Para muitas pessoas, ainda é difícil ultrapassar o preconceito ligado à deficiência auditiva.
Mas quem é atingido por este problema não deveria envergonhar-se, tal qual como aqueles que não têm vergonha de ser míopes. A deficiências auditiva está a aumentar entre os jovens e é necessário alertar para as medidas de prevenção.
Tudo isto pode acontecer à nascença, devido a diversas patologias ou simplesmente com a idade. Os dados do
National Institute for Deafness and Other Communication Disorders, dos Estados Unidos, indicam que em cada 1000 pessoas com menos de 18 anos, há 17 com perda auditiva. Algo que também se estende a 30% dos indivíduos com mais de 65 anos, contemplando ainda 40 a 50% com mais de 75 e 90% das pessoas com mais de 80 anos.
O envelhecimento não é a única explicação para o crescimento dos problemas auditivos. Os níveis de poluição sonora também cresceram e, entre os jovens, registam-se abusos que põem à prova a resistência do ouvido. Um paradigma é o uso generalizado de leitores de mp3 e auscultadores, fáceis de adquirir e transportar para todo o lado. «Os jovens também vão às discotecas cada vez mais cedo. E não há grandes diferenças entre os que são da aldeia e os da cidade, regra geral. O número de pessoas com deficiências auditivas vai aumentar brutalmente nos próximos anos», salienta a Dr.ª Catarina Korn, audiologista.
Esta especialista considera que o número de jovens com problemas de audição está a subir. A frequência de discotecas em idades precoces é um fenómeno que prolifera entre os mais novos. «É verdade que, na grande percentagem destes espaços, a admissão apenas é permitida a maiores de 18 anos, mas isso nem sempre é cumprido à risca. Vêem-se crianças com 15 e 16 anos, que vão às discotecas todos os fins-de-semana e lá permanecem horas a fio, expostas ao ruído», afirma a audiologista.
Perigo de surdez
Um dos sinais de perigo e de iminência de perda auditiva acontece precisamente à saída daqueles espaços de diversão nocturna. «Toda a gente já sentiu isso: o zumbido ou ainda a sensação de ouvidos entupidos. Isso é o primeiro sinal de surdez. Normalmente é recuperável, ao fim de 24 horas». A isso chama-se uma perda auditiva temporária. Mas, ao fim de vários episódios destes, a audição já não volta ao normal.
Isto quando não acontece uma perda auditiva repentina (também chamada surdez súbita). «Quando há um estrondo mais forte, como numa explosão ou tiroteio, ou numa discoteca, se a pessoa fica a dançar junto à coluna de som, pode não recuperar», considera Catarina Korn.
A perda auditiva por excesso de ruído é provocada pela lesão e inutilização de células sensoriais no ouvido interno. As células ciliadas são responsáveis pela tradução das ondas sonoras em impulso nervoso e quando essas ficam danificadas estamos perante um processo irreversível. A intensidade dos sons começa a diminuir e deixa-se de ouvir algumas frequências, impedindo a compreensão da fala.
No dia-a-dia, o indivíduo dificilmente se apercebe do momento em que começa a perder a capacidade auditiva. Se falarmos particularmente em crianças, pode acontecer que passem por distraídas, irreverentes ou que ouvem apenas aquilo que lhes interessa.
«As pessoas não dão conta que ouvem mal. E não mandam repetir determinada frase que lhes é dirigida exactamente pelas mesmas razões. Se uma criança está na aula, o professor começa a falar, as outras ouvem mas ela não, não manda repetir porque não escutou. A lógica é simples. Isso acontece com os adultos também», salienta a audiologista.
Dr.ª Catarina Korn
Ouvir, mas não entender
A surdez afecta a comunicação e provoca isolamento. A frase mais típica de alguém que começa a perder as capacidades é esta: «Oiço, mas não entendo, os outros é que não falam bem».
