Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 117 / Julho de 2007
33 Dossiê - O mundo desconhecido da Podologia
A quem recorre quando tem um problema com a sanidade dos seus pés?
Por dia, damos milhares de passos, o que equivale a alguns quilómetros, em condições adversas, com sapatos fechados e apertados, uma situação nada amigável. Quando os pés têm um problema, nada melhor do que consultar um especialista para o ajudar. Apesar de ser uma especialidade ainda bastante recente no nosso País, a podologia está em franca expansão.
De acordo com o Dr. Manuel Azevedo Portela, presidente da Associação Portuguesa de Podologia (APP), «o pé é um órgão digno de respeito, atenção, investigação, diagnóstico e tratamento especializado, consoante as patologias que o afectam. No entanto, é ainda visto como um anexo. Talvez por estar tapado a maior parte do tempo, ou porque tem um cheiro característico, normalmente não lhe é dada muita atenção, até à altura em que se depara com algum problema».
Muitas pessoas podem associar automaticamente os problemas dos pés com a ortopedia, em casos de problemas de mobilidade, com a dermatologia, em casos de situações que envolvam calosidades, ou outras relacionadas com inchaços, edemas, etc. Com a podologia, é o próprio pé que está em avaliação.
«Do ponto de vista dos podologistas, as lesões dos pés são alvo de um estudo minucioso, com o estabelecimento de prioridades de tratamento de acordo com a sua causa e factores associados, como a idade do paciente e a sua actividade, de modo a proporcionar-lhe uma recuperação correcta e a evitar as indesejáveis repetições das patologias. O tratamento podológico é personalizado e nunca estandardizado, pois ninguém possui pés iguais» defende Manuel Portela.
A verdade é que a podologia encara o tratamento do pé como um todo, não querendo com isso sobrepor-se a outras especialidades já existentes. O ideal mesmo é associar-se em equipas multidisciplinares, tal como já sucede em algumas unidades hospitalares do nosso País, ou estruturar consultas de podologia.
«Existe já, em alguns hospitais, a consulta de Podologia. No Centro Hospitalar do Alto Ave – Guimarães e no Hospital de Valongo, a consulta está mesmo associada ao único instituto que lecciona o curso de Podologia em Portugal – Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU). Também no Hospital Geral de Santo António e Hospital de São João, ambos do Porto, e no Centro Hospitalar do Alto Minho, em Viana do Castelo e Ponte de Lima, se tem apostado na Podologia, com uma maior dedicação à área do pé diabético», esclarece Manuel Azevedo Portela.
A podologia e a integração multidisciplinar
Seguindo o exemplo do que acontece noutros países, também nós por cá começamos, cada vez mais, a apostar em integrar a Podologia em equipas multidisciplinares. Um exemplo vivo dessa situação é a Dr.ª Maria Clara Santos, que dá consultas de podologia desde 2000 e, desde Janeiro de 2005, é parte integrante de uma equipa de várias especialidades no Centro Hospitalar do Alto Minho, em Viana do Castelo.
«A minha área de intervenção está mais relacionada com o pé diabético. Faço parte de uma equipa com dois endocrinologistas, duas internistas, uma ortopedista, uma cirurgiã, uma nutricionista e três enfermeiras. Depois de mais de dois anos nesta equipa, só posso dizer que estou perfeitamente integrada com os outros elementos», começa por esclarecer a podologista.
É um caso de êxito em que todos sabem perfeitamente qual o seu campo de intervenção e em que o principal beneficiado é o próprio doente, que vê, no caso do pé, muitas situações serem tratadas preventivamente, evitando complicações graves que, em casos extremos, podem resultar na amputação.
«O nosso responsável pela consulta de Diabetologia, Dr. Pedro Melo, endocrinologista com conhecimentos e experiência de como estão organizadas estas consultas noutros países e onde a podologia está muito mais difundida, sempre achou importante ter um podologista na consulta. O que acontece, no caso específico do pé diabético, é que o doente perde frequentemente a sensibilidade periférica e muitas vezes também apresenta alterações da circulação.
O papel do podologista é aconselhar o paciente em questões tão abrangentes como a higiene do pé, o cortar das unhas, a escolha do calçado ou outros conselhos práticos do dia-a-dia, pois, devido à falta de sensibilidade, o doente pode estar a causar uma lesão e nem sentir», esclarece Maria Clara Santos.
No entanto, e apesar do pé diabético ser, dentro da Podologia, uma das enfermidades mais graves, existem muitas outras doenças onde esta especialidade pode fazer todo o sentido, quer numa vertente preventiva, quer na optimização de tratamentos.
