Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 106 / Agosto de 2006
56 Saúde feminina: Opinião - Sexualidade & cancro da mama
- Enf.ª Ana Margarida Nobre
Numa cultura em que mulheres e homens são educados da mesma forma que as bonecas Barby, concursos de Miss e imagens da Playboy, os seios são uma parte da anatomia da mulher, cheia de significado, tanto física como psicologicamente.
As mulheres dão valor aos seios como indicadores de feminilidade e sexualidade, bem como ao veículo importante e de grande significado emocional da alimentação dos filhos.
Entretanto, os mass media apresentam um catálogo de fotografias sobre mulheres exibindo os corpos, com histórias sobre estas que tiveram operações para melhorar o aspecto dos seios.
A sociedade de hoje é atraída pelo seio feminino, não admira que surja tão cedo o desgosto nesta zona do corpo feminino.
Para qualquer mulher, a angústia de descobrir um caroço ou um inchaço nos peitos é algo de indescritível.
O cancro da mama é apavorante, mas a maior parte dos nódulos da mama não são cancerosos, e nem todas as mulheres correm o mesmo risco de sofrer de cancro da mama.
Em Portugal existem cerca de 3000 a 3500 novos casos de cancro de mama por ano, uma média de 9 a 10 novos casos por dia e em cada 100 casos de cancro da mama, 99 são em mulheres e um em homens.
Prevenindo com o auto-exame da mama pode-se salvar uma vida. A mulher tem de aprender a observar e palpar a mama. De preferência, o auto-exame deve ser efectuado logo após a menstruação e se detectar alguma anormalidade, então deve contactar o médico. Além deste exame também são importantes, as análises clínicas e mamografia anualmente.
O cancro é um crescimento anormal (uma neoplasia) que ocorre no organismo, «cujos elementos celulares conseguiram escapar aos mecanismos de controlo habituais do organismo, isto é, tornaram-se imortais», explica Fátima Vaz, médica oncologista do Instituto Português de Oncologia (IPO) e da Consulta de Risco Familiar de Tumores da Mama.
Neste caso, a neoplasia verifica-se no seio, podendo ter origem nas glândulas mamárias (carcinoma ductal) ou nos lóbulos (carcinoma lobular).
O primeiro é mais frequente.
Fátima Vaz refere que não é possível falar de causas directas para o seu aparecimento, a não ser em situações excepcionais em que a mulher esteve exposta a radiações ionizantes. O que existe são factores de risco que sozinhos, raras vezes têm capacidade de levar ao seu aparecimento.
Ser mulher é considerado o maior factor de risco para o cancro da mama, seguido de muito perto da idade. A partir dos 50 anos, o risco de contrair a doença aumenta e mantém-se até aos 70/80 anos.
Mulheres que ao longo da vida tenham estado expostas a maiores quantidades de estrogénios, menarcas precoces, menopausas tardias, mulheres que nunca tenham tido filhos ou que tenham tido o primeiro depois dos 30 anos e que não tenham amamentado, reúnem, um risco ligeiramente superior de vir a contrair a doença.
O cancro da mama provoca alterações no universo biopsicossocial da mulher, a perda da mama pode ocasionar vários danos. Após a mastectomia parcial ou total, a mulher pode apresentar uma série de dificuldades ao reassumir a sua vida profissional, social, familiar e sexual. Desta forma, esta fase (pós-cirurgia) é considerada extremamente difícil, longa e limitante para o exercício da sexualidade.
Depois do cancro da mama ser diagnosticado e o tratamento terminado, a vida segue o seu curso. No entanto, e logo após a cirurgia, actos simples como pentear-se, vestir uma camisola ou tomar banho de chuveiro podem ser tarefas difíceis, mas pouco a pouco, e com a ajuda da fisioterapia, as doentes poderão voltar às suas actividades da vida diária.
Embora a perda de um seio possa ser um grande choque para muitas mulheres, estas enfrentam muitas vezes após a mastectomia total ou parcial, a alteração da forma de pensar sobre o corpo e o efeito que este flagelo tem nos seus sentimentos e actividades sexuais.
A habituação à nova imagem corporal é particularmente difícil quando a mudança está ligada a crenças sobre ela própria.
Não se deve generalizar sobre a reacção emocional das pessoas à cirurgia e presumir que o seu sofrimento diminui com idade. Muitas mulheres idosas ficam perturbadas com a perda de um seio e a sua mudança na sua imagem corporal, tendo já perdido um dos indicadores de feminilidade na menopausa, isto pode ser mais um golpe.
A perda de um seio pode ser difícil para uma mulher de qualquer idade e para o seu parceiro. Por vezes, o relacionamento sexual do casal sofre alterações profundas, a perda de um seio provoca uma inibição na actividade sexual, por razões psicológicas. Às vezes, o homem abstém-se de contactos sexuais por preocupação do bem-estar da companheira, apesar de ambos não darem o primeiro passo. Por vezes, a mulher pode pensar que da parte do companheiro é rejeição.
A transformação dos dois parceiros igualmente saudáveis na situação de um ser doente e outro não, que pode inibir a expressão de sentimentos sexuais.
A quimioterapia e outros problemas inerente ao cancro da mama podem provocar uma menopausa precoce, que por sua vez afecta a libido da mulher, quer pelo efeito psicológico, quer pelo efeito hormonal. Com o tempo, a maioria (embora não todos) dos parceiros conseguem adaptar-se à mudança corporal da mulher e a libido desta volta ao normal. Contudo, a adaptação da perda de uma mama demora geralmente um ano, mas esta perda não altera obrigatoriamente as relações do casal, a não ser que estas já estejam deterioradas.
Nesta fase seria conveniente a procura de técnicos de saúde adequados para que juntos resolvam este problema, antes de enraizarem as frustrações e os mal-entendidos. Também é importante a informação prévia por parte do médico sobre os aspectos sexuais da doença e o efeito que os tratamentos podem causar na sexualidade da pessoa.
Por vezes, algumas mulheres sentem-se incapazes de explorar novos relacionamentos, ao passo que outras saltam todas as barreiras durante um tempo, para terem a certeza que ainda são atraentes.
Perder um símbolo de feminilidade, como é a mama, significa para muitas mulheres perder a auto-estima.
A mutilação não é apenas física. Ganha contornos psicológicos que marcam profundamente a forma como a mulher reage, olha e vive socialmente.
Há um espaço vazio que é preciso recuperar. Reconstruir a mama é, por isso, reconstruir a auto-estima... e dar um passo em frente.
Enf.ª Ana Margarida Nobre, do Hospital Nossa Senhora do Rosário Serviço de Ginecologia e mestranda na especialidade de Sexologia