Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 102 / Abril de 2006
80 Hidroterapia - Para ajudar quem precisa
PARA AJUDAR QUEM PRECISA
Patrícia era uma jovem como tantas outras. Aos 26 anos tinha a vida organizada, repartida entre o ensino da Matemática e a vida com o namorado. Até ao dia em que deu entrada no hospital com uma crise de asma. Não era a primeira, mas foi certamente a mais grave.
O quadro clínico de Patrícia complicou-se e acabou por ter uma anoxia cerebral – uma paragem cardiorrespiratória que, por um curto período de tempo, lhe deixou o cérebro sem oxigenação. Tempo suficiente para lhe causar lesões que a marcaram para sempre. Patrícia perdeu todas as capacidades, a nível motor, da visão e até da fala. Todas as previsões apontavam para que a Patrícia ficasse um vegetal para o resto da vida.
Hoje, a Patrícia tem 35 anos. Já passaram nove anos desde o dia que mudou radicalmente a sua vida. O namorado já lá vai e as aulas de Matemática pertencem já a um passado muito longínquo. Patrícia está a reaprender a viver e o seu tempo é passado entre inúmeras sessões de fisioterapia, equitação, hidroterapia e visitas aos médicos que, à medida que o tempo passa, lhe aumentam as esperanças de um dia vir a ficar completamente boa.
«Ela já faz praticamente tudo sozinha. Veste-se, despe-se, toma banho. Está muito melhor em termos de mobilidade. Os médicos dizem que, se ela continuar a fazer progressos a esta velocidade, é possível que chegue perto dos 100%. E pensar que disseram que ela ia ficar um vegetal...», conta, esperançada, Idalina Arsénio, a mãe da Patrícia.
Um caso especial
Se Patrícia fez os avanços que fez, contrariando todos os prognósticos, foi não só devido à sua excepcional força de vontade que a faz continuar todos os dias, mas também graças à hidroterapia, que Patrícia tem vindo a fazer há já dois anos. Ela é um dos casos de quem a Dr.ª Filipa Basto, a fisioterapeuta que a acompanha, se orgulha. É um caso especial, entre tantos que têm passado pelo complexo de piscinas do Estádio Universitário, em Lisboa, onde Filipa trabalha há cerca de sete anos.
A Hidroterapia é uma área de saúde que engloba várias vertentes que se centram na análise e avaliação do movimento e da postura, baseadas na estrutura e função do corpo, utilizando modalidades educativas e terapêuticas aquáticas, com base, essencialmente, no movimento, nas terapias manipulativas e em meios físicos e naturais, com a finalidade de promoção da saúde e prevenção da doença, da deficiência, de incapacidade e da inadaptação e de tratar, habilitar ou reabilitar indivíduos com disfunções de natureza física, mental, de desenvolvimento ou outras, incluindo a dor, com o objectivo de os ajudar a atingir a máxima funcionalidade e qualidade de vida.
As patologias podem ser as mais variadas, do foro ortopédico, reumatológico, neurológico, pediátrico e até respiratório. A fisioterapeuta Filipa Basto dá alguns exemplos:
«A maioria das patologias da coluna, hérnias discais, escolioses, recuperação de cirurgias, próteses de anca e joelhos, entorses, tendinites, artrite reumatóide, espondilite anquilosante, lesões desportivas. Quase todas as patologias podem ser tratadas através da hidroterapia desde que não haja contra-indicações, tais como infecções gastrintestinais, infecções transmissíveis pela água, incontinência (quer fecal, quer urinária), feridas abertas...».
O tratamento é feito numa piscina aquecida, entre os 29/31 graus, em que, consoante as necessidades de cada doente, são prescritos determinados exercícios que vão ajudar à reabilitação.
«Começamos por fazer uma avaliação do utente. Constituímos a história do doente, para entendermos quais são os problemas a tratar. Fazemos, a partir daí, um exame objectivo para saber quais são as limitações funcionais do doente – se tem um problema articular, uma entorse, um AVC, são apenas alguns exemplos –, para depois estabelecermos um programa de exercícios aquáticos. Mais tarde, já dentro de água, fazemos uma nova avaliação, porque o corpo se comporta de forma completamente diferente dentro de água. E então prosseguimos com o programa de reabilitação», explica a fisioterapeuta.
