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Artigo de Mundo Médico®

Nº 38 / Janeiro e Fevereiro de 2005






08 Prever cancros urológicos: evidências e oportunidades
- Prof. Doutor José Manuel Lopes
Prof. Doutor José Manuel Lopes
Médico Anatomopatologista. Professor Associado da Faculdade de Medicina do Porto e Ipatimup


A necessidade de medicina preventiva e preditiva em Oncologia

O cancro é uma doença genética que resulta da interacção entre os nossos genes e o meio ambien­tal, isto é, de interacção genético-ambiental. De facto, os estudos epidemiológicos indicam que são várias, e em proporções variáveis, as contribuições de factores genéticos (hereditários) e ambientais que, em conjunto, constituem o risco de uma pessoa desenvolver um cancro.

Há, assim, factores de risco inevitáveis (hereditariedade) e evitáveis (ambiente) que justificam a necessidade de uma medicina preventiva em Oncologia.

Nos últimos anos tem-se tornado evidente que os recursos financeiros disponíveis são, cada vez mais, insuficientes para dar resposta às crescentes necessidades financeiras da medicina moderna altamente tecnológica, designadamente do cancro, em que a abordagem se tem centrado numa sequência que visa aumentar a sobrevida dos doentes: sintomas → diagnóstico → terapêutica/paliativa.

As estratégias de abordagem alternativas, baseadas na prevenção e na detecção precoce, potenciam a melhoria da saúde e da longevidade das pessoas e, possivelmente, com uso de menos recursos financeiros.

Para muitas doenças, a medicina preditiva, que inclui métodos genéticos, pode melhorar a capacidade de avaliar e identificar indivíduos em risco de (predisposição para) desenvolver ou em fases pré-sintomáticas das doenças (ex. cancro), indicar a necessidade de modificações ambientais (ex. tabaco, hidrocarbonetos, aminas aromáticas) e comportamentais/culturais (ex. dieta), terapêuticas precoces ou individualizadas, e testes de rastreio específico (ex. biopsia prostática em famílias ou indivíduos com risco genético de cancro prostático), que potenciam possibilidades de cura dessas doenças.

A predição, a prevenção e o aconselhamento de pessoas com risco de desenvolver doenças genéticas teve e continua a ter grande êxito em doenças que envolvem um único gene, com padrões de hereditariedade mendeliana (Johann Mendel foi um boticário e monge agostinho austríaco do séc. XIX, e pode ser considerado como o fundador da genética).

Actualmente, já há testes genéticos disponíveis para detectar genes de susceptibilidade para o cancro, ou seja, genes em que mutações raras predispõem para síndromes pouco frequentes de cancro hereditário (ex. cancro hereditário da mama e do ovário, cancro hereditário do cólon sem pólipos, e cancro associado à polipose adenomatosa familiar).

Nestas síndromes familiares, os descendentes herdam alterações de uma das cópias (alelo) do gene de susceptibilidade para o cancro – estas alterações são designadas mutações germinativas – que podem detectar-se nas células dos indivíduos da família. Estas mutações germinativas são responsáveis por alterações de vários tecidos (pleiotropia) observadas nos doentes com estas síndromes.

Os membros de uma família podem apresentar manifestações diferentes do mesmo defeito genético (expressividade variável) e o cancro pode desenvolver-se na sequência de alteração da outra cópia do gene de susceptibilidade, em consequência de interacções genético-ambientais (são as designadas mutações somáticas).

Os cancros hereditários familiares constituem, infelizmente, modelos naturais excelentes para o entendimento dos mecanismos genéticos mole­culares envolvidos na sua génese.

Nestas síndromes, um teste genético positivo para a presença da mutação implicada indica que o indivíduo tem um risco aumentado para desenvolver cancro. Contudo, não é seguro que esse indivíduo vai desenvolver um cancro. Há portadores da alteração genética germinativa que podem escapar às manifestações da síndrome – isto quer dizer que um teste genético positivo indica risco de ter cancro, e não que o indivíduo vai desenvolver, necessariamente, cancro –, são os designados portadores não-penetrantes.

No entanto, virtualmente todas as síndromes que predispõem para cancro com início na idade adulta têm penetrância dependente da idade, porque a probabilidade de acumulação de alterações que causam cancro (a tal interacção genético-ambiental que causa mutações somáticas) aumenta com a idade. Um teste genético negativo num indivíduo de uma família com síndrome de cancro hereditário permite afirmar que o risco desse indivíduo desenvolver cancro é idêntico ao da restante população (sem síndrome).

