Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 82 / Agosto de 2004
13 Radiografia Hospital de Dona Estefânia – «Pintar» sorrisos para as crianças
Já lá vão mais de 127 anos a tratar de crianças. Tudo começou com a rainha D. Estefânia, que ficou chocada com a situação das crianças portuguesas doentes e mandou construir o hospital. Agora, com o objectivo de proporcionar um internamento mais agradável, o HDE abre as suas portas aos pintores de sorrisos para que a fantasia entre e se devolva a infância e os sonhos aos meninos do Dona Estefânia.
Uma pintura original com animais e plantas, a suavidade das cores e a doçura dos desenhos, que suscitam a fantasia a miúdos e graúdos, encantaram a Dr.ª Karin Dias, directora do Serviço de Neurologia e coordenadora da Comissão de Humanização e Qualidade do Hospital de Dona Estefânia (HDE), logo no primeiro contacto que teve com o trabalho da Fundação Paint a Smile.
Karin Dias estava num congresso da sua especialidade, em Paris, quando reparou no logótipo da Fundação entre os stands de propaganda médica situados no espaço dedicado à Indústria Farmacêutica.
«Achei que era uma ideia muito interessante para o nosso hospital. Fiquei com o endereço electrónico deles e depois de ter falado com a administração do hospital e da ideia ter sido aceite, entrei em contacto com a Fundação», conta.
«O hospital sentia necessidade de fazer algo do género, mas não sabia como responder. Karin Dias encontrou a solução», realça o Dr. Mário Coelho, director clínico do HDE.
A ideia foi aceite por todos os membros da Direcção, sem excepção. Todos gostaram das fotografias de alguns projectos desenvolvidos pela Fundação que Karin Dias mostrou na reunião. De acordo com Mário Coelho, «para além de acalmar os miúdos, as pinturas encantam os adultos».
E porque se trata de uma fundação sem fins lucrativos, que oferece os seus serviços aos hospitais, trabalhando com mecenas e patrocinadores, era tempo de contactar as empresas que estivessem interessadas em proporcionar «um sorriso às crianças».
Para a angariação de patrocinadores, «a ajuda da SIC Esperança foi essencial. Tita Balsemão (responsável da SIC Esperança) ofereceu-nos a possibilidade de fazer a promoção do Paint a Smile e de angariar patrocínios», afirma Beatriz Aristimuño, coordenadora do projecto da Fundação Paint a Smile em Portugal.
Em Março deste ano, iniciaram-se as pinturas. «Sensibiliza-nos muito o apoio de algumas pessoas e de algumas empresas que, apesar das dificuldades económicas actuais, patrocinaram este projecto», afirma Mário Coelho.
A entrada do HDE, patrocinada pela Prodis Advisors SA, dá as boas vindas às crianças, que comentam os desenhos, ficando mais descontraídas e menos ansiosas com a ida ao hospital.
«As pinturas, para além de simpatia, criam empatia. Assim, são um veículo que permite ao hospital chegar mais perto dos miúdos, para que eles sintam que são bem-recebidos», refere o director clínico. E mais, «transportam-nos para dimensões e sentimentos que há muito tempo os adultos não sentem».
Pássaros, joaninhas, ratinhos, andorinhas, toupeiras e tartarugas são algumas das personagens do Paint a Smile, que têm como missão tornar o ambiente dos serviços, das enfermarias e dos corredores mais agradável e acolhedor. Além do aspecto lúdico das pinturas, os temas dos desenhos são educativos e interagem com as crianças.
«Antes de começarem a pintar as paredes da Enfermaria de Primeira Infância tivemos de reparar as paredes que estavam cheias de infiltrações. Só agora está a ser decorado», refere Karin Dias.
As obras foram pagas pela Nestlé Portugal, que também patrocinou a decoração da Enfermaria Geral de Pediatria. Já a Dyrup ofereceu as tintas para as obras de reparação.
«O Serviço de Segunda Infância está mais acolhedor, graças ao patrocínio da Dyrup», salienta Beatriz Aristimuño.
A decoração da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais foi oferecida pela Portugal Telecom (PT) e a dos Cuidados Intensivos Pediátricos pela Gilead Sciences Lda. A Europe Assistance ofereceu a decoração do corredor do Serviço de Obstetrícia.
