Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 106 / Agosto de 2006
08 Opinião: Um enorme desafio
- Dr. Álvaro Cidrais
Um dos maiores desafios que enfrentamos é o de construir uma sociedade que saiba cuidar dos velhos na família, na comunidade e nas unidades de saúde. Precisamos de adequar concepções, de convergir actuações, de gerir novas necessidades e de aceitar novos custos. Se não, pagaremos com dor a dor que criámos.
Apesar dos 9% do PIB que gastamos em saúde na OCDE, ainda não conseguimos evitar elevados níveis de sofrimento nos idosos e nas suas famílias, enquanto a população envelhece gradualmente.
Porque diagnosticamos melhor e não acompanhamos condignamente os velhos, aumentamos os gastos em medicamentos e em tratamentos hospitalares sem a devida melhoria de qualidade de vida e de bem-estar. Diversos estudos demonstram que é no último ano de vida, que aumentamos os nossos gastos em saúde e que tal acontece tanto mais quanto menor é o apoio social e familiar existentes.
Um dos maiores desafios da actualidade é o de construir uma sociedade que saiba cuidar dos velhos. Neste momento, fazemo-lo mal. Geramos pobreza, miséria e violência sobre os idosos.
Para enfrentar o desafio, as políticas de saúde devem possuir uma componente de educação das famílias e outra de criação de mecanismos sociais que permitam que aqueles que têm dependentes a cargo, principalmente idosos, possam manter um equilíbrio familiar.
Precisamos de adequar as concepções sobre a saúde individual, sobre a intervenção comunitária e a construção da felicidade. Cada pessoa tem de ser olhada pelo seu valor humano e não pelo seu contributo económico para a competitividade.
Não será com afirmações como as do ministro da Saúde, «que se preocupa acima de tudo com os 90% de pessoas que vão aos hospitais» que enfrentaremos adequadamente o desafio!
No período da velhice, principalmente a partir dos 75 anos, o maior problema de saúde dos idosos prende-se com a capacidade de gerir a sua auto-estima num momento de perda progressiva de capacidades, de competências, de afectos dos familiares e amigos que morrem, de espaço na sociedade.
Nesse momento das suas vidas, o sofrimento emocional está de mãos dadas com a ocorrência de dores e de fenómenos limitantes das competências mentais e físicas. Obriga a uma outra abordagem por parte dos pares e da sociedade que se fundamenta, acima de tudo na demonstração de gratidão, na possibilidade de manter a capacidade activa das pessoas e de alimentar mecanismos de afecto, alegria e diversão.
Por isso, precisamos de uma melhor articulação entre a saúde/medicina, os cuidados primários, os cuidados continuados e os cuidados prestados no âmbito da sociedade, da comunidade e da família. É uma batalha de todos nós!
Os governantes, designadamente os autarcas, têm de perceber que a qualidade de vida dos cidadãos passa pela sua valorização enquanto pessoas, pela criação de contextos sociais favoráveis, pelo desenvolvimento de projectos em que os seniores podem disponibilizar as suas competências para além dos seus 65 anos.
Em certos territórios, os velhos são um óptimo recurso que eles desaproveitam! Em momentos de mudança e de crise de valores, podem ser o garante da transposição equilibrada para uma nova sociedade.
Este é um desafio para a geração do ministro! Infelizmente, eles não percebem que cavam a sua sepultura. Irão pagá-lo com a amargura do sofrimento que ajudaram a criar, por desatenção, porque isto não se faz em dois anos e, eles estão próximos dos 60!
Dr. Álvaro Cidrais,
Geógrafo e Consultor