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Artigo de Medicina e Saúde®

Nº 115 / Maio de 2007






42 «A Paródia da Incontinência» - Duas Sociedades Científicas fazem abordagem humorística à incontinência urinária
«Ela faz o que quer, às horas que quer e até dita a roupa que visto.» É desta forma que a Vera se queixa ao Dr. Macedo sobre o comportamento da sua bexiga. Comportamento este que a atormenta e condiciona no dia-a-dia.

Calcula-se que a nível mundial existam 60 milhões de pessoas com o mesmo problema desta personagem com pouco mais de trinta anos. Chama-se incontinência urinária (IU) e, na maioria dos casos, é tratável.

A dimensão de tal problemática motivou a criação de uma efeméride, assinalada todos os anos. Este ano contou com a participação de Vera, cuja história subiu ao palco do Auditório do Padrão dos Descobrimentos, no Dia da Incontinência Urinária (14 de Março). Um médico urologista, outra paciente e uma recepcionista acompanharam-na nesta divertida, humorística e bastante irónica peça de teatro.

A sala de espera do consultório do Dr. Macedo, o seu gabinete, um café e uma simples rua são os cenários onde as personagens divertidamente conversam sobre o impacto da IU no quotidiano e os tratamentos disponíveis.

Vera usa fraldas, mas Verónica, uma advogada «quarentona», já não as utiliza. Optou por ser submetida a uma cirurgia e, devido à sua eficácia, aconselha a amiga a fazer tal intervenção. Há, ainda, tempo para uma disputa pela atenção do médico, que está prestes a divorciar-se. No final, é caso para se dizer que houve «happy end», em relação à incontinência urinária e a algumas paixões...

A hilariante comédia foi baptizada A Paródia da Incontinência, tendo sido levada ao histórico Padrão pela mão da Associação Portuguesa de Urologia (APU) e da Associação Portuguesa de Neuro-urologia e Uroginecologia (APNUG).

Falar sem preconceito

A nível cultural, de um modo geral, entre os povos latinos, há uma certa vergonha e um fatalismo associado a uma situação considerada normal no envelhecimento. Ou seja, o aparecimento de incontinência urinária. Desta forma, são muitos os que se adaptam, limitando um sem-número de movimentos e actividades do dia-a-dia. Encaram, pois, a doença como se fosse um fado.

Mas as duas associações envolvidas na comemoração do Dia da Incontinência pretendem contribuir para a mudança de mentalidades. Afinal, esta patologia atinge homens, mulheres, adultos, crianças e idosos, sendo mais incidente no público feminino e nos idosos.

A ideia de realizar uma peça de tea­tro partiu do presidente da Associação Portuguesa de Neuro-urologia e Uroginecologia.

«Temos de nos socorrer de alguma imaginação. Por exemplo, algumas entidades organizam minimaratonas para chamar a atenção do público. Nós próprios, noutros anos, organizámos passagens de modelos com idosas para demonstrar que a juventude hoje é mais prolongada e que tem de se manter a qualidade de vida e dar importância a doenças como a incontinência urinária», comenta o Dr. Paulo Vale, urologista e mentor da peça A Paródia da Incontinência.

«Sabemos que é frequente as mulheres sentirem-se embaraçadas, por isso omitem ao seu médico. Muitas pensam que se trata de um problema só delas e que mais ninguém o tem, pelo que acabam por se diminuir a nível social e profissional», diz o Dr. Francisco Rolo Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Urologia (APU) e chefe de serviço nos Hospitais da Universidade de Coimbra.

«Só através de acções de sensibilização para o grande público é que a população tem acesso à informação. Neste caso, quem sofre em silêncio, porque não procura auxílio médico, certamente, ficará a saber que o seu problema tem solução, irá perder a vergonha e falar com um clínico», opina Francisco Rolo Oliveira, frisando que «é do conhecimento da APU que nem 10% das pessoas afectadas por IU se queixam ao médico».

Para Paulo Vale, «esta peça de teatro deverá contribuir para que se aborde o tema sem preconceitos, porque é uma forma diferente, actual e divertida de explicar o que é a incontinência urinária e as suas consequências no quotidiano de duas mulheres ainda activas social e profissionalmente».

Além do mais, o presidente da APNUG considera que o teatro sempre foi, ao longo dos tempos, uma forma superior de expressão. Assim, nas suas palavras, «será uma forma rebuscada, engraçada e diferente de transmitir a mensagem de que a IU é um problema que não pode ser descurado e que tem tratamento».

«As pessoas devem entender que perder urina involuntariamente não é normal e que é uma situação que tem de ser investigada. Em primeiro lugar, devem preocupar-se em falar com o seu médico de família para, depois, serem orientadas», alerta Paulo Vale.

Outras actividades

Além da promoção da referida efeméride, a APU e a APNUG desenvolvem muitas outras iniciativas, algumas das quais
relacionadas com a incontinência urinária.

Criada em 1923, a Associação Portuguesa de Urologia é uma sociedade científica, que congrega os médicos que se interessam pelo estudo das doenças do aparelho urinário masculino e feminino, bem como do aparelho genital masculino.

Relativamente à incontinência urinária, Francisco Rolo Oliveira diz que «uma das funções da APU é divulgar quais os tratamentos existentes não só junto dos especialistas como também ao público em geral. A Urologia tem tido uma evolução considerável e hoje há novas técnicas que permitem tratar a IU mais rápida e economicamente».

Já a Associação Portuguesa de Neuro-urologia e Uroginecologia é igualmente uma sociedade científica que surgiu, em 1998, com a necessidade de congregar várias especialidades relacionadas com a IU. Desde então tem organizado diversas actividades, tais como reuniões, cursos e, entre outras, formações a técnicos de saúde.


Tipos de incontinência urinária

Incontinência de esforço: a perda de urina costuma acontecer em simultâneo a actos como espirrar, tossir, rir ou correr. Na mulher aparece como consequência da gravidez e do parto e no homem, regra geral, deve-se a cirurgias à próstata.

Bexiga hiperactiva: nestes casos, surge uma vontade repentina para urinar e associada à vontade acontecem perdas urinárias, devido a contracções involuntárias do músculo da parede da bexiga (detrusor).

Incontinência por regurgitação: é, por norma, provocada pela retenção crónica de urina, sendo que a bexiga está sempre acima do limite de capacidade. Pode assemelhar-se ao transbordar de um reservatório. Há, pois, um gotejar urinário frequente.

Incontinência total: o indivíduo deixa de ter micções normais, havendo uma perca total de urina sem que ocorra um factor ou sensação específico.

Enurese nocturna: afecta, normalmente, as crianças e caracteriza-se pela perda involuntária e inconsciente de urina durante o sono.


Texto: Sofia Filipe
Fotos: Celestino Santos

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