Artigo de Mundo Farmacêutico®
Nº 29 / Julho e Agosto de 2007
34 Actividade empresarial laboratorial em dificuldades
- Dr. Carlos Clara
A actividade empresarial laboratorial tem sido sujeita ao longo do tempo a grandes pressões sobre a sua rentabilidade, resultando um estado actual em que a maior parte dos donos de laboratórios se encontra em sérias dificuldades.
Nos últimos 15 anos, os proveitos destas empresas mantiveram-se ao longo do tempo – neste período apenas houve um aumento de 6%, havendo uma redução de 5% no ano transacto e prevendo-se redução no corrente ano. Os custos, esses aumentaram exponencialmente – aumentos de ordenados, reagentes e outros materiais, dois aumentos de IVA, aumento dos serviços exteriores, dos custos decorrentes da cada vez maior concorrência, do investimento em tecnologia e instalações.
Sendo uma actividade lucrativa no passado, sem grande esforço de gestão, actualmente, é condição de sobrevivência uma gestão rigorosa e uma criteriosa adequação dos meios de laboração à dimensão do laboratório. Surgiu mesmo um patamar mínimo de produção/facturação abaixo do qual a actividade não é sustentável e que se eleva a cada dia que passa. Existem actualmente laboratórios, independentemente da sua dimensão, que não se adaptaram às novas condições de mercado e encontram-se nesta altura sem possibilidade de o fazer: massas salariais demasiado elevadas, passivos significativos, nomeadamente dívidas a fornecedores e a entidades financeiras.
A grande evolução tecnológica nesta área e a elevação brutal dos patamares de qualidade a que está sujeita vieram agravar (ainda mais) a saúde financeira dos laboratórios. A entrada no mercado de operadores internacionais – com estruturas de custos mais racionalizadas e equipas de gestão profissionais – servirá para dar o golpe final nos laboratórios portugueses, se nada for feito entretanto.
O laboratório português típico é uma empresa de cariz familiar, onde os sócios se confundem com a sociedade, característica essa que lhe garantiu o sucesso durante muitos anos, mas que, actualmente, é o principal factor que impede que se faça a viragem necessária.
Não podemos deixar de realçar que o típico dono de laboratório, na maioria das vezes Médico ou Farmacêutico, não tem a racionalidade e formação em gestão necessárias para fazer a reestruturação indispensável para a sobrevivência, preferindo muitas vezes alienar o seu laboratório para terceiros, parecendo, por vezes, quando isso acontece, que a condição é que não seja um seu par.
Por último, têm muita dificuldade em viver numa sociedade (como sócios), porque se julgam sempre mais conhecedores e não querem perder a autonomia e poder que detinham anteriormente.
As condições económicas que o País atravessa leva a que a pressão no sentido da descida dos preços que o Estado paga se faça sentir com grande impacto sobre estas empresas, sendo mais um factor a agravar a situação em que estas se encontram.
Os cortes nos orçamentos nos hospitais públicos condicionou a sua procura por receitas alternativas, levando os seus laboratórios a abrir-se para o exterior, atendendo também doentes externos ao hospital e, até, abrindo postos de colheitas nos centros de saúde, contra a lei e violando os princípios da livre concorrência e da livre escolha por parte dos doentes.
Desde há algum tempo, começou a haver reacção a esta situação, com o aparecimento de grupos de laboratórios que se fundiram, alguns liderados por gestores profissionais e outros por profissionais da área, Médicos e Farmacêuticos.
Os primeiros com poucos conhecimentos técnicos da matéria, os segundos com parcos conhecimentos de gestão.
Julgo que esta nova realidade, de constante mudança, irá exigir uma grande capacidade de adaptação por parte dos operadores deste sector, da qual resultará um rearranjo do mercado, sendo incerto o resultado final.
Na minha perspectiva, a aposta por parte dos laboratórios nacionais deverá assentar essencialmente sobre três premissas: organização em grupos de laboratórios, profissionalização da gestão e adesão de todas a uma associação única do sector.
A fusão de várias empresas laboratoriais vai ser um factor incontornável para a subsistência desta actividade. Desta forma conseguir-se-ão reduzir os custos globais de funcionamento rentabilizando os recursos comuns, adquirir maior capacidade negocial com os fornecedores e diminuir o risco subjacente a estar a operar no mercado de forma isolada. Por outro lado, estes parceiros deixam de ser concorrentes, passando a fazer parte da mesma estrutura empresarial.
Esta forma de organização implica inevitavelmente a profissionalização da gestão, facto este que só se conseguirá se os intervenientes mudarem radicalmente a atitude e postura que apresentam actualmente. Se isso não acontecer vão coarctar a acção do gestor ou administração nomeados, imiscuindo-se permanentemente na sua gestão e levando a que as decisões sejam tomadas colegialmente, ou não sejam tomadas de todo, o que condicionará o fracasso deste tipo de organização empresarial.
Do que foi dito ressalta a grande instabilidade do sector no momento actual, instabilidade essa que extravasa a própria organização laboratorial, nomeadamente através da intervenção dos gestores do SNS que muito têm contribuído para a inexistência de um enquadramento estável para a actividade, de modo a que as organizações possam pensar, em termos estratégicos, o seu futuro. Têm, isso sim, martirizado um sector de actividade já de si fragilizado, mas que, apesar disso, tem sido uma peça fundamental na assistência à população portuguesa.
Nesta perspectiva, acho fundamental a existência de uma associação empresarial nacional de todos os laboratórios clínicos portugueses, para canalizar a sua força conjunta contra as vicissitudes a que estão sujeitos, sejam eles de grande dimensão ou não, estejam ou não organizados em grupos, sejam de gestores ou de profissionais do sector. Essa associação já existe, a ANL, sendo preciso juntar todas estas empresas à mesma mesa; essa deverá ser a «mesa» da ANL.
Saliento novamente, para terminar, que o principal problema que os laboratórios enfrentam nos dias de hoje tem a ver com a postura e atitude dos seus donos.
Dr. Carlos Clara
Vice-presidente da ANL. Presidente da APOMEPA