilo, o Dr. Rosas Vieira, a Dr.ª Maria José Manata, etc. Temos uma série de colegas a quem isso aconteceu.
IS® – Isso deve ser bastante gratificante...
VB – Sim, é muito gratificante. Temos tido pessoas que estão com situações bastante complicadas, sobretudo quando têm conhecimento da sua seropositividade, e a quem lhes conseguimos deitar a mão. Na sequência e pouco tempo depois da abertura do nosso chat fizemos um encontro de seropositivos, em Lisboa, num jantar, onde se conheceram pessoalmente. Já foram organizados vários encontros que têm sido uma oportunidade de troca de ideias, e uma possibilidade de falarmos um pouco da nossa vida, da vida do portal. Desabafam-se os problemas e assim nos vamos ajudando mutuamente. De um desses encontros nasceram os positivos on-line. Estas realidades são muito bonitas e altamente gratificantes para mim e para os que connosco colaboram.
«Não somos donos do SIDAnet, pertence a todos os portugueses»
IS® – Daqui para a frente, o que é que sente que faz falta ao site e à SIDAnet para ser mais forte?
VB – Em primeiro lugar, queria transmitir a ideia de que o site não é da SIDAnet, nem de ninguém em especial. O portal é dos portugueses e ultrapassa, pelas suas consequências práticas e sendo que é uma coisa pública, a ideia de posse de alguém. A entidade que o gere gostaria que o mesmo fosse considerado um projecto nacional, que o poder político se consciencializasse do valor do mesmo e assegurasse a sua continuidade dentro da nossa independência. Consideramos que este projecto é uma realidade que tem uma idoneidade e méritos próprios e uma enorme e comprovada importância para Portugal. Pensamos que as suas potencialidades nas áreas da prevenção e informação do VIH/SIDA deveriam ser ainda mais aproveitadas e implementadas em acções concertadas com outras entidades, de modo a que fossem atingidas, por uma informação positiva e verdadeira, o maior número possível de portugueses, numa luta que é de todos e em que todos devem participar.
IS® – Faz falta a Portugal e, se calhar, não só...
VB – Faz falta a Moçambique, por exemplo. Somos muito lidos em todos os países de expressão lusófona, quer por doentes, quer por profissionais de saúde que têm entrado em contacto directo connosco através do site. Sabemos da importância que temos além-fronteiras.
Internacionalmente, estamos associados ao AIDSMap. a The Body e ao HIVMedicine. Inicialmente começámos com um pedido de colaboração para tradução de um software para ajuda na medicação aos seropositivos. Posteriormente, fomos contactados para colaborar na tradução de artigos de apoio na área do VIH/SIDA a emigrantes portugueses a morar em Inglaterra e que ali tinham recorrido aos serviços de Saúde. Os nossos artigos são publicados em vários sítios internacionais, sobretudo no Brasil. Temos consciência da nossa importância a nível internacional e que a mesma terá tendência a crescer. Estamos creditados pela HON@code como entidade dedicada a assuntos de Saúde no espaço da Internet.
Texto: Rui Miguel Falé