Artigo de Mundo Farmacêutico®
Nº 53 / Julho e Agosto de 2011
32 Fitoterapia nos sintomas e doenças associadas à pós-menopausa
- Prof.ª Doutora Maria da Graça Campos
O aumento da vida média da mulher levou a que uma parte significativa da sua actividade laboral ocorra num período pós-menopausa. No entanto, a menopausa, confirmada retrospectivamente por 12 meses de amenorreia, é uma consequência natural da idade e caracteriza-se, fisiologicamente, por um quadro de hipoestrogenismo, o qual afecta todos os tecidos que possuem receptores estrogénicos.1
Pese embora o facto de que existem doenças associadas à carência em estrogénios, nomeadamente, osteoporose e problemas cardiovasculares, e também sintomas que se traduzem, em algumas situações, num desconforto para a mulher, levando à possibilidade de se utilizar algum tipo de medicação que ajude a repor o equilíbrio em falta, esta situação não é condicionante nem se traduz em nenhum estado patológico per si. Os sintomas físicos referem-se a alterações bruscas de temperatura (afrontamentos e suores nocturnos), fruto de alterações ainda não totalmente compreendidas no mecanismo de regulação da temperatura no hipotálamo2, alterações sexuais por redução da libido ou por secura da mucosa vaginal e instabilidade nos níveis de serotonina, entre outros, que podem induzir depressão, irritabilidade, fadiga e alterações do humor e do sono, e que reflectem normalmente o indice de Kupperman3, que é citado, por vezes, por alguns autores.
As principais terapias preventivas para as doenças citadas ou para a sintomatologia que se descreveu no parágrafo anterior conduzem, quase sempre, a uma possível administração de moléculas que possam ligar-se aos receptores estrogénicos e funcionar como tal4. Acontece que, no nosso organismo, existem dois tipos de receptores estrogénicos (alfa e beta) que não estão igualmente distribuídos e em que os alfa, ao serem responsáveis pela proliferação celular, podem interferir na estimulação de focos tumorais, podendo conduzir ao aumento dos mesmos.
Desde que foi reconhecida na terapia hormonal de substituição (THS), levada a efeito com moléculas próximas dos estrogénios, uma quantidade considerável de risco, a comunidade científica virou-se para outras fontes de substâncias que, não sendo hormonais, podem ligar-se aos mesmos receptores e exercer um efeito similar no organismo.
Se, por um lado, a diferente afinidade deste tipo de estruturas químicas, quase sempre fitoestrogénios (retirados de plantas), ao ligarem-se aos dois receptores estrogénicos pode ser inferior à das hormonas endógenas ou à das hormonas usadas em THS convencional, por outro, a avaliação de risco do consumo das mesmas sem supervisão médica ainda não apresenta a segurança necessária para que sejam utilizadas.
A ideia de que sendo a fonte destes constituintes matrizes vegetais, muitas vezes também usadas em alimentação, como o caso da soja, não descarta a possibilidade de poder induzir efeitos secundários graves, dependendo da dose, mas também do indivíduo que os consome.5
Os resultados da utilização de determinados produtos num indivíduo saudável podem ser bem diferentes comparativamente aos obtidos se os mesmos forem administrados a um indivíduo doente, debilitado ou idoso, pelo que o cuidado na avaliação do estado de saúde da mulher em perío-do pós-menopáusico é fundamental para se perceber, primeiro, se há ou não necessidade do seu consumo e, depois, se pode ou não submeter-se a esse tipo de tratamento.
A avaliação cuidada efectuada pelo corpo clínico especializado, assim como, o seguimento de todo e qualquer tratamento é a base que pode ajudar enquanto os dados científicos ainda continuam confusos e sem conclusões seguras.
Nos dois anos em que tenho estado a trabalhar como especialista na European Scientific Cooperation - Working Group on Isoflavones, na Agência Europeia «European Food Safety Authority (EFSA)», tive oportunidade de colaborar com mais 13 cientistas da UE sobre avaliação de risco, no que concerne ao consumo de isoflavonas, cuja fonte mais corrente é a soja, embora também possam ser retiradas de trevo vermelho, cimicifuga ou kudzu, para citar apenas as mais usuais. Até agora, continua a indefinição resultante de várias conclusões contraditórias, o que aconselha a um cuidado acrescido6, dado que, na maioria das situações, a transposição do consumo de determinados alimentos provenientes da dieta alimentar de outras etnias, nomeadamente, a asiática, pode ter um impacto imprevisível na população caucasiana, como é o nosso caso7.
No que concerne ao uso de isoflavonas, por exemplo, para prevenção ou tratamento de doenças e sintomas associados à pós-menopausa, ainda não existem estudos clínicos que validem, de forma inequívoca, o consumo de extractos ricos nestes constituintes, muito em especial porque, em algumas situações, pode vir acrescido de uma ingestão concomitante de alimentos enriquecidos nos mesmos, tais como, iogurtes e leite de soja, tofu, temph, miso ou qualquer outro produto que os contenha. Tudo isto deixa muito vaga a possibilidade de se avaliar com rigor a exposição.
Uma terapia com acção hormonal, mais corrente nas situações que estamos a abordar, é feita, normalmente, a longo prazo, devendo sempre ter-se este aspecto em consideração, pelo que a avaliação do efeito e das reacções adversas deve ser seguida com cuidado. Assim, a ponderação deve iniciar-se por ajudar no alívio de alguns dos sintomas, sem que haja recurso absoluto a terapia hormonal, seja qual for a fonte química da medicação.
