Artigo de Mundo Médico®
Nº 38 / Janeiro e Fevereiro de 2005
20 Prevenção do cancro da próstata
- Prof. Doutor Mário Reis
Prof. Doutor Mário Reis
Director do Serviço de Urologia do Hospital da Ordem do Carmo, Porto
PREVENÇÃO DO CANCRO DA PRÓSTATA
A Medicina entrou na era da prevenção, seguindo o princípio básico segundo o qual se não conseguimos curar satisfatoriamente uma doença devemos incidir o nosso esforço na prevenção.
O cancro da próstata (CaP) é o cancro mais frequente do homem e ocupa o segundo lugar quando se consideram as causas de morte por doença maligna. Desde 1994, constata-se um aumento anual de incidência de cerca de 2,5 a 3%.
Para além da frequência, o CaP é ainda responsável por complicações que afectam gravemente a qualidade de vida (QL) do doente e daí dizer-se que o tumor maligno da próstata constitui um grave problema de Saúde Pública.
Quando se observa a incidência do CaP nos diversos países verificamos uma distribuição não uniforme existindo uma geografia própria, provavelmente determinada pelo meio ambiente e pela dieta, desfavorecendo o estilo de vida ocidental.
Mecanismos complexos dão origem ao CaP. Alterações hormonais, especialmente da testosterona (T) e do seu metabolito mais activo a di-hidrotestosterona (DHT) e da relação destes com os estrogénios, constituem um campo de estudo actual. Conhece-se a diminuição do nível sérico de androgénios com o avançar da idade e consequente alteração da relação na medida em que o nível sérico de estrogénios não sofre apreciáveis alterações etárias.
Muitos outros mecanismos estão envolvidos, nomeadamente, alteração dos receptores androgénicos e estrogénicos, factores de crescimento, factores genéticos, inflamação, alterações de genes e dos oncogenes.
A história natural deste tumor apresenta algumas particularidades e, embora a sua evolução seja habitualmente longa, deparamos com grande imprevisibilidade na avaliação do comportamento biológico tumoral individual, por falta de factores de prognóstico fiáveis.
O carcinoma tem início logo após a puberdade e desenvolve-se na idade adulta, primeiro localizado à própria glândula, e nesse neste estádio é possível a cura. Se dissemina para além da própria glândula e metastiza à distância, os tratamentos locais tornam-se ineficazes e resta o tratamento hormonal, infelizmente paliativo. Quando, finalmente, o carcinoma deixa de ser sensível ao tratamento hormonal segue-se uma evolução rapidamente fatal. Daqui resulta que o carcinoma da próstata, embora de evolução habitualmente longa, oferece um espaço de cura relativamente curto.
Além disso, todos os tipos de tratamento curativos (cirurgia radical ou radioterapia) e mesmo os paliativos (hormonoterapia, quimioterapia), apresentam perda apreciável de QL, especialmente incontinência urinária, disfunção eréctil, fraqueza muscular, osteoporose, etc.
São conhecidos alguns factores de risco para o CaP: idade, raça (afro-americanos), história familiar (risco aumentado cinco a 11 vezes), dieta (gordura animal, factor de grande risco), PSA, actividade aumentada da 5-alfa reductase e PIN (neoplasia prostática intra-epitelial).
Segundo Walsh, um entusiasta da cirurgia radical, para melhorar a mortalidade e morbilidade desta doença devemos fazer prevenção primária e secundária, melhorar o diagnóstico precoce e desenvolver processos de cura para doença localizada e métodos de tratamento da doença avançada hormonorresistente.
Em relação ao diagnóstico precoce, a descoberta do PSA revolucionou verdadeiramente todos os aspectos do diagnóstico e tratamento do CaP. Contudo, restam ainda dúvidas porquanto não está ainda cientificamente provado que o uso generalizado do PSA resulte em diminuição da taxa de mortalidade.
Quanto à prevenção, esta assenta na existência de abundante evidência da ligação do CaP aos androgénios e estrogénios. Por exemplo, sem estímulo androgénico a próstata não se desenvolve, não ocorre hiperplasia benigna (HBP) nem cancro da próstata, o PSA é igual a zero e não se desenvolve epitélio prostático. Por outro lado, observações clínicas e epidemiológicas mostram incidências diferentes de acordo com variação dietética e étnica, com a ingestão de soja.
