Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 108 / Setembro de 2006
50 Saúde masculina - Tumor da bexiga: três vezes mais frequente no homem
Excluídas as doenças malignas de origem cutânea, «o cancro da bexiga é o 4.º cancro mais comum no homem e o 8.º na mulher. Se nos reportarmos ao aparelho urogenital, é o 2.º mais frequente, logo depois do cancro da próstata», indica o Dr. Paulo Corceiro, urologista do Hospital Distrital de Santarém.
Relativamente à distribuição por sexo e idade, o mesmo médico afirma que «é cerca de três vezes mais frequente no sexo masculino e a sua incidência aumenta com a idade, sendo particularmente mais alta após os 60 anos e extremamente rara antes dos 40».
O especialista salienta ainda que o cancro da bexiga constitui «um paradigma da Oncologia, porque quase todos os tumores malignos são mais agressivos em doentes jovens. Neste caso, é ao contrário, pois, quanto mais jovem for o doente, melhor é o prognóstico».
Citando dados epidemiológicos norte-americanos, o urologista diz-nos que, «nos EUA, existem cerca de 55.000 novos casos de cancro da bexiga diagnosticados por ano e, no mesmo período, cerca de 12.500 mortes directamente relacionadas com esta patologia. Na Europa, estima-se que as taxas de incidência e de mortalidade sejam semelhantes».
Factores de risco
Paulo Corceiro afirma que «o factor mais determinante é o consumo de tabaco, implicado em cerca de metade dos casos diagnosticados no sexo masculino e de um terço dos casos no sexo feminino. Um fumador tem três vezes mais probabilidade de vir a ter cancro da bexiga do que um não-fumador».
De acordo com o urologista, «a exposição a determinados agentes químicos, nomeadamente, as aminas aromáticas utilizadas na indústria metalúrgica, da borracha, nos curtumes e tinturarias está também associada a uma maior frequência no desenvolvimento de cancro da bexiga. Há estudos feitos ao nível da Medicina do Trabalho, junto de trabalhadores destas indústrias, que confirmam essa relação».
Outro factor de risco também significativo é a hereditariedade: «Alguns estudos concluíram que a probabilidade de desenvolver cancro da bexiga é duas vezes maior num indivíduo que tenha um familiar em primeiro grau com a mesma história clínica.»
Do ponto de vista alimentar, a ingestão de «álcool, de café e de adoçantes artificiais parece favorecer o aparecimento da doença, enquanto que uma alimentação rica em vegetais parece ter um efeito protector», informa Paulo Corceiro, acrescentando que «algumas patologias urológicas podem também aumentar o risco de carcinoma da bexiga, nomeadamente, as infecções urinárias recorrentes e a litíase vesical».
Sinais e sintomas
«A hematúria – a presença de sangue na urina – é o primeiro sinal relevante, ocorrendo em 85% dos casos de cancro da bexiga. Habitualmente, a hematúria resultante desta doença não se acompanha de dor, ao contrário do que é comum em caso de infecção urinária», esclarece Paulo Corceiro.
Outros sintomas frequentes são «ardor ao urinar, aumento da frequência miccional e a sensação de peso no hipogastro, a porção inferior do abdómen. Quando o cancro se encontra numa fase mais avançada e invade órgãos adjacentes, o doente pode sentir dor abdominal intensa. Por vezes, o tumor invade o uréter – o canal que drena a urina entre o rim e a bexiga –, causando dilatação do rim e dor no flanco», explica o urologista, alertando ainda para a «necessidade de estar atento, porque o tumor pode evoluir silenciosamente».
No caso do carcinoma in situ (CIS), um tipo específico de tumor da bexiga, «é frequente não provocar hematúria, surgindo mais associado aos sintomas irritativos, como o ardor e o aumento da frequência miccional».
E acrescenta: «O CIS apresenta-se como um tumor plano, não provoca alteração da superfície da bexiga. Não tendo expressão imagiológica, torna-se mais difícil de detectar.»
Exames complementares e caracterização celular do tumor
Com exames cada vez mais rigorosos e com a generalização da ecografia, é possível detectar tumores em estádios de evolução precoces, por vezes até acidentalmente, no despiste de outras doenças.
«Se for feita com rigor, a ecografia pode detectar lesões até cinco milímetros», assinala Paulo Corceiro. Todavia, em alguns locais dentro da bexiga, os tumores mais pequenos podem ser difíceis de detectar pela ecografia.
«Em caso de dúvida, fazemos uma cistoscopia, que se traduz por uma endoscopia da bexiga e que deve ser feita sob anestesia geral, possibilitando a palpação bimanual e a biopsia de eventuais lesões ou de zonas suspeitas. A cistoscopia é o exame mais fidedigno para o diagnóstico deste tipo de cancro», garante.
Após a detecção de um tumor da bexiga, por ecografia ou cistoscopia, «o diagnóstico definitivo e a caracterização do tumor são-nos dados pela análise dos fragmentos do tumor que são retirados da bexiga através de uma técnica cirúrgica designada por “Ressecção Transuretral da Bexiga (RTU-V)”. Esta técnica consiste na excisão endoscópica, o mais abrangente possível, do tumor».
A caracterização celular do carcinoma da bexiga é feita em relação à profundidade da lesão na parede da bexiga e à sua diferenciação celular. Assim sendo, «o tumor é superficial se atingir apenas a mucosa (camada superficial da bexiga) ou profundo (invasivo) se invade a parede da bexiga na sua profundidade até à camada muscular.