A quantidade de substâncias que hoje se sabe poderem ligar-se aos receptores estrogénicos não deixa margem para erros, pelo que a aleatoriedade na opção pode conduzir a uma difícil interpretação do seu impacto nos processos tumorais hormonodependentes, que são um flagelo da sociedade actual.
No âmbito destes possíveis estudos, também no nosso Laboratório da Faculdade de Farmácia da UC executámos vários screenings de avaliação de fórmulas que contêm extractos de isoflavonas comercializados no nosso País8 e em outros da União Europeia9, e a panóplia de concentrações que foi encontrada é absolutamente aberrante, tendo limites bastante extremos. Uns, em que o conteúdo é quase vestigial, até quantidades muito elevadas por dose diária.
Numa tentativa de ajudar na avaliação dos extractos para potenciais medicamentos à base de plantas, fizemos também um estudo de sementes de soja, graciosamente cedidas pelo Banco de Germoplasma, do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América do Norte, e verificámos que existem várias possibilidades para se obterem extractos padronizados com este tipo de moléculas activas.10
Os ensaios clínicos devem ser sempre precedidos de uma análise consistente dos extractos, assim como da quantificação dos diferentes constituintes bioactivos, pelo que publicámos, recentemente, uma proposta para padronização da determinação teórica da eficácia prevista (TE, Theoretical Efficacy) para um determinado extracto antes de ser submetido a um ensaio e, ao mesmo tempo, a determinação da TERE (Theoretical Efficay Related to Estradiol), que consiste em fazer os cálculos teóricos, que nos permitirão prever qual a comparação dos resultados esperados relativamente ao tratamento de referência com estradiol.11
Para um estudo aprofundado deste tema, recomendo que aguardem pela publicação do Relatório Científico que estamos a terminar na EFSA, uma vez que resume a bibliografia disponível e as conclusões dos especialistas da Comunidade Europeia sobre a «Avaliação do Risco de Perigo no Consumo de Isoflavonas», que poderá ser consultado no site. Neste estudo, podem ainda ler-se as potenciais interacções com outros medicamentos, o que é de crucial importância, atendendo a que a mulher em pós-menopausa pode ter patologias que requerem medicação e que pode ficar comprometida a sua eficácia caso se tomem, concomitantemente, outro tipo de medicamentos e/ou extractos de plantas, em especial, em situações oncológicas.
Outros extractos, também recomendados para a sintomatologia da pós-menopausa, como, por exemplo, os de gongko, ginseng ou de angélica, devem ser ponderados, uma vez que também podem interferir com alguns medicamentos, alterando o seu metabolismo. As interacções planta-medicamento ocorrem frequentemente12, podendo inibir a acção dos medicamentos, mas também conduzir a efeitos adversos de elevada toxicidade, pelo que devem ser avaliadas com muita cautela.
Prof.ª Doutora Maria da Graça Campos,
Centro de Estudos Farmacêuticos, Laboratório de Farmacognosia da FFUC
Referências:
1. Plácido G. M. «Estado da Arte na Terapêutica da Menopausa», Boletim do CIM, 3-4, ROF 94 (Julho/Agosto) 2010.
2. Sturdee DW. The menopausal hot flush - anything new? Maturitas. 2008 20;60(1):42-9.
3. Carranza-Lira S, Velasco Díaz G, Olivares A, Chán Verdugo R, Herrera J. Correlation of Kupperman’s index with estrogen and androgen levels, according to weight and body fat distribution in postmenopausal women from Mexico City. Int J Fertil Womens Med. 2006, 51(2):83-8.
4. www.menopause.org/bio identical.html.
5. Nielsen I. L. and Williamson G., Review of the Factors Affecting Bioavailability Of Soy Isoflavones in Humans, Nutrition And Cancer, 2007. 57(1), 1-10
6. Cassidy, A.; Albertazzi, P.; Nielsen, I.L.; Hall. W.; Williamson, G.; Tetens, I.; Atkins, S.; Cross, H.; Manio, Y.; Wolk, A.; Steiner, C.; Branca, F. Critical revue of health effects of soyabean phyto-estrogens in post-menopausal women. (Consensus paper of Phytohealth, Research Plataform, Directions for EU Research on Phytoestrogens). Proc. Nutr. Soc. 2006, 65, 76-92.
7. Campos M. G. Riscos de ingestão de isoflavonas na população caucasiana. 2009, http://cla.fccn.pt/2009/video.php?id=22122.
8. Campos M. G., Paranhos António H., Matos Miguel P.,. Câmara Maria T., Cunha Margarida M., Pinto P., Armando J. Silvestre, Amado F., Neto P. C. 2006. Comparative Analysis Of Over the Counter Tablet Preparations Of Isoflavones Extracted From Soy Available In Portugal, Natural Products Communications, 1 (11) 973-980.
9. Campos et al., Isoflavone content overview in selected commercial soy-based products manufactured in Europe. Submetido.
10. Campos M. G., Matos Miguel P., Câmara Maria T., Cunha Margarida M., 2007 The variability of isoflavones in soy seeds and the possibility of obtaining extracts for over the counter tablet preparations that can be standardized. Ind. Crop. Prod., 26, 85-92.
11. Campos M. G., Matos M. P, Bioactivity of Isoflavones: Assessment Through a Model as a Way to Obtain a «Theoretical Efficacy Related to Estradiol (TERE)», Int. J. Mol. Sci. 2010, 11, 480-491.
12. Campos M.G., Costa G. and Pelkonen O. A huge number of mixtures and substances: How to deal with them? Toxicology Letters 2010, 196S, 16-17.