Há também e evidência de baixo nível de 5-alfa reductase nos asiáticos. A prevenção assente na alteração da dieta e do estilo de vida resulta em benefício, não apenas em relação ao CaP, mas também em relação a todas as causas de morte, nomeadamente, as devidas a doenças cardiovasculares.
Na prevenção devemos ter em conta vários factores, como a provável acção anti-inflamatória do ácido acetilsalicílico (AAS) e dos inibidores Cox-2 (antioxidantes com acção anti-inflamatória). As modificações dietéticas incluem a eliminação das gorduras e de carnes vermelhas. Produtos ricos em soja mostraram efeito protector. A ingestão de licopenes, carotenóide encontrado no tomate e poderoso antioxidante, está positivamente ligado à diminuição do risco de CaP. O chá verde é outra substância associada à prevenção do CaP porque contém alto teor de flavonóides, substâncias com propriedades inibidoras do crescimento celular. Brócolos, outros vegetais e frutos são protectores de outros tipos de cancros, mas demonstraram eficácia no CaP.
A alimentação rica em ácidos alfa-linoleico e leite revelaram aumento de risco de CaP.
No sentido de avaliar a capacidade de prevenção de várias substâncias realizaram-se ensaios alguns dos quais sugeriram de vantagens. Por exemplo, o ensaio SELECT mostrou que multivitaminas (ácido fólico, B6, B12 e vit. D) têm impacto em várias doenças crónicas e reduzem o risco de morbilidade e mortalidade precoce.
O selénio (Se), na dose de 200 microgramas/dia, previne a iniciação e reduz em 63% a taxa de carcinoma da próstata. A vit. E, na dose diária de 50-100 UI, reduz o risco de carcinoma da próstata, especialmente nos fumadores.
Provou-se também que a exposição ao sol tem efeito protector do CaP, talvez por acção da vit. D ou da hormona paratiróide. O mesmo acontece para a vit. A. A ingestão de determinados peixes (salmão, arenques) contendo elevadas taxas de ácidos gordos ómega-3 tem também efeito protector. Outros estudos ligam a prevenção do CaP ao exercício físico por diminuição do nível sérico da T e diminuição da obesidade. Sabe-se que um regime hipercalórico é desfavorável à prevenção. Pensa-se que uma actividade sexual regular possa ter um papel positivo na prevenção do CaP.
A quimioprevenção do CaP tem sido ensaiada ultimamente com base no conhecimento do papel importante da DHT no desenvolvimento da próstata, da HBP e do CaP. A DHT resulta da conversão da T em DHT por acção da 5-alfa reductase, da qual existem dois tipos (tipos 1 e 2).
Teoricamente, a inibição da 5-alfa reductase pode impedir ou inibir o desenvolvimento do CaP. Com base nesta hipótese foi desenvolvido um ensaio, denominado PCPT, com um inibidor da 5-alfa reductase do tipo 2 – finasteride. Este ensaio mostrou, pela primeira vez em indivíduos saudáveis, uma redução de 24,8% do risco de CaP.
Actualmente, decorre um ensaio (REDUCE) com dutasteride, um inibidor da 5-alfa reductase tipo 1 e tipo 2. O objectivo deste ensaio é verificar se o dutasteride tem eficácia suficiente para alterar a história natural do CaP no sentido de uma maior redução do risco. O conhecimento actual da etiologia do CaP torna necessário efectuar também estudos com inibidores dos estrogénios (mepartricin) para avaliação do efeito destas substâncias na prevenção química do CaP.
Em conclusão, apesar de todo o progresso, o tratamento do CaP é apenas possível nos estádios localizados; os CaP pouco agressivos curam facilmente, porém, os CaP agressivos curam dificilmente e exigem tratamento adjuvante Rt/Ht/hormonoquimioterapia com óbvios custos em morbilidade. O estilo de vida, a dieta e algumas substâncias naturais influenciam a incidência e o comportamento do CaP. Estratégias primárias de prevenção sugerem capacidade apreciável. Estratégias com quimioprevenção estão em fase experimental: PCPT não foi concludente; aguardam-se resultados do estudo REDUCE e de outros em estudo.