Falta, ainda, referir que as pinturas das salas de Estomatologia, de alguns corredores, salas de gessos e de tratamentos do pavilhão das Consultas Externas foram presenteadas por uma pessoa anónima. As pinturas da sala de espera e das salas de Ecografia Pediátrica foram doadas por um particular.
Em Setembro, vai iniciar-se a decoração da Cirurgia Geral, oferecida pela Galp, do Bloco Operatório, patrocinado pelo BPI, do Serviço de Infecciologia, pelo Fundo Fundação Oriente/Johnson & Johnson para a Saúde e ainda do Serviço de Neurologia pela Sanofi-Synthélabo.
Ficam a faltar os Serviços de Otorrinolaringologia, de Pedopsiquiatria e a consulta de Imunoalergologia, que já têm patrocinadores em perspectiva.
Os pintores de sorrisos
«Gosto muito deste trabalho. Sou sempre recebida com sorrisos, pelas crianças, pelas enfermeiras, pelas pessoas que circulam nos corredores do hospital», afirma Vanessa Friang, uma pintora francesa de 27 anos, que trabalha há três para a Fundação Paint a Smile.
Ainda não tinha terminado o curso de Grafismo quando iniciou o seu primeiro projecto Paint a Smile, decorar as paredes de um hospital em Nice. Gostou tanto da experiência que resolveu continuar.
«Além de poder contribuir para transformar o internamento das crianças num ambiente colorido e propício para a fantasia, também tenho a possibilidade de viajar, de conhecer novos lugares e pessoas com culturas diferentes, já que a Fundação desenvolve projectos em vários países», refere Vanessa Friang.
Com a pintura os espaços tornam-se mais acolhedores, mas essencialmente «os desenhos desdramatizam determinados aparelhos», refere a pintora, explicando que, no consultório de Estomatologia, a planta desenhada na parede e no tecto criou a ideia de que os braços do aparelho são prolongamentos dos braços da planta, que nalguns movimentos se aproximam da criança sentada na cadeira de dentista.
No mesmo consultório pode ainda ver-se um hipopótamo muito simpático e sorridente a fazer higiene oral.
«O desenho distrai as crianças e, ao mesmo tempo, é pedagógico porque chama a atenção para a importância de se cuidar dos dentes», menciona Vanessa Friang.
Jerôme Cousin, 30 anos, começou a trabalhar no HDE há pouco tempo, mas já tinha desenvolvido outros projectos Paint a Smile. Nos últimos meses, esteve a trabalhar num centro para crianças com deficiência, em Atenas, onde proporcionou alguns sorrisos aos miúdos com os seus desenhos.
«Houve um menino que queria tanto pintar que resolvi dar-lhe uma parede “cheia de erva” para ele preencher a verde. Ficou radiante», conta o artista.
A Língua pode ser uma barreira que dificulta a comunicação entre os pintores e as crianças. Nesses casos, «as enfermeiras traduzem e os miúdos sempre que podem ajudam a escolher a flor, o bichinho ou a cor que preferem para completar o desenho», refere Vanessa Friang.
Antes de se iniciar a pintura de um serviço, há sempre uma reunião entre os pintores, a enfermeira-chefe e o director do respectivo serviço. Para os pintores esta reunião justifica-se porque daí vão nascer as ideias para decorar as paredes. É importante que os desenhos se enquadrem no contexto do serviço ou que disfarcem a existência de determinado objecto, por exemplo, um extintor, que pode «chocar» de algum modo com o ambiente.
Actualmente, estão seis pintores no HDE. «São todos muito discretos, não fazem barulho enquanto pintam e são muito arrumados», diz Karin Dias.
Estas são características essenciais para fazer parte do projecto, porque os hospitais e os serviços não podem parar para se fazerem as pinturas. Outro aspecto relevante é o facto «das tintas utilizadas não deitarem cheiro e de serem laváveis», explica esta responsável.
Em Setembro, duas pintoras portuguesas vão começar a trabalhar neste projecto Paint a Smile, no HDE. Mas primeiro as duas «pintoras de sorrisos» portuguesas ainda vão ter de receber formação, só depois integram o projecto.