Os sons agudos na linguagem falada correspondem às consoantes. «Imagine-se o que é ler um texto sem as consoantes? Quando se está a conversar com alguém e apenas se ouvem as vogais, a compreensão do que as pessoas estão a dizer dá-se pelo sentido. E às vezes tal é impossível em determinadas situações. Se as pessoas já de si não ouvem as consoantes, porque são menos intensas no som que transmitem, quando se encontram num local onde está muita gente a falar ao mesmo tempo, o barulho de fundo são vogais. As pessoas que ouvem mal os sons agudos – consoantes – não percebem nada quando existe barulho de fundo», explica Catarina Korn.
No entanto, não sentem que têm surdez, que possuem uma deficiência, porque até ouvem bem os sons graves mesmo de baixa intensidade e recusam reconhecer que talvez precisem de um aparelho auditivo. «Há essa tendência para a negação, até porque esses aparelhos são imediatamente associados à idade. E ninguém pretende ser velho.
Antigamente, as pessoas com 50 e 60 anos eram consideradas velhas e acomodavam-se a esse facto. Hoje em dia já não é assim. Com 70 anos uma pessoa quer ser activa, quer viajar por exemplo, quer estar bem, gozar a plenitude da vida sem que haja conotação com a velhice», sublinha a audiologista.
Por outro lado, diz Catarina Korn, a partir da sua experiência profissional, «a primeira preocupação das pessoas quando vêm à clínica não é tanto em saírem daqui a ouvir melhor mas sim se o aparelho auditivo é visível. Muitas vezes só ao fim de alguns meses de utilização, a estética deixa de se sobrepor à saúde».
Aparelhos auditivos: escondidos ou eficientes?
Por isso, esta audiologista defende aparelhos não cada vez mais pequenos, mas cada vez com maior valor estético. «Se eles se transformarem num objecto útil e agradável e se a falta de audição for aceite como algo normal e banalizado, sem que passe a imagem do coitadinho que está velho e usa aparelhos, passaremos a entender as coisas como se estivéssemos perante alguém que usa óculos. Estes tornaram-se não só em objectos normais, mas também objectos de moda!»
No entanto, as pessoas que começam a usar aparelhos auditivos, sentem-se imediatamente olhadas com estranheza. Mas essa ideia não pode ser estabelecida de um dia para o outro. Catarina Korn admite que haverá um longo caminho pela frente, no que concerne às mudanças de mentalidades. Mas acredita que, «quanto mais pessoas aceitarem, menos tabu existe em relação a este tema».
Há aparelhos auditivos hoje em dia para vários gostos, na forma e nas cores que apresentam. A maior parte das pessoas escolhe a cor do cabelo, para disfarçar. Mas há os azuis, os verdes, os amarelos e mesmo uma cor pouco discreta como o vermelho.
Os modernos aparelhos auditivos demonstram capacidades ajustáveis às necessidades de cada um. Possuem por exemplo a capacidade de amplificar algumas gamas de sons e diminuir outras conforme os diferentes ambientes sonoros.
«Antigamente, as pessoas só punham aparelhos auditivos em desespero de causa, porque eles amplificavam tudo, o que originava situações de desconforto, mais do que propriamente ajudar. Actualmente, conseguimos ajustá-los a todas as perdas auditivas por muito pequenas que sejam», diz a audiologista.
A tecnologia disponível chega ao ponto de ter programas diferenciados para cada circunstância. Escutar um concerto, atender uma chamada telefónica, estabelecer uma conversa em ambiente ruidoso, como por exemplo num restaurante, ver televisão em casa, enfim, o aparelho auditivo adapta-se ao estilo de vida de quem o usa.
MALEFÍCIOS DA EXPOSIÇÃO AO RUÍDO
- Perda auditiva irreversível
- Stress
- Aumento da tensão arterial; hipertensão
- Distúrbios: descanso, sono e fadiga
- Isolamento ou interferência com actividades sociais
- Absentismo no trabalho
- Dificuldades de comunicação
- Afecta a aprendizagem e educação
Texto: David Carvalho