Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 104 / Junho de 2006
20 Opinião: Deixem-se de tretas
- Dr. Álvaro Cidrais
Vamos ao essencial.
Os nossos problemas de saúde não
se resolvem com boa-vontade, voluntarismo e poupanças.
Antes, com uma forte mudança de concepções, ensamentos e mentalidades. A saúde paga a factura, mas não é o único responsável pela crise.
Na nossa sociedade a Justiça funciona muito mal. Não será através da regulamentação que conseguiremos inflectir a actual situação de crescente necessidade de bens e serviços de saúde. Também não será através do corte nos custos dos equipamentos, no das horas de trabalho nem no uso e comparticipação de medicamentos.
O que gastamos com a saúde é pouco. Nos cuidados primários, nem se fala, é uma miséria, diria mesmo, uma vergonha internacional. Deveríamos gastar mais e melhor para ter uma sociedade saudável.
Sejamos realistas, deixemo-nos de tretas. A ambição de ter mais saúde é incompatível com a sub orçamentação e o sub investimento constantes na saúde e na educação. Também não joga bem com o investimento prioritário em meios hospitalares.
Temos hoje uma enorme preocupação: qual é e será a qualidade de vida e de bem-estar dos velhos? Qual o seu horizonte de felicidade? O que lhes vai acontecer?
Existe uma população crescente de pessoas com mais de 50 anos que está à beira do afastamento do mercado de trabalho e à porta da Solidão. Segundo o discurso inaceitável de José Sócrates, a Segurança Social faliu!
Portanto, além de já terem como garantida a solidão que esta organização social lhes preparou, um espaço negro e vazio de afectos, corre o risco de ver um Partido Eventualmente Socialista a dar a machadada final na sua esperança de vida saudável.
Perguntamos agora, onde estão os recursos sociais de apoio e promoção de bem-estar de que precisamos e precisaremos? Onde está aquela rede comunitária que, em Portugal, durante o período salazarista e a infância da liberdade serviu para almofadar os períodos de crise? Essa rede morreu. Foi morta, aniquilada!
Faliu porque os sucessivos governos investiram (e mal, sem controlo nem qualidade) em crescimento económico e progresso sem acautelarem o desenvolvimento educacional e a civilização da sociedade.
A rede de apoio morreu porque as crianças e os jovens foram ensinados (pelos pais, pela escola e pelos exemplos de sucesso dos políticos e empresários sem escrúpulos) a serem competitivos, a esmagarem as emoções e os afectos sob o peso do sucesso económico! Muitos, foram abandonados nos infantários e nas escolas porque os seus pais quiseram ir buscar dinheiro para comprar as casas e consumir sem fim. Agora, esses pais pagam, com juros, uma enorme solidão afectiva. É triste!
O Prof. João Gomes-Pedro no seu notável livro Para um Sentido de Coerência na Criança, a propósito da sociedade doente e desumana que estamos a criar pergunta: «Quem é que anda a atirar putos ao rio?», considerando o rio como o espaço social em que o indivíduo se afoga. A nossa resposta é: nós e, acima de tudo, os ministros da Saúde, da Educação e da Segurança Social dos últimos 20 anos!
Afinal, o mal não está no mercado, na irresponsabilidade das empresas. Estará antes nas estúpidas concepções do desenvolvimento e nas inaceitáveis práticas da governação, na inexistência de um trabalho integrado e sério entre os ministros e ministérios da educação, da saúde e da segurança social.
Quem atira, de facto, os putos (e os velhos) ao rio? Somos nós, a nossa escola e a nossa sociedade. E, depois, quem paga a factura? É o orçamento da saúde.
Dr. Álvaro Cidrais
Geógrafo e Consultor