A este propósito, a podologista refere que «há muitas outras áreas onde a podologia seria bem enquadrada. Em todas as patologias que provocam alterações no pé, faz sentido ter um podologista presente, como, por exemplo, nas doenças reumatológicas (inflamatórias ou degenerativas), nas alterações biomecânicas, nas dermatológicas (como onicomicoses e dermatomicoses), aqui também podemos ter um papel interessante a desempenhar, pois são infecções oportunistas muitas vezes associadas à baixa imunidade e que surgem frequentemente no pé diabético», refere, acrescentando:
«Além da vertente de tratamento, também podemos desempenhar um papel de relevo na prevenção. Podemos realizar exames vasculares para avaliação do fluxo sanguíneo periférico, podemos determinar se existe ou não diminuição das sensibilidades através de exames neurológicos e muito importante também é determinar a predisposição dos pacientes para alterações biomecânicas do membro inferior.».
O conceito de pé de risco
De acordo com a Dr.ª Helena Castro Grenha, podologista, «a podologia no pé de risco dedica-se ao tratamento preventivo e curativo das lesões dos pés nos doentes com patologias de risco, tal como o pé diabético, que apresentam neuropatia e angiopatia. Todos os pacientes que, por apresentarem lesões vasculares e/ou neuropáticas, possuem um risco elevado para o aparecimento de lesões localizadas no pé, lesões essas que, sem tratamento correcto e atempado, podem complicar-se e evoluir para situações bastante graves, chegando mesmo, em casos extremos, à amputação».
No entanto, e tal como o tratamento na podologia nunca é estandardizado, cada caso deve ser avaliado individualmente.
«As complicações a que o doente está sujeito dependem muito da patologia que está associada. O pé do doente diabético é um exemplo de pé de risco que aparece com muita frequência devido ao elevado número de doentes diabéticos existentes actualmente. Neste caso específico existem factores que levam a uma perda de sensibilidade ao nível do pé (polineuropatia), associada a alterações vasculares e imunitárias. Este conjunto de fenómenos leva a uma insensibilidade progressiva perante uma lesão, permitido uma evolução rápida e silenciosa. As alterações do sistema vascular associadas a uma diminuição do sistema imunitário levam a um risco acrescido de infecção», esclarece a podologista.
Neste tipo de doentes, é de extrema importância realizar consultas de reavaliação periódicas, mesmo que não existam lesões dérmicas. As alterações estruturais do pé que comprometem uma correcta funcionalidade são muito frequentes. É fundamental compensar ou corrigir estas alterações para evitar o aparecimento de lesões tróficas.
Para Helena Castro Grenha, «doentes de risco recorrem com muita frequência à podologia para avaliar uma possível alteração estrutural do pé, a qual, sem qualquer compensação ou correcção, leva ao aparecimento de lesões nas zonas onde é aplicada maior pressão. Se não for aplicado um tratamento eficaz podem acontecer situações de grande complexidade que, em muitos casos, podem permanecer anos em tratamento».
No caso específico da podologia de risco, em que poderemos ter sob avaliação várias situações ao mesmo tempo, ter a presença de alguém que se dedica ao pé em particular pode ser uma grande vantagem.
Segundo a podologista, «enquanto outras especialidades têm de se debruçar a questões muito mais abrangentes de determinadas doenças, ter a presença de um podologista que se dedica exclusivamente ao pé, em situações de risco, pode revelar-se uma mais-valia importante. O ideal nestes casos é trabalhar em equipas multidisciplinares, numa vertente preventiva e curativa. A podologia como ciência na área de saúde preenche uma lacuna importante com resposta positiva para este tipo de doentes».
II Congresso Nacional da Associação Portuguesa de Podologia
O ano passado, realizou-se na Torre do Tombo, o 1.º Congresso Nacional da Associação de Podologia, enquanto decorria, simultaneamente, o 8.º Congresso Europeu de Podologia. No mês de Julho, dias 20 e 21, vai decorrer a 2.ª edição do Congresso da APP, no Hotel Vermar, na Póvoa do Varzim.
De acordo com o Dr. Manuel Azevedo Portela, presidente da Associação Portuguesa de Podologia (APP), «o II Congresso Nacional da Associação Portuguesa de Podologia pretende promover a dinamização e o crescimento da Podologia entre as diferentes vertentes do conhecimento na área da Saúde Humana. A inovação dos métodos e técnicas na área da Podologia devem ser motivo de reunião científica para uma melhor aquisição de conhecimentos e competências dos podologistas», refere, acrescentando:
«É uma oportunidade única de muitos jovens se reunirem porque somos uma profissão muito jovem, onde há procura para a nossa especialidade. É uma continuidade do nosso trabalho em fazermos da Podologia o que queremos que ela seja».
Apesar de existir desde 1994, esta especialidade na área da saúde ainda é desconhecida de muita gente, mas, acima de tudo, do público em geral.
Texto: Rui Miguel Falé
Fotos: Ricardo Gaudêncio