Muitas vantagens
As vantagens são inúmeras (ver caixa), desde a redução da sensibilidade à dor, passando pelo aumento da força muscular, e terminando num factor muito importante que é a motivação do doente. Que o diga a Patrícia, para quem, de todas as actividades que pratica ao longo destes nove anos, é a hidroterapia que ocupa o lugar cimeiro no pódio das preferências.
«É do que eu gosto mais. Fico muito relaxada, sinto-me muito bem dentro de água», reconhece.
Patrícia faz parte de uma das duas classes de tratamentos que a fisioterapeuta Filipa dá: a de reabilitação. A outra é a de correcção postural, mais centrada nos problemas de coluna.
«Aqui começamos por exercícios de aquecimento, depois seguimos para os exercícios de alongamento, fazemos também alguns de fortalecimento e de resistência a nível muscular e acabamos com uma parte de relaxamento. Objectivo de diminuir dores, alongar, aumentar amplitudes articulares, relaxar jogando com os benefícios da água», explica, uma vez mais, Filipa Basto.
Uma das grandes diferenças entre a hidroterapia e outras actividades dentro de água é o facto de a hidroterapia ser individualizada. A atenção do terapeuta é dirigida a cada caso, isoladamente. Até porque há sempre perigos neste tipo de prática que envolve a água.
«Para além do risco de infecções transmissíveis pela água, há também um risco acrescido de quedas fora da piscina, especialmente no caso dos utentes que andam de canadianas. E pode também existir o risco de submersão, o que implica que nós, equipa de terapeutas, estejamos sempre com uma atenção redobrada», adverte a terapeuta.
A experiência da mãe
Não é por acaso que Filipa Basto se vê, aos 31 anos, tão envolvida com a área da reabilitação através da hidroterapia. A mãe de Filipa sofria de artrite reumatóide e por isso desde criança habituou-se a acompanhá-la às sessões de fisioterapia. Daí ter decidido enveredar pela Fisioterapia, no intuito de ajudar as pessoas a ultrapassarem este tipo de problemas, a aliviar-lhes os sintomas, a dar-lhes uma nova esperança.
É o que tem feito com a Patrícia e com muitos outros doentes que diariamente frequentam a piscina do Estádio Universitário. Depois, já durante o curso, que tirou na Escola Superior de Saúde do Alcoitão, apaixonou-se pelas propriedades terapêuticas da água e hoje diz-se realizada nesta profissão.
«É muito gratificante. Há pequenas vitórias diárias, coisas inexplicáveis que fazem com que valha muito a pena a dedicação», refere.
Patrícia sentiu na pele muitas dessas pequenas vitórias que lhe dão alento para seguir em frente. É uma sobrevivente que, com a ajuda de Filipa Basto e de todos os que a acompanham, não desiste. Pelo contrário. Como a própria diz:
«Quero ter um papel activo na sociedade. Hoje tenho outras prioridades, que são ajudar quem precisa. Assim como me ajudaram quando eu precisei.»
Vantagens e desvantagens da Hidroterapia
Vantagens:
– Relaxamento muscular através do calor da água;
– Redução da sensibilidade à dor – Porque o impacto no solo é menor, através da flutuação há uma diminuição das forças de compressão;
– Redução dos espasmos musculares;
– Aumento da força muscular, porque a água acaba por ser uma resistência;
– Redução da força da gravidade – o que permite o tratamento ter início muito mais cedo;
– Maior liberdade de movimentos – o que permite conseguir-se um aumento das amplitudes articulares;
– Melhoria da musculatura respiratória;
– Melhoria da consciência corporal – Maior equilíbrio, permite trabalhar melhor a coordenação, a estabilidade, a postura;
– Melhoria da moral e da autoconfiança dos doentes – que ficam mais autónomos, descontraídos e convivem com as outras pessoas com problemas idênticos.
Desvantagens:
– É um tratamento que convém ser complementado com outro tipo de exercícios fora de água, porque o ser humano não vive dentro de água;
– A água quente aumenta o risco de contracção de infecções de vários tipos.
Texto: Rita O. Castro