Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 117 / Julho de 2007
49 Especial - Desporto pode ser causa de incontinência urinária
«A incontinência urinária (IU) é a perda involuntária de urina, sendo uma doença considerada pela Organização Mundial da Saúde como importante a nível de Saúde Pública, porque tem uma prevalência relevante, um grande impacto psicossocial e custos económicos elevados.»
Esta afirmação é da responsabilidade da Dr.ª Teresa Mascarenhas, presidente da Secção de Uroginecologia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia. Proferiu-a durante a apresentação de um estudo desenvolvido pela Spirituc-Investigação Aplicada.
«Sabemos que cerca de 30% das mulheres portuguesas poderão apresentar queixas de incontinência urinária. Para aquelas com mais de 65 anos, o valor pode ascender aos 40% e, se estão institucionalizadas em lares da 3.ª idade, aos 50%», disse aquela responsável, continuando:
«São valores muito elevados, por isso não é de estranhar que seja uma doença considerada de extrema importância e que obriga ao desenvolvimento de estudos que expliquem o porquê da sua existência e quais os factores de risco associados.»
O estudo em causa foi solicitado pela TENA, no sentido de dar seguimento ao programa «Informar para melhor viver», que visa apoiar a comunidade médica e a população portuguesa na criação de mais e melhor informação sobre o impacto da IU.
Denominado «Incontinência urinária e Desporto – Associação e preconcepções», revela as percepções das portuguesas sobre esta doença, incidindo no desporto como factor de risco.
De acordo com Teresa Mascarenhas, «os principais factores de risco da IU são a gravidez e o parto. Porém, é uma patologia multifactorial. O aumento crónico da pressão intra-abdominal, a obesidade, algumas enfermidades, profissões que exijam grandes esforços e a prática de algumas modalidades desportivas são igualmente factores de risco».
E ressalva: «Não está muito difundido que o desporto pode ser uma das causas da incontinência. Não queremos passar a mensagem de que a mulher não deva praticar desporto, pelo contrário, os benefícios do desporto não são postos em causa. Convém salientar que o desporto por si só não origina a IU. Há, sim, desportos mais susceptíveis de a provocar ou de a agravar.»
Resultados do estudo
Os resultados do estudo «Incontinência urinária e Desporto – Associação e preconcepções» foram apresentados pelo Dr. Vítor Cavaco, sociólogo e responsável pela Spirituc.
A metodologia baseou-se em duas amostras distintas. A amostra geral, constituída por 353 mulheres portuguesas com idade compreendida entre os 25 e os 65 anos, com prática activa ou passada de alguma modalidade desportiva. Quanto à amostra incontinente, é constituída por 207 mulheres incontinentes, das mesmas faixas etárias e também com prática activa ou passada de desporto.
«O estudo pretende dar resposta a questões fundamentais, nomeadamente quais são as práticas desportivas actuais das portuguesas, incontinentes e não incontinentes, qual o conhecimento detido em relação às causas da incontinência e qual o impacto deste conhecimento, se a IU é associada ao desporto e quais as actividades desportivas percepcionadas como tendo maior potencial de agravar situações de incontinência», informou Vítor Cavaco.
Mais de metade das inquiridas (58,5%) que sofrem de IU pratica alguma modalidade desportiva. Entre a população feminina em geral, as praticantes activas atingem os 70%. Apesar de as mulheres não incontinentes terem maior expressão como praticantes de desporto, aquelas que sofrem de perdas de urina que praticam presentemente desporto fazem-no com uma frequência superior, isto é, cerca de 90% afirmaram fazê-lo diariamente ou várias vezes por semana.
A caminhada é a actividade com mais simpatizantes na amostra, sendo praticada por 63,1% das incontinentes e por 46,1% das mulheres da amostra geral.
No que diz respeito às concepções e preconcepções face à IU, 76,1% das inquiridas afirmaram conhecer ou já ter ouvido falar de incontinência, sendo que 55% apontaram os media como principal veículo de conhecimento e 33% disseram ter adquirido contacto com a incontinência por conhecer pessoalmente alguém com a patologia.
Como causa, é consensual a atribuição do problema as fraquezas musculares do complexo bexiga-uretra-pavimento pélvico decorrentes do envelhecimento. Porém, as incontinentes referiram ainda o pós-parto e/ou a gravidez.
Relativamente às crenças face à relação entre incontinência urinária e desporto, Vítor Cavaco avançou que, «apesar de o fazerem de forma pouco expressiva, as mulheres incontinentes reconhecem com maior intensidade a relação entre o desporto e as perdas de urina. Assim sendo, 32,4% das incontinentes, contra 16,4% das pertencentes à amostra geral, sabem que certos desportos poderão potencializar perdas de urina».
A musculação, a equitação, o ténis, o atletismo e o ciclismo são as modalidades apontadas como principais causadoras de IU por ambas as amostras. Já o jogging, a dança, a natação, a caminhada, a hidroginástica e o golfe são mencionados como desportos não potenciadores de incontinência.
«Cerca de 35% das mulheres com IU já experimentaram fugas durante ou após a prática de uma actividade desportiva. Perante estas, a maioria opta por usar protecções específicas para as fugas e mantém a actividade, sendo que 5,6% das incontinentes afirmaram ter abandonado a prática desportiva após as perdas de urina», concluiu aquele sociólogo.
Solução eficaz e preventiva
A fraqueza muscular do períneo, decorrente de vários factores (envelhecimento, gravidez, parto, etc.), está na génese de inúmeros casos de incontinência urinária. Contudo, pouco se sabe acerca dos músculos em questão. Aliás, segundo o estudo, entre a amostra de incontinentes, 23% dizem saber o que é o períneo, contra 77%, que afirmam nunca ter ouvido falar; na amostra geral, 28% conhecem e 71% desconhecem estes músculos.
Na opinião da Dr.ª Teresa Mascarenhas, presidente da Secção de Uroginecologia da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, «os profissionais de saúde devem ter a consciência que as mulheres devem ser orientadas no sentido de reforçar a força muscular dos músculos pélvicos, através de exercícios de reeducação do períneo. Será importante para prevenir e em alguns casos curar a IU».
«Esta área tem vindo a ser muito desenvolvida a nível mundial», continuou, «há novas abordagens de diagnóstico e de tratamentos (cirurgias cada vez menos invasivas, com êxitos que rondam os 90%, tratamentos de ambulatório, novos fármacos, etc.)».
«São diversas as soluções e protecções que podem ser oferecidas às senhoras e mudar-lhes a qualidade de vida. Mas deve-se recorrer ao médico logo após as primeiras perdas de urina, para que possam ser oferecidos esquemas terapêuticos mais simples. Por exemplo, se a reeducação muscular for feita atempadamente, com facilidade se previnem situações que podem surgir mais tarde», acrescentou esta médica, que considera de extrema importância o impacto psicossocial na qualidade de vida das mulheres incontinentes.
Texto: Sofia Filipe