É importante não esquecer que há diferenças nos resultados e implicações dos testes genéticos das várias síndromes de cancro hereditário.
É pois necessário o aconselhamento genético por um especialista.

Felizmente, os cancros hereditários constituem uma minoria dos casos de cancro, até 30% em alguns tipos de cancro infantil e 5-10% dos casos dos adultos (geralmente com idades mais jovens). Ao contrário destes cancros, geralmente inevitáveis, a grande maioria dos cancros resultam de factores ambientais (carcinogéneos), que agridem de forma cumulativa e progressiva o genoma (os genes) das células expostas – são designados cancros esporádicos. A medicina preditiva pode ajudar a evitar/diminuir a incidência e a prevalência do cancro que, no futuro próximo, pode ser a principal causa de morte no chamado «mundo ocidental», em que a população tende a ter maior longevidade.

O grande desafio actual, numa perspectiva preventiva, está pois no entendimento dos mecanismos genéticos oncogénicos (ex. mutações de genes de baixa penetrância) implicados na predisposição/susceptibilidade para a ocorrência de cancros esporádicos que são, variavelmente, dependentes de factores ambientais, comportamentais, dietéticos e étnico/culturais.

O risco e a susceptibilidade genética no cancro urológico

Os cancros urológicos incluem, por ordem decrescente de frequência estimada para Portugal, cancros da próstata, bexiga, rim e testículo. Os cancros da bexiga e do rim são mais frequentes nos homens. O cancro da próstata é o 3.º cancro mais frequente (depois do cólon/recto e pulmão) e a 2.ª causa de mortalidade (depois do pulmão) por cancro nos homens. Em Portugal, estima-se que o risco de morte por cancro da próstata é de 4% e da bexiga 0,8%.

Há dados epidemiológicos, com base em estudos de risco familiar em países nórdicos, que indicam agregação familiar dos seguintes cancros urológicos, por ordem decrescente de frequência: próstata (≈ 15%), bexiga (≈ 4%), rim (≈ %) e tes­tí­culo (< 1%). O risco parece ser maior para o cancro do testículo e da próstata em indivíduos em que no progenitor também ocorreu esse tipo de cancro.

Os dados epidemiológicos, com base em estudos de gémeos (mono e dizigóticos, isto é, verdadeiros e falsos, respectivamente) também em países nórdicos, indicam que 42% na variação na susceptibilidade para cancro da próstata é dependente de factores hereditários, sendo o risco maior em gémeos monozigóticos. Para o cancro da bexiga, estes estudos sugerem participação limitada de factores hereditários.

São, porém, necessários mais estudos para esclarecer quanto da agregação familiar de cancro urológico é devida a factores ambientais partilhados pelos membros da família e quanto é devida à partilha de genes que conferem predisposição/susceptibilidade aumentada para esses cancros.

Apesar de grande desconhecimento das causas, identificaram-se alguns factores de risco para o carcinoma da próstata: idade avançada, preservação do metabolismo androgénico, etnicidade e predisposição genética.

A incidência e a mortalidade por cancro da próstata no mundo varia consideravelmente. Parece que a dieta (consumo de gorduras, selénio, fitoestrogénios, licopenos, vitaminas E e D) e o es­tilo de vida poderão explicar parte desta variação mundial. Foram identificados alguns genes candidatos para a susceptibilidade hereditária familiar do cancro da próstata, mas ape­nas uma pequena fracção dos cancros da próstata tem origem em genes de susceptibilidade com elevada penetrância.

Embora os genes de baixa penetrância sejam causa de baixo risco individual, estes genes são mais frequentes nas populações e podem ser determinantes importantes para o risco de carcinoma da próstata esporádico. Dito de outra forma, estes polimorfismos genéticos de baixa penetrância (que são variantes normais dos genes) em combinação com factores carcinogéneos ambientais, podem alterar (aumentando ou diminuindo) a predisposição para cancro da próstata.

Uma vez que o desenvolvimento e a progressão de carcinoma da próstata é influenciado pelos androgénios (hormonas «masculinas»), os polimorfismos dos genes que codificam proteínas envolvidas na biossíntese e metabolismo dos androgénios têm sido usados em estudos de candidatos a genes de susceptibilidade e está na base de estratégias (quimio) preventivas de carcinoma da próstata.

Os resultados têm sido contraditórios e pouco reprodutíveis, devido a problemas metodológicos e à dimensão das amostras (relativamente poucos casos estudados), esperando-se que possam ser esclarecidas com a introdução de novas tecnologias de genotipagem de grande capacidade (com os chamados «chips» de ADN).