«Nem todos os pintores têm capacidade para trabalhar num hospital, convivendo diariamente com o choro e o sofrimento de crianças», afirma Beatriz Aristimuño, acrescentando:
«É preciso amar muito as crianças para conseguir pintar algo que as faça sentir melhor.»
Nota: Os desenhos publicados nesta reportagem estão protegidos por Copyright Paint a Smile 2004.
A Fundação Paint a Smile
Uma experiência traumatizante num hospital levou Laura Cotton a desejar mudar o ambiente hospitalar, para que no futuro ninguém, principalmente as crianças, tenha de enfrentar um internamento numa unidade hospitalar tão fria e impessoal.
Partindo desta ideia, Laura Cotton criou a Fundação Paint a Smile. Uma instituição suíça, sem fins lucrativos, que tem como objectivo transformar o internamento das crianças num ambiente colorido de fantasia.
Em Portugal, o primeiro projecto Paint a Smile está a decorrer no Hospital de Dona Estefânia, onde as crianças internadas ou em tratamento podem desfrutar de um ambiente mais acolhedor.
Entretanto, está já a ser equacionado um segundo projecto no nosso País, sendo o Hospital Maria Pia a próxima unidade hospitalar portuguesa a receber os Pintores de Sorrisos.
A História do HDE
O Hospital de Dona Estefânia recebeu o nome da rainha que o promoveu. Recém-chegada a Portugal, após casar com o rei D. Pedro, Dona Estefânia ficou impressionada com as condições económicas e sanitárias que encontrou.
Natural de Hohenzollern-Sigmaringen, na Alemanha, e tendo vivido vários anos na Suíça, Dona Estefânia estranhou o estado de pobreza e de abandono em que encontrou as crianças portuguesas. Sensibilizada, resolveu criar uma enfermaria destinada exclusivamente às crianças, para tal oferecendo o seu dote.
O seu marido, D. Pedro, aceitou desde logo a ideia e para o efeito foi disponibilizada uma parte da Quinta do Paço Real da Bemposta, a chamada Quinta Velha.
Este foi o primeiro edifício construído e concebido desde início para o funcionamento de um hospital, em Lisboa. A rainha nunca chegou a ver o seu sonho concretizado porque morreu alguns meses depois do casamento. O rei não esqueceu a sua vontade e no ano seguinte iniciava-se a construção.
No dia 17 de Julho de 1877, o hospital era inaugurado. Para a época, um dos mais notáveis da Europa e destinado exclusivamente a crianças.
Apesar de ter admitido durante algum tempo adultos, actualmente funciona quase exclusivamente como hospital pediátrico, embora integre um edifício separado onde funcionam serviços de Ginecologia e Obstetrícia e outro onde está inserido o Serviço de Imunoalergologia, serviço que também atende adultos em regime de consulta. O HDE tem pessoal especializado nas mais diversas áreas ligadas à Pediatria.
Inquéritos:
Cristina Figueiredo,
34 anos,
directora financeira
1) Porque veio a este hospital?
Vim por indicação da pediatra dele (Tomás).
2) O que acha do projecto «Paint a Smile»?
Acho que é uma boa iniciativa. No serviço onde o meu filho está as paredes são cremes mas têm alguns quadros e os miúdos apontam muito para eles.
3) Gosta dos desenhos?
Ainda não vi os desenhos, mas o facto de ter cores mais alegres é muito bom para as crianças.
Carla Rainha,
28 anos,
enfermeira
1) O que acha do projecto «Paint a Smile»?
Acho que é uma experiência muito positiva. É agradável entrar num espaço com mais vida, o que também estimula os miúdos.
2) Gosta dos desenhos?
Sim. As crianças estão habituadas a ter bonequinhos na creche e no hospital também faziam muita falta.
3) A sua filha faz algum comentário sobre os desenhos?
Sim. Quando entramos no hospital aponta para as árvores da entrada e aponta para os ratinhos e para a «senhora enfermeira» do desenho.
Texto: Cláudia Marcelos
Fotos: Ricardo Gaudêncio