Artigo de Medicina e Saúde®
Nº 101 / Março de 2006
94 Saúde Masculina - Cerca de 20% dos homens têm alterações da fertilidade
Grande parte dos casos de infertilidade masculina tem tratamento, contudo, primeiro, é preciso descobrir qual a causa da dificuldade em gerar um filho. A frustração, a culpa, a ansiedade e, por vezes, a depressão são vividas pelo casal, independentemente do problema estar no homem ou na mulher.
Gerar, criar e ver um filho crescer é o desejo de quase todos os casais, porém, uns conseguem-no mais facilmente que outros. Como uma dádiva para os que conseguem, e uma punição ou castigo para os que têm mais dificuldade, a gravidez é sempre vivida a dois, bem como todos os problemas a ela associados.
«Existem estudos que apontam para 20% dos homens com alterações da fertilidade (ou seja, com alterações espermáticas graves, moderadas ou ligeiras), o que apontaria para valores tão elevados como 1.000.000 de homens com problemas deste foro», explica o Dr. José Santos Dias, urologista do Hospital Pulido Valente.
Embora pareçam números exagerados, eles estarão próximos da realidade; no entanto, daqueles homens, apenas numa pequena percentagem estas alterações têm um significado clínico, ou seja, traduzem uma real dificuldade em obter uma gravidez.
«Numa transposição de números de outros países podemos falar de cerca de 400 000 casais inférteis em Portugal, o que corresponde a cerca de 200.000 homens inférteis», acrescenta.
Não se pode dizer, no entanto, que estes homens sofrem de infertilidade, uma vez que este não é, muitas vezes um problema de incapacidade total de concepção, mas de menor (ou muito menor) probabilidade de obter uma gravidez.
«Existe um determinado número – que se pensa ser relativamente elevado – de homens em que as hipóteses de concepção estão comprometidas, mas não totalmente», adianta o especialista.
A abordagem terapêutica destes homens varia consoante a probabilidade de concepção, «se a probabilidade está ligeiramente diminuída, podemos optar por uma atitude com uma maior margem de manobra temporal, menos “agressiva”, se as hipóteses são mínimas, poder-se-á avançar, de início, para um tratamento mais invasivo, mas com maior probabilidade de sucesso», adianta José Santos Dias.
Uma luz no fundo do túnel
«Felizmente, grande parte dos casos de infertilidade masculina têm resolução. O tipo de tratamento depende da causa da infertilidade e deve ser adequado a essa causa», afirma o especialista do Hospital de Pulido Valente.
Contudo, há formas de tratamento que podem ser aplicadas em grande parte dos casos, independentemente da causa.
«Exceptuando casos específicos como o varicocele (uma espécie de varizes em torno dos testículos) em que se realiza uma cirurgia para se resolver esse problema, ou casos em que há uma baixa ligeira da produção espermática e em que é possível administrar medicamentos para tentar estimular os testículos a produzir maior numero de espermatozóides, existe actualmente uma técnica bastante eficaz conhecida como ICSI – Injecção Intracitoplasmática de Espermatozóide», continua.
Trata-se de uma injecção, realizada sob controlo de um microscópio especial, de uma parte do espermatozóide no interior de uma célula feminina, o óvulo.
De uma forma geral, existem tratamentos médicos e tratamentos cirúrgicos para a infertilidade masculina:
«No primeiro caso, estimula-se a produção de uma maior quantidade de espermatozóides, por diversos processos, com diferentes substâncias em função das diferentes causas em questão», explica José Santos Dias, acrescentando que, «no segundo caso, pode ser necessário reconstruir a via seminal, desobstruindo-a ou pode ser necessário colher espermatozóides viáveis».
No que diz respeito à taxa de sucesso destes tratamentos, tudo pode variar consoante as causas que estão na origem da infertilidade e dos respectivos métodos que são aplicados em cada caso isolado.
«Podemos falar de taxas de sucesso para as técnicas mais sofisticadas de fertilização ou fecundação in vitro, de reprodução ou procriação medicamente assistida, da ordem dos 20 a 80%. Cada caso tem uma probabilidade aproximada de sucesso própria», argumenta José Santos Dias.
Causas que originam a infertilidade
Quanto às causas que estão na origem dos problemas de fertilidade, podem dividir-se em quatro grandes grupos: causas genéticas, quando existem alterações genéticas ou cromossómicas, que impeçam ou dificultem a fecundação.
«É um campo vastíssimo, por vezes, de diagnóstico não fácil e de tratamento, igualmente difícil», diz o urologista.
Causas pré-testiculares quando existe uma alteração da produção de espermatozóides (conhecida por espermatogénese), por questões hormonais.
«Podem também tratar-se de problemas a nível do hipotálamo ou da hipófise – áreas do sistema nervoso central onde se produzem hormonas que, por sua vez, controlam a produção de espermatozóides».
Causas testiculares que podem ser congénitas ou adquiridas como, no primeiro caso, malformação dos testículos e, no segundo caso, uma agressão, infecção, traumatismo, exposição a radiações, químicos ou drogas.
Por fim, causas pós-testiculares, «quando existe um problema não da formação ou diferenciação dos espermatozóides, mas sim do transporte destas células dos testículos até ao exterior através dos diferentes canais. Pode também tratar-se de um problema de motilidade, isto é, a capacidade dos espermatozóides se deslocarem», avança o especialista.
«Porquê nós?»
A frustração, a culpa, a ansiedade e a depressão associadas à incapacidade de gerar um filho causam, por vezes, graves problemas no casal e na vida familiar.
«Quem não sofre deste problema não imagina o sofrimento que o simples olhar para uma criança na rua, no supermercado, no parque pode causar num casal. As festas da família em que surgem os sobrinhos, os primos são outro contexto em que a frustração vem muitas vezes à tona e o casal questiona-se “Porquê nós?”», especialmente se a família pressiona, mesmo sem intenção, e questiona constantemente a chegada de uma criança.
Quando a gravidez não chega no momento programado, o casal sente o pânico e vê esta incapacidade como uma falha ou uma mancha nas suas vidas.
Segundo José Santos Dias, «este problema é sempre vivido a dois e é difícil assegurar se é mais frustrante para um ou para o outro. Isso é subjectivo e varia de casal para casal. No limite, podem existir casos em que, apesar da causa ser atribuível a um dos elementos do casal, a frustração do outro ser maior».
No entanto, a maioria dos homens com este problema sofre significativamente com ele. «A culpabilização é grande, pelo próprio e às vezes também pela parceira, o questionar-se sobre a sua capacidade e o seu valor como homem é frequente e os sintomas de ansiedade e depressão são igualmente frequentes», continua o urologista.
«Ao contrário de outras áreas da vida, a gravidez não é uma decisão da qual sejamos donos, uma vez que não depende apenas da nossa vontade. Há coisas que não podemos controlar», termina José Santos Dias.
Texto: Cátia Jorge