A incidência de cancro da bexiga no mundo também varia consideravelmente e também tende a aumentar com o envelhecimento da população. Há evidências convincentes de que o consumo (frequência e duração) de cigarros aumenta substancialmente o risco de carcinoma da bexiga (esta evidência é menos convincente para charutos e cachimbo); é possível, ou provável, a diminuição deste risco com ingestão de vitamina E e de selénio.

A exposição a hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e aminas aromáticas, principalmente resultante do consumo de cigarros ou da ocupação (ex. indústria da borracha, tinturarias, corantes, tintas, cabeleireiros, lavandarias, minas de carvão, etc.) associa-se com a carcinogénese da bexiga.

Várias enzimas envolvidas no metabolismo destes (pró) carcinogéneos são codificadas por genes polimórficos, com possíveis variações genéticas normais, que podem contribuir para a susceptibilidade genética para o carcinoma da bexiga. Algumas destas enzimas fornecem defesas celulares contra hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, aminas aromáticas ou ambos os carcinogéneos, activam carcinogéneos do tabaco ou protegem as células dos radicais livres que resultam da agressão carcinogénica.

Estudos recentes demonstraram um aumento significativo do risco de carcinoma da bexiga, em indivíduos com alto risco de exposição profissional a carcinogéneos da bexiga e polimorfismos genéticos destas enzimas, designadamente em indivíduos com hábitos tabágicos pesados.

Conhecem-se já várias síndromes heredofamiliares que predispõem para cerca de 1-4% do total de casos de cancro do rim. Há também casos de cancro testicular familiar, mas ainda não foram identificados os genes de susceptibilidade para explicar o risco aumentado nestas famílias. Para alguns cancros heredofamiliares do rim já há testes que permitem a identificação de mutações germinativas dos genes envolvidos e deverão ser indicados quando o indivíduo suspeito é familiar em 1.º grau de um doente com cancro renal hereditário conhecido. Para os cancros do rim e do testículo é ainda muito escassa, ou ausente, a informação sobre susceptibilidade genética de cancros esporádicos.

As implicações individuais e sociais dos testes genéticos de susceptibilidade para cancro

A informação crescente sobre a sequência do genoma humano já tem, vai ter mais, consequências inevitáveis em muitos aspectos da prática clínica: melhorar o conhecimento dos mecanismos das doenças, desenvolver novos medicamentos, tratamentos e testes com base em características moleculares e genómicas, ou seja, melhores possibilidades de prever, prevenir, diagnosticar e tratar precocemente as doenças não-oncológicas e oncológicas.

Os testes genéticos para determinação de risco de cancro são uma realidade para alguns cancros de síndromes heredofamiliares – prevê--se no futuro próximo a sua utilização alargada em cancros esporádicos – e têm o potencial de reduzir a mortalidade, porque permitem o uso de terapêuticas preventivas específicas e modificação de comportamentos de risco. No entanto, a produção e a comunicação da informação obtida com estes testes genéticos pode ter implicações éticas e consequências psicológicas e sociais negativas que devem ser identificadas e minimizadas.

Há muitas razões para os candidatos potenciais declinarem a realização de testes genéticos de susceptibilidade para cancro e que incluem: incerteza associada ao significado de um resultado positivo, efeitos psicológicos negativos, preocupações acerca do stress familiar, implicações no estilo de vida, perda de privacidade, discriminação genética, discriminação racial, limitações na segurança social e seguros de saúde e de vida.

A implementação de estratégias de prevenção do cancro com base em testes genéticos implica, por isso, a existência de legislação adequada e de centros multidisciplinares com capacidade para fornecer serviços de aconselhamento, testes diagnósticos, terapêutica e seguimento adequados aos potenciais candidatos. É nestas equipas que os anatomopatologistas poderão ser essenciais para a validação diagnóstica e orientação de estudos moleculares em tecidos colhidos com objectivos preditivo e prognóstico do cancro. Por exemplo, no caso dos cancros heredofamiliares renais, o teste genético de susceptibilidade a realizar depende do tipo histológico diagnosticado pelo patologista no tumor renal do familiar em 1.º grau em que foi detectado um cancro desse síndrome heredofamiliar.

A elevada prevalência e mortalidade actual dos cancros urológicos (particularmente da próstata e da bexiga), a disponibilidade de medidas preventivas (nos cancros da próstata e bexiga), a possibilidade de detecção precoce e de cura (nos cancros da próstata, rim e testículo, sendo ainda incerta nos da bexiga) são argumentos que sustentam a necessidade de implementação, ou reforço, de uma medicina preventiva, com inclusão de testes genéticos de susceptibilidade em Oncologia Urológica.

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