A diferenciação celular tem a ver com o facto de as células do tumor serem mais ou menos parecidas com as células da bexiga saudável. Existem três graus de diferenciação possíveis (G1, G2, G3), sendo o G1 o mais parecido ao tecido saudável e o G3 o mais distinto deste mesmo tecido.
De uma forma geral, os tumores invasivos são indiferenciados, do tipo G3. É possível que se apresente um tumor invasivo G1 ou G2, mas é muito menos frequente».
A TAC pode também ser útil na detecção de tumores, «apesar de ser mais utilizada para o estadiamento do que como diagnóstico primário do cancro da bexiga. No caso de um tumor superficial, não dá mais informação do que a ecografia. Nos tumores invasivos, a TAC pode fornecer dados sobre a invasão do tumor na parede da bexiga e revelar a possível existência de metástases, que são novos implantes do tumor. Essas metástases podem ser ganglionares ou afectar outros órgãos à distância, como o pulmão, para onde o cancro da bexiga metastiza com alguma frequência», indica Paulo Corceiro.
Esta caracterização determina o tipo de tratamento a instituir a cada doente, sendo ainda essencial para estabelecer o prognóstico de cada caso.
Terapêutica e prognóstico
A terapêutica resulta de uma análise global, variando com a caracterização do tumor e a condição individual do próprio doente. O prognóstico é tanto melhor quanto mais superficial e mais diferenciado for o tumor.
«Se o tumor for superficial G1 ou G2, de pequenas dimensões, localizado numa área acessível e se não for múltiplo, isto é, se for uma lesão única, pode ser curada apenas com a RTU-V. Muitos doentes inserem-se neste quadro, com muito bom prognóstico, dependendo de um diagnóstico precoce», informa o urologista, prosseguindo:
«Se o tumor, apesar de superficial, for mais indiferenciado (G3), é necessário coadjuvar o tratamento com quimioterapia intravesical, o que acontece também quando não conseguimos ressecar a totalidade do tumor ou na presença de um CIS.»
No que diz respeito aos tumores invasivos, que têm pior prognóstico, «a RTU-V não é suficiente e temos de estadiar melhor o doente. É aqui que a TAC ganha alguma importância. Pode ser necessário recorrer a uma cistectomia radical, que consiste na remoção de toda a bexiga e, por vezes, também da uretra. Em alguns casos, menos frequentes, a cistectomia pode ser parcial – quando é possível a remoção de todo o tumor sem necessidade de excisão completa da bexiga».
Os tumores invasivos localizados na bexiga (sem metástases), «se forem tratados por cistectomia radical, têm um bom prognóstico – 66 a 70% dos doentes ficam curados. Quando existe doença fora da bexiga, por metastização ganglionar ou de outro órgão, o prognóstico piora muito. As taxas de sobrevida aos cinco anos situam-se entre os 25 e os 30%, mesmo combinando a cistectomia com esquemas de quimioterapia agressivos».
Na sequência de uma cistectomia radical, é necessário criar uma derivação para eliminar a urina. De acordo com o especialista, essa derivação pode ser feita através de um «conduto ileal, ou seja, formamos um canal para a eliminação da urina com um pequeno segmento retirado do intestino delgado. Ligamos uma das extremidades aos ureteres, a outra extremidade vem à superfície da pele e a pessoa fica com um estoma, que na gíria é o chamado “saco”, onde a urina é depositada».
Num outro tipo de derivação, «igualmente a partir de um segmento do intestino delgado, fazemos uma bolsa com ligações aos ureteres e à uretra, mantendo uma situação anatómica parecida com a anterior. Contudo, não estando o intestino preparado para esta função, podem surgir problemas no esvaziamento da bolsa, muito inconvenientes para o doente».
Para que a escolha do médico recaia sobre este segundo tipo de derivação da urina, o doente tem de reunir determinadas condições.
Rastreio
Paulo Corceiro reforça a necessidade de definir critérios de rastreio ou diagnóstico precoce que cheguem efectivamente aos grupos de risco, nomeadamente aos fumadores com história familiar de cancro da bexiga e aos trabalhadores das indústrias metalúrgica, da borracha, dos curtumes e das tinturarias.
«Começam agora a surgir testes, de fácil utilização, de diagnóstico precoce do cancro da bexiga, com mais sensibilidade e especificidade, mas estamos ainda numa fase inicial que não permite, no imediato, a implementação de programas de rastreio a um nível global», esclarece.
A qualidade de vida sexual é afectada
A cistectomia radical traz graves consequências sexuais, principalmente para o homem.
«Numa grande percentagem de casos resultará em impotência, uma vez que o acto cirúrgico lesa irreversivelmente estruturas importantes para o desempenho sexual. Na mulher, implica a excisão da parte da vagina e do útero, comprometendo acentuadamente a sua qualidade de vida sexual», frisa Paulo Corceiro
Apesar de a maior parte dos doentes com cancro da bexiga pertencerem a uma faixa populacional mais envelhecida, o urologista constata que «cada vez mais, temos doentes mais idosos com sexualidade activa o que, em caso de necessidade deste tipo de cirurgia acarreta uma diminuição da qualidade de vida».
Texto: Tiago Mota