Artigo de Mundo Médico®
Nº 38 / Janeiro e Fevereiro de 2005
45 Vírus, rastreio do cancro do colo do útero e vacinação
- Prof. Doutor Rui Medeiros
Prof. Doutor Rui Medeiros
Inst. Port. Oncologia, CROP-Porto Pela Direcção da SPPV (www.sppv.org)
Portugal: elevada incidência de cancro do colo uterino
Todos os estudos científicos têm demonstrado a presença de um vírus na origem do carcinoma do colo uterino. Este vírus é conhecido por papilomavírus humano ou HPV (da designação internacional «human papillomavirus»).
Os estudos epidemiológicos têm demonstrado uma forte associação entre o cancro do colo uterino e padrões de comportamento sexual. Segundo estudos recentes, publicados pelo IARC (International Agency for Research on Cancer), Portugal tinha, em 1998, as mais altas taxas de incidência e mortalidade da Europa Ocidental. Em Portugal, estima-se em cerca de 1000 o número de novos casos detectados todos os anos.
III Simpósio Internacional HPV e Cancro
Recentemente (13 a 16 de Outubro) e no âmbito do seus objectivos, a SPPV organizou em Lisboa (Hotel Pestana Palace) a maior reunião sobre vírus e cancro em Portugal.
O «III Simpósio Internacional HPV e Cancro» iniciou-se com um excelente curso «Do desenho do protocolo à publicação: como ter sucesso na pesquisa clínica» sob a coordenação do Prof. Eduardo Franco (Division of Epidemiology - Department of Oncology - McGill University, Canadá). Recordamos que de acordo com as novas directrizes do Plano Nacional de Saúde, o envolvimento de todos os médicos e outros profissionais de saúde na Investigação Clínica foi considerado prioritário, sendo considerado como critério cada vez mais importante na avaliação profissional e no sucesso do mesmo Plano Nacional de Saúde.
HPV, formas de transmissão e factores de risco associados
«Comportamento sexual, HPV, HSV, HIV e cancro» foram explicados pelo conhecido investigador da Catalunha Prof. Xavier Bosch (Servei d’Epidemiologia i Registre del Càncer, Institut Català d’Oncologia, Barcelona). Os vírus HPV, para além do cancro do colo uterino, estão também associados a alguns tipos de verrugas e ainda a outras neoplasias anogenitais. Existem identificadas mais de 90 variantes (tipos) do HPV, sendo cada novo tipo de HPV caracterizado com base na sequência do DNA viral.
Cerca de 40 tipos de HPV podem infectar o tracto urogenital e destes cerca de 17 estão associados ao desenvolvimento de cancro sendo conhecidos por HPV de alto risco ou HPV oncogénicos. A investigação nesta área demonstrou que as proteínas virais complexam com proteínas importantes na regulação do ciclo celular no hospedeiro. Todos os estudos indicam que a principal forma de transmissão é a via sexual sendo esta doença considerada uma das principais doenças sexualmente transmissíveis (DST).
Uma idade precoce na primeira relação sexual e múltiplos parceiros são factores de risco amplamente aceites. Hábitos tabágicos, uso de contraceptivos orais, presença de doenças venéreas, algumas deficiências nutricionais e raça/etnia, têm também sido descritos como factores de risco para o cancro do colo uterino.
Uma investigação recente realizada pelo nosso grupo no IPO-Porto, com apoio do Ministério da Saúde e premiada pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia demonstrou que apesar do factor iniciador do cancro do colo do útero seja um vírus, a evolução para cancro ocorre cerca de 10 anos mais cedo nas mulheres fumadoras, demonstrando claramente o efeito do fumo do cigarro num desenvolvimento precoce desta neoplasia.
A prestigiada especialista Ethel M de Villiers (German Cancer Research Center-Heidelberg, Alemanha) ajudou-nos a compreender a ligação entre o uso de contraceptivos hormonais e a carcinogénese por HPV. Os aspectos bioquímicos e genéticos foram apresentados pela Professora Sandra Caldeira e pelo Professor Massimo Tommasino, reputado especialista da Organização Mundial de Saúde e IARC-International Agency for Research on Cancer (Lyon).
Importância do rastreio
Entre os vários palestrantes estrangeiros convidados destacamos o Dr. Atilla Lorincz (Estados Unidos), que é um prestigiado especialista que nos falou sobre o futuro dos testes de HPV e o Prof. Eduardo Franco que referiu os vários aspectos a considerar na epidemiologia do HPV e no uso dos testes de HPV no rastreio do cancro do colo do útero.
Segundo estes dois especialistas, as novas metodologias de biologia molecular com a detecção do DNA ou RNA do HPV e a sua automatização permitem a determinação exacta do impacto de um rastreio organizado em larga escala, bem como a avaliação sistemática e objectiva de todas as implicações na saúde pública das populações.
Todas as mulheres sexualmente activas devem efectuar regularmente o seu exame ginecológico. A detecção precoce de alterações celulares ou de HPV podem ajudar a controlar a doença. Recentemente, a FDA (Food and Drug Administration), principal organização americana de controlo da saúde, aprovou a utilização da pesquisa do HPV por métodos moleculares em combinação com a citologia cervicovaginal (vulgo Papanicolau) no rastreio do cancro do colo do útero. Durante o Simpósio, diversas sessões procuraram actualizar os mais recentes consensos no que diz respeito ao diagnóstico patológico e molecular das lesões associadas ao HPV.
Transmissão vertical e HPV em locais não ginecológicos
A presença de HPV em lesões da pele foi discutida pela Prof.ª Ethel de Villiers e a prevalência da infecção por HPV na criança e transmissão vertical dos vírus HPV e HSV foram apresentados pela prestigiada especialista finlandesa Stina Syrjanen (Faculdade de Medicina de Turku, Finlândia).
O Prof. Walter Prendiville (Irlanda) fez um «update» da Lesão Glandular do Endométrio (AGUS e AIS) e o Professor Alex Ferenczy (McGill University, Canadá) apresentou o tema «Colposcopia na Grávida; Novos horizontes no uso de tecnologia de diagnóstico da patologia do colo do útero» com a apresentação de casos clínicos.
A doença viral no homem e o seu papel na cadeia de transmissão de uma doença sexualmente transmissível foram assuntos discutidos pelos Profs. Xavier Bosch, Prof.ª Ângela Pista (Lisboa) e pelo Prof. Marc Steben (Canadá).
Entre os vários temas em discussão o painel «HPV em locais não ginecológicos» apresentado por um reputado painel de especialistas nacionais (www.sppv.org) abordando a perspectiva das várias especialidades médicas desde a otorrinolaringologia à dermatologia.
Os aspectos respeitantes ao diagnóstico e tratamento das lesões do canal anal também foram objecto de discussão por diversos especialistas nacionais. O papel da terapêutica fotodinâmica de lesões cutâneas e a utilização dos fitoestrogénios foram também objecto de abordagem de novas terapêuticas.
Opinião pública e sensibilização para este problema
O sucesso de qualquer medida de saúde pública nesta área envolve o conhecimento por parte da população das principais atitudes que podem ser preconizadas no sentido de diminuir o risco de desenvolver esta neoplasia. É um facto que o cancro do colo do útero continua a ser um grave problema em Portugal, que esta é uma neoplasia provocada por um vírus (HPV), e que é possível fazer o seu rastreio.
Outro aspecto preocupante envolve o facto de cada vez existirem mais mulheres, em especial adolescentes, com o hábito de fumar, uma vez que existe uma associação sinérgica entre a infecção por HPV e o fumo do cigarro no desenvolvimento desta neoplasia. Na abordagem dos aspectos de diagnóstico e terapêutica das lesões por HPV, o Prof. JL Mergui (França), alertou para as lesões do colo uterino na adolescência, na menopausa e em doentes com HIV.
Interacção vírus-hospedeiro e desenvolvimento de vacinas
Felizmente, nem todas as mulheres infectadas por HPV irão desenvolver cancro do colo uterino. A persistência da infecção por HPV parece ser um dos problemas principais, pois uma grande parte das mulheres tem capacidade imunológica para eliminar o vírus. A investigação actual empenha-se em caracterizar outros factores que podem, em conjugação com o HPV, despoletar o desenvolvimento de cancro do colo uterino.
Estão também em curso alguns ensaios clínicos com vacinas anti-HPV que poderão ter aplicação na prevenção deste cancro em particular em grupos de risco.
Relativamente à vacinação anti-HPV e a interacção imunológica entre o tumor e o hospedeiro tivemos a abordagem apresentada pelo Prof. Ian Frazer (Centre for Immunology and Cancer Research, Austrália), reconhecido como um dos mais reputados especialistas em vacinas anti-HPV. Os resultados mais recentes apontam na eficácia destas vacinas no aspecto profilático/prevenção da infecção e também na redução da carga viral no tratamento das lesões infectadas por HPV oncogénicos.